Atualizado em 26 Outubro, 2023
Zalipie é uma joia no sul da Polónia, a uma centena de quilómetros de Cracóvia. Esqueça as paisagens urbanas, cinzentas e sombrias; esta aldeia remota dará um toque de cor à sua viagem
Zalipie é pequena aldeia com casas coloridas e tortas, lindamente pintadas, como uma extensão dos campos de flores silvestres que a rodeiam. Isso mesmo. A curiosa arquitetura local é decorada com pinturas florais, que parecem desabrochar mais do que o mato.
A tradição dos moradores de Zalipie pintarem as casas com flores vibrantes já é centenária e continua bem popular. Tudo pode ser pintado, da caixa de correio à casota do cão, do celeiro ao muro, do galinheiro ao tronco das árvores.
Com o passar dos anos, as pinturas foram-se tornando mais elaboradas e a expressão artística alargou-se ao artesanato, com flores pintadas em móveis, porcelana ou bordadas em vestidos e colchas. A arte folclórica tornou-se parte da identidade desta aldeia polaca, situada entre os rios Vístula e Dunajec.
Uma tradição que orgulha os habitantes e se manteve mesmo durante a guerra, trazendo esperança em tempos sombrios. A somar ao ambiente encantador, com as casinhas pintadas, jardins perfumados com malvas e outras flores, Zalipie é cercada dum cenário bucólico muito tranquilo.
Uma imagem na internet bastou para Zalipie se instalar no meu imaginário e, dali, no nosso roteiro na Polónia. Mas chegar à aldeia revelou-se um desafio inesperado e o céu abençoou a nossa visita com um aguaceiro descabido. Ainda assim, foi a aventura mais bonita que vivemos na Polónia.
Nota histórica sobre Zalipie
Reza a lenda que as mulheres de Zalipie, Polónia, querendo deixar a aldeia mais bonita para o feriado de Corpus Christi, começaram a pintar as paredes e o teto das casas com flores coloridas no século XIX. Desta forma, disfarçavam a fuligem resultante do fogão a lenha, já que as casinhas de madeira não tinham chaminé.
Os pinceis eram fabricados a partir dos pelos da cauda das vacas; a tinta à base de corante em pó e leite. Anualmente, repintavam as paredes com rosas, peónias e outras flores ditadas pela sua imaginação para a festa, numa altura em que não estavam demasiado ocupadas com os trabalhos agrícolas.
Mesmo durante a II Guerra Mundial – e apesar das atrocidades vividas e personificadas por Auschwitz – a tradição manteve-se viva e inspirou, em 1948, The Painted Cottage (Malowana Chata), uma competição de pintura que perpetuou os arranjos florais e terá ajudado a recuperar psicologicamente dos horrores da guerra.
O Museu Etnográfico continua a organizar este que é o concurso mais antigo no campo da arte popular na Polónia em junho. Os prémios, em dinheiro, distinguem a originalidade e talento artístico, muitas vezes com várias gerações a competirem juntas, nas seguintes categorias: pinturas em murais em quintas/habitações; paredes interiores; tela e papel; decorações de interiores.
Nota: A aldeia é bastante conhecida entre os polacos, mas ainda assim permanece tranquila (suponho que a exceção aconteça durante o festival).
O que visitar em Zalipie
Na aldeia de Zalipie, pode admirar a inusitada arte floral na fachada de muitos edifícios. Li algures que existem mais de 30 casas pintadas, mas não as contei. Nada ali é padronizado: as flores, padrões e cores são únicos, refletindo a visão especial de cada pintor(a).
Contudo, a aldeia pintada não é um museu, existem pessoas que habitam ali e seria pouco educado invadir-lhes os jardins. Aproveite antes os lugares abertos ao público para fotografar à vontade. Estes são:
Casa de Felicja Curyłowa
Famosa e respeitada pelo seu trabalho, Felicja Curyło (1904-1974) foi a mais famosa pintora de Zalipie e defensora desta arte popular. A senhora pintou três casas inteiras, por dentro e por fora. Aliás, a sua casa de campo personifica a tradição floral de Zalipie e, mesmo durante a vida da artista, foi bastante visitada.
A casa foi preservada como quando ela ali morava e a visita guiada permite saber como se vivia numa aldeia polaca há 100 anos. No hall, destaca-se um interessante teto preto, com motivos brancos pintados a barro, a técnica mais antiga usada em Zalipie.
Nos quartos, os tetos e paredes são decorados com pinturas feitas diretamente sobre o reboco, objetos de seda e panos tradicionais, confecionados pela própria pintora. A cozinha, divisão ricamente decorada, possui um forno tradicional pintado de azul e revestido de motivos florais coloridos.
Não muito longe da casa de Felicja Curyło, existe outra habitação ricamente decorada, da pintora e poetisa Stefania Łączyńska, que dizem proporcionar uma visão mais ampla da arte popular desta região. Ou seja, as casas pintadas não se limitam a Zalipie.
