Atualizado em 26 Julho, 2024

Mostar, a pequena guardiã do Neretva, acolhe milhares de visitantes por ano com simpatia, apesar de ter sofrido terrivelmente durante a guerra dos Balcãs. Será que merece o título de “a mais bela da Bósnia-Herzegovina”?

A vista da ponte velha de Mostar (stari most), arqueando-se sobre as águas esmeralda do rio Neretva e fluindo pelo centro da urbe medieval, é uma visão encantadora. Construída por ordem de Solimão o Magnífico no século XVI, a icónica ponte de pedra é símbolo desta cidade sulista e, porventura, o monumento mais famoso do país.

Acrescentemos ao argumentos para visitar Mostar a sua história, um cenário de conto de fadas (entre montanhas rochosas) e pessoas hospitaleiras. Dada a sua importância como símbolo excecional e universal da coexistência de comunidades de diversas origens culturais, étnicas e religiosas, o centro histórico de Mostar foi classificado Património Mundial da UNESCO em 2005. Tratou-se do primeiro sítio do país inscrito naquela prestigiada lista.

Sem esquecer que Mostar é um destino económico, se comparado com cidades turísticas como Dubrovnik, Split ou Zadar e que muitas pessoas falam inglês, talvez devido ao sucesso turístico da cidade.

As suas influências otomanas distinguem Mostar da maioria das cidades europeias. Na Bósnia e Herzegovina o Islão convive com os três principais ramos do Cristianismo (católico, protestante e ortodoxo), a região também não foi alheia à influência judaica no passado. Capital não oficial da Herzegovina, Mostar testemunha como três religiões abraâmicas conviveram durante os últimos séculos.

O estilo arquitetónico da cidade mistura autêntico otomano-mediterrânico, austro-húngaro e brutalismo jugoslavo, como se viajássemos entre os séculos XVI, XIX e XX numa mesma rua. Todas estas idiossincrasias de Mostar são deliciosas.

Se a história não lhe interessa, pode simplesmente deambular no histórico bazar, descer ao rio para uma perspetiva diferente da ponte velha, apreciar a vista desde o minarete da mesquita Koski Mehmed Pasha, provar burek e ćevapi, ou experimentar uma Sarajevsko (a cerveja local) num dos vários restaurantes à beira-rio, rodeados de vegetação e iluminados ao final do dia como nas comédias românticas.

© Créditos da imagem de abertura: unesco.org

#Curiosidade: diz a lenda que o arquiteto não esteve presente na inauguração da ponte velha, com medo de que o sultão cumprisse a ameaça de lhe cortar a cabeça se a ponte caísse.

Onde fica Mostar, na Bósnia-Herzegovina

A Bósnia-Herzegovina resultou da dissolução da antiga Jugoslávia. No coração da cordilheira dos Alpes Dináricos, a região da Herzegovina constitui a parte mediterrânica do país. Sem qualquer separação política, partilha as mesmas lutas políticas e o infeliz legado bélico ainda recente da Bósnia. A sua especificidade reside na geografia, bem como num patriotismo local relacionado com o nome.

Mostar fica no sul, na região da Herzegovina que liga naturalmente a costa do Adriático e o interior do país. Aliás, a Bósnia-Herzegovina possui apenas 20 km de costa marítima, a segunda menor do mundo. A cidade prospera com uma encantadora combinação de topografia cársica, que se enche de neve no inverno, e abundância de cursos de água como o cristalino rio Neretva.

Um pouco de história e orgulho ferido

A história da ponte está intimamente ligada à da cidade: o nome Mostar deriva de “Mostari”, como se chamava aos guardiões da ponte. De resto, a primeira fonte histórica, de 1452, referia-se às duas torres fortificadas que guardavam a ponte de Mostar e não especificamente à cidade.

Durante os quatro séculos de domínio otomano, Mostar tornou-se um importante centro comercial, resultando num centro histórico de estilo oriental e islâmico. Os períodos de governo austro-húngaro e jugoslavo também deixaram a sua marca, resultando num melting pot de povos e arquiteturas.

Considerada uma obra-prima da engenharia otomana, a stari most substituiu uma estrutura em madeira que unia as duas margens da cidade e também duas comunidades: cristãos e muçulmanos. A ponte de elegante design arqueado foi projetada por um aprendiz do famoso arquiteto Mimar Sinan (autor do projeto da mesquita de Solimão em Istambul, comparado ao seu contemporâneo Micheangelo) e inaugurada em 1556.

