Atualizado em 12 Abril, 2021

Abençoada por uma santa italiana, prenhe de cachoeiras e de uma densa mata, Cássia dos Coqueiros tem a simplicidade dos destinos turísticos pouco divulgados

A viagem começou em Ribeirão Preto, a cerca de 70 quilómetros. Os acessos são bastante razoáveis e o trânsito escasso. Pelo menos até chegarmos à pequena e desajeitada Cássia dos Coqueiros. Não é que o trânsito se intensifique, mas a estrada passa de bastante razoável a ruim, capaz de partir um eixo do carro se não nos acautelarmos.

Estamos à procura da cachoeira de Itambé que, do alto dos seus 84 metros, é a principal atracção local, ainda que as quedas de água e cascatas abundem na região. As placas são inexistentes, resta-nos perguntar.

“Atravessem a cidade toda, é sempre em frente” – habituada à relatividade dos brasileiros, no que se refere a distâncias, pensei que ainda havia muito chão pela frente. Afinal, menos de um minuto depois, finou-se a cidade e a esburacada estrada de alcatrão.

Como não tínhamos um todo-o-terreno, prosseguimos a 20 km/hora, rezando para que o caminho de terra não se tornasse intransitável. Mais uma paragem a pedir indicações e lá chegámos à fazenda onde se pode apreciar a vista sobre a Itambé, pagando uma simbólica quantia pelo acesso (5 reais por adulto, se bem me recordo).

A fauna junto da cachoeira

O som da cachoeira precedeu tudo o resto, uma canção de ninar baixinha, que lava a alma do stress da cidade. E ei-la como um cartão postal, ainda que distante.

Tinha visto na net que era possível descer até à base da queda de água, apesar da mata densa que a envolve. De facto, existe uma espécie de caminho delimitado por cordas grossas. Espreitando, revelou-se-nos inviável descer com uma criança de três anos. Para além disso, o meu marido não mostrava o mínimo interesse em sujar o seu pólozinho de marca, pelo que me arrisquei sozinha.

Não sou particularmente aventureira ou temerária, zelo pela minha saúde até porque tenho um filho para criar. Mas queria muito aquela foto! Acho que decidi sem reflectir, esquecendo o lagartinho que se cruzara connosco momentos antes e sem pesar a exigência física da empreitada.

Não sabia no que me ia meter mas, já que lá estava, nem pensar voltar para trás. A descida tem apenas 200 metros mas é vertiginosa. Em alguns pontos tive que pender de costas, como no rappel, mas sem botas apropriadas, arnês, capacete e outros dispositivos de segurança. Ainda por cima, o piso estava enlameado e muito escorregadio, por causa de chuvadas recentes.

macaquinho em Cássia dos Coqueiros

Quando alcancei o meu objectivo, fui plenamente recompensada. Sentei-me num pedregulho a contemplar aquela maravilha da natureza, fotografei muito (limpando a lama da máquina com a blusa) e sorri feliz. Mas ainda tinha o caminho de volta para fazer…

Passados dez minutos lá me fiz à subida, que se revelou ainda mais difícil. Agarrei-me às raízes das árvores, às cordas, às pedras do caminho. Escorreguei várias vezes. Tive que parar para recobrar o fôlego… quantas vezes? Até que irrompi pelo meio do mato, desalinhada e quase sem conseguir respirar, para alívio da família que já planeava alguma operação de salvamento.

Lavar o rosto e beber água ajudaram, mas não é exagero afirmar que demorei a recompor-me. Entretanto um grupo recém-chegado pergunta por onde se desce para a cachoeira e eu olho incrédula para as havaianas nos seus pés. Aproveitei a minha autoridade de quem “desceu sozinha à cachoeira de Itambé” e lancei um aviso acerca da lama do caminho.

Não esperei para ver, que me assaltou uma fome de lobo, mas acredito que aquela família demorou muito tempo a regressar.

cachoeira do Itambé

Comida caseira numa villa latina

Escolhemos a Pousada Roccaporena para almoçar, as alternativas também não eram muitas e Serrana, a cidade mais próxima, ficava a quase 60 quilómetros. A escolha revelou-se acertada. Com aspecto de villa italiana, um pátio interior acolhedor e apontamentos bem brasileiros na decoração, a pousada tem um ambiente familiar e uma vista deslumbrante.

Roccaporena é um vilarejo na Úmbria, Itália, onde nasceu Santa Rita de Cássia, a padroeira da cidade. Aliás, a mesma santa apadrinha várias localidades, no estado do Maranhão e do Rio Grande do Sul, sem falar da paulista S. Rita do Passa Quatro que me permanecerá na memória pela originalidade, pelo menos toponímica.

O Brasil e os brasileiros permanecem, de resto, muito conscientes e ligados a um plano espiritual/sobrenatural/religioso, ligação que se exprime nos mais pequenos gestos do quotidiano.

Para mim, esta é a principal distância que os separa dos secularizados, cépticos e desencantados europeus e, cada vez mais, dos portugueses. Se protestamos contra a supressão dos feriados religiosos é para fazer valer o direito ao dolce far niente por mais uns dias.

A única pousada em Cássia dos Coqueiros

De volta à nossa pequena Cássia dos Coqueiros, acabámos por dar um passeio até ao rio, que corre a poucos metros da Pousada. Encontrámos umas pequenas e ruidosas cascatas, por indicação dos donos que se sorriram muito perante as minhas calças enlameadas. Até porque o almoço demoraria ainda uma hora. Afinal era domingo, acrescentaram, apontando para os hóspedes refastelados em volta da piscina. Infelizmente, não tínhamos fatos-de-banho ou calções.

O almoço revelou-se uma agradável surpresa. Buffet com comida caseira e saborosa apesar de, e isso não foi uma surpresa, não haver nenhum prato de peixe e o sumo de abacaxi com hortelã ser sofrível. Para sobremesa, a variedade não era muita mas o doce de abóbora foi bem com uma fatia de queijo de Minas.

Antes de nos fazermos à estrada, de regresso a Ribeirão, ainda houve tempo para um cochilo na sala da lareira. Bem embalados pela cacofonia dos pássaros escondidos na mata atlântica envolvente e pelo burburinho do rio. Ah! A vida pode ser tão simples!

O que visitar em Cássia dos Coqueiros: Para além da cachoeira de Itambé, vale a pena dar um salto ao Mirante, de onde se avistam várias cidades de S. Paulo e Minas Gerais, uma vez que a cidade fica no limite dos dois estados. Dizem que o pôr-do-sol do Mirante é particularmente bonito.