Informações: Muzeum Zagroda Felicji Curyłowej w Zalipiu
Endereço: Zalipie 135, 33-210 Olesno
Casa das Pintoras
Centro de cultura e museu de Zalipie, a Casa das Pintoras é o lugar para ver as mais belas obras de arte locais, antigas e contemporâneas. Habitualmente estão ali artistas, seguidores da tradição folclórica de Zalipie, a pintarem padrões de flores ao vivo.
Pode comprar o seu trabalho ou participar numa das oficinas de arte e pintar a sua própria lembrança. AEntre 1 de outubro e 31 de maio, a Casa das Pintoras funciona apenas nos dias utéis entre as 8h e as 16h.
Em maio, junho e setembro, o museu funciona todos os dias, com os seguintes horários: 8h-16h (segunda a sexta) ou 11h-18h (fim de semana). Em junho e agosto, o horário é alargado durante a semana (8h-18h), mantendo-se inalterado ao fim de semana (11h-18h).
Informações: Dom Malarek w Zalipiu
Endereço: Zalipie 128 A, 33-263 Olesno
Igreja de São José
Apesar da sua discrição aparente, o interior da Igreja de São José (Parafia Józefa Oblubieńca) honra a arte floral de Zalipie com pinturas nas paredes e nas toalhas do altar. Parece que até as vestes do padre são decoradas com flores coloridas.
Os habitantes têm orgulho na singularidade da igreja, por isso vale a pena espreitar. Infelizmente, esta estava fechada no dia da nossa visita, possivelmente por causa do temporal que caía e que transformou as ruas em pequenos riachos…
A nossa visita a Zalipie e o guarda-chuva emprestado
Corria o mês de julho quando visitámos a Polónia, num roteiro que passou por Cracóvia, Varsóvia, Auschwitz, Minas de Sal de Wieliczka e Tyniec, o mosteiro mais antigo do país. Reservámos o último dia de viagem para conhecer Zalipie e, depois do desafio que foi lá chegar, vimo-nos numa estrada deserta.
Por momentos pensámos que o motorista se tinha enganado, mas não tivemos tempo para grandes cogitações porque, de repente, as comportas do céu se abriram e a chuva começou a cair. Refugiámo-nos por momentos na paragem do autocarro, indecisos. Não tínhamos um guarda-chuva e as nossas capas da chuva tinham ficado no hotel, depois de uma semana inteira de previsões meteorológicas furadas.
Como a chuva não dava sinais de abrandar, decidimos correr até ao edifício mais próximo, para visitar a igreja até que a chuva abrandasse (ai, a esperança). Quando lá chegámos, já estávamos praticamente encharcados e a igreja fechada.
De telheiro em telheiro, chegámos à lojinha que Mareja Lizah instalou na casa da sua avó. Perguntámos se teria algum guarda-chuva pintado para vender, entre os souvenirs. Entre gestos e algumas palavras em inglês, pediu-nos para esperar. Saiu e, passados uns minutos, trouxe-nos um guarda-chuva que insistiu em oferecer-nos.
Comovidos com a generosidade para com os visitantes molhados, que apenas lhe tinham comprado duas pequenas peças de artesanato, combinámos deixar o guarda-chuva na paragem do autocarro, onde o poderia recuperar. E foi graças a isso que conseguimos ver alguma coisa da aldeia, num dia em que o céu estava muito rabugento.
Dicas úteis para visitar Zalipie, Polónia
Como chegar a Zalipie
A remota Zalipie está localizada na região de Pequena Polónia, no sul do país, entre Cracóvia, Tarnow, Sandomierz e Czestochowa. O ideal será chegar de carro à aldeia pintada, a cerca de 100 quilómetros de Cracóvia: o trajeto deve demorar cerca de hora e meia, pelas estradas A4 e DK73.
Quem não tiver carro alugado, deve chegar primeiro à cidade de Tarnów de autocarro (por exemplo, a empresa Voyager) ou comboio. Depois da viagem de comboio, que demora quase uma hora, deparámo-nos com o primeiro desafio. A estação de autocarros deixou de funcionar – em obras, aparentemente -, pelo que foi muito difícil perceber onde apanhar o autocarro que liga Tarnów e Zalipie.
Muito pouca gente fala inglês, mesmo das gerações mais novas, pelo que perdemos tempo precioso enquanto nos diziam que não existia autocarro para a aldeia, que devíamos fazer o percurso de táxi ou apanhar um autocarro para outra cidade e tentar ligações a partir dali.
Finalmente encontrámos a paragem (segunda, no fundo da rua à direita, para quem sai da estação dos comboios) e um jovem rapaz ligou para a empresa Euro Plawecki Trans, que lhe confirmou a existência de um autocarro e me veio tranquilizar, usando o google tradutor. Mais um gesto que mostra a gentileza dos polacos.
Em resumo, deve apanhar um mini autocarro com destino a Gręboszów ou Bieniaszowice e sair na aldeia: o trajeto dura cerca de 45 minutos e o bilhete custa 8,5 złoty por pessoa/trajeto (preços no verão de 2023). Infelizmente, a frequência dos autocarros não é grande e os horários disponíveis online não batem certo com o que verificámos na visita.