Outra mesquita da cidade de Mostar.

Depois de sobreviver à ocupação italiana durante a II Guerra Mundial, a ponte foi bombardeada por tropas croatas em 1993 e colapsou, ferindo gravemente o orgulho dos habitantes daquela que dizem ser a mais bela cidade da Bósnia-Herzegovina.

Quinze anos volvidos, foi reconstruída à imagem da antiga, usando técnicas medievais e muitas das pedras originais, e protegida com a classificação da UNESCO. Apesar das cores da pedra denunciarem a reconstrução, chamam-lhe, ainda e sempre, a ponte velha. Em vários pontos da cidade encontrará inscrições a negro dizendo “Don’t forget ’93”, incluindo numa das extremidades da ponte.

Passado o primeiro encantamento, começamos a ver as cicatrizes do passado recente. Casas, igrejas e mesquitas foram destruídas; alguns edifícios continuam em ruínas ou cravados de balas. Apenas uma das então 27 mesquitas da cidade permaneceu de pé.

No cimo de umas das montanhas circundantes, uma cruz branca marca o local de onde as forças croatas bombardearam a cidade, após um cerco que durou nove meses e privou os habitantes de eletricidade e acesso a comida. Durante a guerra dos Balcãs, havia uma grande avenida em Mostar que separava bósnios (muçulmanos) de um lado e croatas (cristãos) de outro.

No edifício do Lkjuljanska Bank, na atual Praça de Espanha, existia um snipers nest, isto é, um posto para os atiradores de elite. Hoje o prédio triangular está em ruínas e repleto de grafitis, sem nenhuma sinalização sobre o seu passado sangrento. A praça é hoje agraciada pela vivacidade da escola Gimnazija Mostar, cuja beleza neo-islâmica contrasta com algumas construções próximas ainda em escombros.

© Wiki commons. O colorido Gimnazija Mostar

Outros locais nos arredores, como o hangar de aviões abandonado, a fábrica aeronáutica Soko, a fábrica de Tabaco Mostar, o Centro Comercial Razvitak, o quartel militar “acampamento Sul” e outros antigos edifícios residenciais devastados fornecem informações sobre o passado bélico de Mostar.

Persiste ainda hoje uma clara divisão na cidade, com muçulmanos maioritariamente na margem oriental do rio e cristãos na margem ocidental, onde existe uma gigantesca catedral. Mas a guerra terminou há 30 anos. Os turistas estão de volta. Os sinos das igrejas tocam e os muezins chamam para a oração. Onde há esperança, há futuro.

#Dica: a moeda oficial da Bósnia-Herzegovina é o marco bósnio (BAM): 1 €uro equivale a 1,95 BAM. Há caixas de levantamento automático em Mostar, mas muitas lojas e restaurantes aceitam pagamentos em euros. O custo de vida é ligeiramente inferior ao português: uma refeição para duas pessoas num bom restaurante rondava os 20€ no verão de 2024.

Centro histórico de Mostar

Se já o convenci a incluir a encantadora Mostar no seu roteiro pelos Balcãs, leia agora o que pode visitar nesta cidadezinha da Bósnia-Herzegovina. Comece junto às margens da ponte velha, área de notória influência otomana. Atravesse a ponte, por sua conta e risco, com o aviso de que o piso é extremamente escorregadio. De ambos os lados do rio Neretva, há torres medievais (chamadas Tara e Halebija), casas em pedra e várias mesquitas com minaretes a rasgar ao céu.

As margens pululam de lojas de artesanato, com artigos em cobre, tapetes e bugigangas, em artérias exclusivamente pedonais. Conte com o acesso à ponte velha apinhado de turistas, sobretudo durante o verão. O turismo desempenha um papel fundamental na economia de uma cidade que teve nos curtumes a sua maior indústria, e que procura reerguer-se da sombra da guerra.

Sintomático é o facto do Tabhana, o “palácio” dos curtidores, ter sido transformado num conjunto de pequenos cafés. A maioria das antigas oficinas dos artesãos, organizados em guildas, foram igualmente transformados em áreas comerciais.

Interior da mesquita Koski Mehmed Pasha

Reserve tempo para explorar o Bazar de Kujundziluk que ocupa uma ruazinha estreita. As casinhas, grande parte reconstruídas, remetem para o período medieval otomano. Ali perto encontra a Mesquita Koski Mehmed Pasha (século XVII) que oferece um ambiente tranquilo, mesmo num dia de estio e com a cidade invadida por visitantes.

Para além de ser bem condescendente com as turistas de calções, a mesquita oferece uma das melhores vistas de Mostar e da ponte velha, a partir dos jardins e do minarete (que não subi, por estarem mais de 40° C). O pátio e fonte têm acesso livre. Considerada a mesquita mais bonita de toda a Herzegovina, possui uma cúpula pintada com motivos botânicos e luz coada por janelas de vidro colorido.

Poderá ser igualmente interessante atravessar a Kriva Cuprija ou Crooked Bridge (1558), sobre o rio Radobolja, um pequeno afluente do Neretva, e que fica igualmente mágica ao entardecer com as luzes dos cafés e restaurantes.

Assim como a sua “irmã mais velha e famosa”, a ponte original foi severamente castigada na guerra dos anos 90, e o que restou foi arrastado por uma enchente na véspera de ano novo em 1999. O que vemos hoje é uma reconstrução finalizada em 2002. Ali perto fica o Haman Museum, instalado numa antiga casa de banho turca do final do século XVI.

O centro histórico é bem conservado, mas vale a pena afastar-se um pouco e embrenhar-se, sem grandes preocupações de orientação, no resto da povoação. Há casas turcas tradicionais para visitar (por exemplo, a Biscevica Cosak, que exige agendamento prévio no inverno), com os pátios interiores exuberantes, ou a casa-museu Muslibegovic, uma mistura de museu nacional e hotel.

Se a história o interessa particularmente, pode compreender melhor a guerra dos Balcãs e as suas cicatrizes no Museu da Guerra e das Vítimas do Genocídio 1992-1995 ou na War Photo Exibition, uma coleção de cerca de 50 fotos poderosas do tempo de guerra do fotojornalista neozelandês Wade Goddard.

ponte em Mostar, Bósnia-Herzegovina

#Curiosidade: o mergulho da ponte velha é uma tradição antiga (o primeiro remontará a 1664) e uma espécie de rito de passagem para os jovens locais, que saltam os 24 metros de altura para uma pequena área rodeada de rochas. A cidade passou a organizar um concurso no mês de julho e a integrar o famoso Red Bull Cliff Diving World Series.

Passeios perto de Mostar

Existem vários locais nos arredores de Mostar adequados a atividades ao ar livre. Em Fortica, que faz parte da montanha Velež, existe um Parque de Aventuras que oferece atividades como tirolesa, escalada, rapel, via ferrata, BTT e safari de montanha. Existem ainda numerosos trilhos, de diferentes níveis de dificuldade, nas montanhas de Velež, Čvrsnica, Čabulja e Prenj.

Mosteiro Blagaj Tekke

A cerca de 12 km da cidade, assinale-se o mosteiro Blagaj Tekke, escondido num rochedo escarpado na nascente do rio Buna. Considerado um dos locais mais sagrados da Bósnia-Herzegovina, é lar de uma antiga irmandade de dervixes há mais de 600 anos.  

Este mosteiro muçulmano do século XV ou XVI é um dos locais mais antigos e sagrados da Bósnia-Herzegovina, tendo sobrevivido incólume à guerra, e continua a ser um lugar de beleza, paz e solidão. Apesar dos turistas serem autorizados a entrar mediante um valor simbólico, devem lembrar-se que se trata de um local sagrado.

Nas redondezas existem restaurantes, um miradouro espetacular e um barco que conduz os visitantes até uma gruta na base da falésia e nascente do rio. Os guias afirmam que a água aqui é pura o suficiente para se beber diretamente do rio.

© breatheintravel.com. O belo mosteiro de Blagaj Tekke

Cidade muralhada de Pocitelj

Construída num anfiteatro natural junto ao rio Neretva (o mesmo que banha Mostar), a cidade otomana de Počitelj é uma das mais pitorescas da Europa. Museu a céu aberto, o vilarejo histórico oferece uma vista bonita desde a torre Gavrakapetan, que é como quem diz, a torre octogonal que resta entre as ruínas do castelo.

Se estiver de carro, encontra estacionamento gratuito bem perto da subida para o castelo. Também pode optar por fazer uma excursão partindo de Mostar. Labirinto de escadas íngremes, romãzeiras e antigas casas de pedra, no centro histórico pode encontrar em deambulações sem rumo a Mesquita Hadži Alijina (1562),  totalmente restaurada após a guerra, ou a torre do relógio, que ainda aguarda um novo sino.