Uma alternativa será reservar o passeio com a Get Your Guide, como pode ver abaixo.
Melhor altura para visitar a aldeia
A melhor época para visitar Zalipie é na primavera ou no verão, quando as pinturas ganham vida, tendo como pano de fundo a paisagem florida. Durante o concurso de junho, é um excelente momento para ver as tradições em ação e uma maneira divertida de experimentar a vida na aldeia polaca. Claro que tudo é relativo, como se viu pela nossa experiência.
Onde ficar em Zalipie Polónia
Zalipie é um vilarejo pequeno sem opções de hospedagem e restaurantes. Portanto, terá que pernoitar em Cracóvia ou Tarnów e levar um lanche. Na verdade, o google maps mostra um Bistro u Zosi, que estava fechado. Não sei se funciona só aos fins de semana e durante o festival-concurso, ou se estaria fechado por causa da chuva.
Este artigo sobre Zalipie Polónia faz parte parte do projeto coletivo 8on8, que que une lindas viajantes em volta de um tema comum, no dia 8 de cada mês. Espreitem os restantes textos sobre o tema “lugares instagramáveis”, desfrutem, partilhem e inspirem-se:
Travel Tips Brasil – Casapueblo Punta del Este – um belíssimo museu
Mulher Casada Viaja – Katara Cultural Village: 8 lugares instagramáveis
Viajante Econômica – Bariloche no verão: roteiro de dois dias
Entre Mochilas e Malinhas – O que fazer em Atibaia: 3 lugares imperdíveis
Chicas Lokas na Estrada – Ponta do Seixas e Piscinas Naturais do Seixas em João Pessoa
17 Comentários
[…] O Berço do Mundo – Zalipie, a aldeia florida da Polónia […]
[…] O Berço do Mundo – Zalipie, a aldeia florida da Polónia […]
Que aventura na chuva, Ruthia! Ainda mais com a dificuldade da língua hahaha mas pelo jeito valeu a pena, que lugar adorável é Zalipie! E que linda tradição essa da pintura das casas, um contraponto bem interessante ao “tempo rabugento” (adorei a expressão). Como vc descobriu esse lugar? Pois há vários pontos famosos na Polônia, mas certamente não Zalipie.
Fiz uma pesquisa em inglês sobre passeios perto de Cracóvia e bastou uma imagem para decidir que tinha ir conhecer Zalipie
Que lugar interessante a Vila de Zalipie na Polônia. Eu nunca tinha ouvido falar. Adorei passear e conhecer um pouco com seu relato, Ruthia. Eu aproveitaria para fotografar bastante. Adoro arte de rua, acho que as pinturas nas casas se enquadram um pouco ne?
E que bacana a generosidade de lhe oferecerem um guarda-chuvas para continuar o passeio!
É uma arte de rua, sim, ainda que com uma conotação diferente da que lhe costumamos dar.
A generosidade da senhora ficará na nossa memória durante muitos anos!
Ruthia, acho que o melhor de tudo nesta sua visita a Zalipie, além de usufruir da generosidade local, foi a experiência de sentir como se viajava antigamente: com barreiras linguísticas, sem muita informação sobre o lugar, um destino com poucos turistas. Saudade disso, né? Lindinha essa vila, já marquei no meu Google Maps com bandeirinha verde!
Pois é, Márcia. Hoje é tão fácil viajar, que ficamos um pouco surpresos quando esses pequenos obstáculos acontecem na Europa
Nunca tinha ouvido falar de Zalipie, mas parece “meu tipo” de lugar. Adoraria passear por essas casinhas coloridas. Um gesto generoso como o da senhora que ofereceu o guarda-chuva, torna a experiência de viagem mais bonita, não é?!? Adorei o post!
Sem dúvida, o gesto fez o destino
Fiquei com tanta vontade de conhecer Zalipie. A Polónia é um país que está na minha lista há algum tempo mas Zalipie não estava nos meus planos.
Raramente está nos planos dos estrangeiros, porque não é um destino muito badalado. Mas está no meu top 3 do país, ressalvando que não conheci tudo o que queria. Pretendo visitar Gdansk, Wroclaw e as montanhas Tatras, no futuro.
Que cidade mais fofa. Super te entendo quando decidiu visitar a cidade após ver uma imagem na internet. A história do guarda-chuva me faz lembrar que nessas nossas caminhadas pelo mundo encontramos pessoas generosas e gentis. Dá um certo otimismo 🙂
Essa generosidade ajuda a restaurar a fé na humanidade 🙂
Nunca tinha ouvido falar de Zalipie, mas agora já quero conhecer este lugar super fofo!
Ainda mais com pessoas tão gentis que te salvaram da chuva.
Se um dia eu for à Polônia, está gracinha vai estar na lista. Obrigada pelas dicas. Bjs
Grata pela visita e pelo feedback. Se um dia visitar, depois conte o que achou.
Que fofura é Zalipie, a Polônia está entre meus 5 destinos para conhecer nas próximas viagens, adorei saber que podemos esticar a viagem pelo interior do país e ainda com um destino lindo como essa aldeia.