Cascatas de Kravice ou Kravica

Os amantes de natureza vão adorar as majestosas cascatas de Kravice (Kravica em português), uma extraordinária queda de água calcária no rio Trebižat, a cerca de 40 km de Mostar.  Numerosos riachos emergem da folhagem exuberante, onde se destacam figueiras e álamos, e mergulham numa piscina verde esmeralda, num anfiteatro natural que se prolonga por 120 metros.

Se a imagem acima não o convenceu, uma rápida pesquisa no Google bastará para dissipar quaisquer dúvidas. A cascata atinge o seu ponto mais espetacular na primavera, quando a água do degelo engrossa os riachos e mergulha furiosamente do topo das falésias.

No verão, as quedas são menos dramáticas, mas a piscina e a floresta circundante são o local perfeito para fazer piqueniques, caminhar e refrescar-se durante o quente verão da Herzegovina. Apesar de não existir transporte público até lá, a maioria dos operadores turísticos em Mostar oferece passeios de um dia.

cascatas de Kravica, perto de Mostar, Bósnia-Herzegovina
As belas cascatas de Kravica, perto de Mostar, Bósnia-Herzegovina

#Dica: os cidadãos portugueses não necessitam de visto para viajarem pelo território da Bósnia-Herzegovina, mas é necessário passaporte para entrar no país. Nós entrámos pela fronteira terrestre, a partir da Croácia, e o tempo na fronteira não foi demorado.

Dicas úteis para visitar Mostar, na Bósnia-Herzegovina

Como chegar

Mostar é a maior cidade da Herzegovina, uma das cinco regiões do país, distando cerca de 130 km da capital, Sarajevo, e 60 km da costa do Adriático. Apesar de dotada de um pequeno aeroporto, quase exclusivamente utilizado por voos charter que transportam peregrinos católicos até Medugorje, é necessário voar para Sarajevo ou Dubrovnik, as cidades de acesso mais conveniente a Mostar.

De Sarajevo, existem autocarros para Mostar, mas o comboio é mais confortável. Os bilhetes adquirem-se na própria estação e não é prática corrente os lugares serem reservados, pelo que a compra antecipada é desnecessária. A partir das cidades croatas de Split ou Dubrovnik, os autocarros de passageiros são o meio de transporte mais prático.

Pode igualmente alugar um carro para chegar a Mostar desde uma das cidades, sabendo que a estrada é razoável, ao estilo das vias secundárias portuguesas. Se não quiser alugar carro, ou tiver o tempo muito limitado, pode também reservar uma excursão a partir de Dubrovnik com a Get your Guide, que inclui a visita guiada ao centro histórico de Mostar e uma paragem nas cascatas de Kravice. Foi o que fizemos. Apenas não gostámos de chegar a meio da manhã a Mostar, quando o calor começava a apertar e a luz não era adequada para fotografar.

#Nota: a Bósnia-Herzegovina cobra taxa de turismo a quem pernoita na cidade e, aparentemente, também a quem faz um day trip (pagámos 3€/pax no verão de 2024).

Alojamento em Mostar

Se poder pernoitar em Mostar, poderá apreciar a cidadezinha a horas mais tranquilas e fotografar com melhores condições de luz. Sendo uma cidade pequena, regra geral, os hotéis ficam sempre a curta distância do centro histórico. Entre os mais elogiados pelos viajantes encontram-se o Hotel & Restaurant Kriva Ćuprija e o Hotel Patria Villa, sendo que a cidade possui, cada vez mais, pequenos alojamentos locais, apartamentos e AirbnB.

Li que uma alternativa poderá ser ficar em casas privadas, normalmente por preços mais baratos do que os hotéis. Informe-se no posto de turismo de Mostar e visite os lugares, para garantir a qualidade.

cevipce em Mostar

Gastronomia bósnia

A oferta gastronómica é farta, com vários estabelecimentos modestos no centro histórico a servirem comida tradicional, para além de restaurantes mais requintados. Nós almoçámos no restaurante Divan, com vista para o rio, e foi uma escolha simpática. O Pedro experimentou o Ćevapi, pequenas salsichas sem pele grelhadas, servidas num pão achatado com cebola picada, enquanto eu provei as trutas grelhadas, pescadas no rio límpido que corta Mostar ao meio.

Outras especialidades são o omnipresente burek (que voltámos em encontrar no Montenegro), um pastel de massa folhada estaladiça, recheado com carne, queijo, batata ou abóbora e que encontra em todos os cafés e padarias; doces turcos como a baklava e o encorpado café bósnio.