Atualizado em 10 Abril, 2025

Entre muralhas que contam histórias e miradouros que se perdem no horizonte do Tejo, embarcamos numa viagem a Santarém que mistura gastronomia ribatejana, arte gótica e a alma de um Portugal autêntico.

Santarém, capital e porta de entrada para o Ribatejo, ergue-se sobre um planalto com vista privilegiada para o maior rio de Portugal. Foi chamada Scallabis pelos romanos e é hoje conhecida como capital do gótico, por ser uma das maiores representantes daquele estilo no país [os amantes de detalhes históricos, poderão gostar deste vídeo detalhado acerca da colónia romana de Scalabis].

As suas ruas de pedra conduzem-nos por séculos de História, cada fachada parece sussurrar episódios antigos, tempos de reis, navegadores e poetas. Por exemplo, na imponente e gótica igreja de Santa Maria da Graça repousa Pedro Álvares Cabral, o navegador que descobriu o Brasil.

A poucos passos, o Jardim das Portas do Sol  ̶- com o nome mais poético de sempre  ̶   oferece uma vista arrebatadora sobre o rio e a lezíria, um convite à contemplação e à fotografia. Para além disso, a cidade pulsa com festas e tradições seculares. As romarias, o fado cantado em tom mais popular, o fandango e os campinos montados a cavalo compõem um bem retrato vivo da região.

Santarém esteve presente nos principais momentos da História de Portugal: desde a conquista de D. Afonso Henriques em março de 1147, até à partida dos tanques comandados por Salgueiro Maia, em direção a Lisboa, na madrugada de 25 de abril de 1974.

A velha cidade, a apenas uma hora de Lisboa e facilmente acessível de carro ou de comboio, tem tudo para uma pausa perfeita. Eu visitei-a a convite de uma amiga que ali vive e achei-a um destino bem simpático, apesar do notório despovoamento do centro histórico. Descubra porquê.

dançarinos de fandango em Santarém

#Curiosidade: a fundação desta urbe luminosa, situada a cerca de 80 km de Lisboa, está envolta em lendas, relacionadas com a mitologia greco-romana (lenda de Ábidis, filho ilegítimo de Ulisses e da filha do rei da Lusitânia) e cristã (Santa Iria).

Um dia em Santarém, a capital do gótico

Santarém é um livro de pedra em que a mais interessante das nossas crónicas está escrita. – Almeida Garrett

Um dia permite conhecer os principais atrativos da cidade de Santarém, mas um fim de semana será perfeito para ir além do óbvio, visitando uma das vinícolas ou a Casa Museu Passos Canavarro, talvez percorrendo um dos trilhos da região.

Sugiro que comece o passeio na Praça Sá de Bandeira, com vagares de férias, na esplanada da pastelaria Bijou, a mais antiga de Santarém. Acompanhe o seu café com um dos doces regionais – arrepiados, pampilhos ou celestes de Santa Clara – e sinta a vida desta praça, onde quase toda a gente se conhece. Dizem que Santarém tem a forma de uma mão, e aqui estamos na sua palma.

Só a vista merece a contemplação: em frente à esplanada fica a majestosa Sé Catedral de Santarém (século XVII), uma fachada branca realçada pela luz do sol.  

Sé Catedral de Santarém
© Wikipedia

#Curiosidade: na fachada da Sé estão quatros santos jesuítas, três de braços abertos e um com as mãos sobre o estômago. Parece que Nossa Senhora terá feito um arroz doce para os jesuítas e que o mesmo desapareceu. São Francisco Xavier, de braços abertos, diz que não sabe o paradeiro da sobremesa. Santo Inácio de Loyola responde de igual forma. São Francisco de Borja aponta para o santo que resta, dizendo, “acho que foi ele”. E São Luís Gonzaga, de mãos sobre a barriga, admite: “Soube-me muito bem”.

No interior da Catedral espera-nos frescos em trompe l’oeil, detalhes dourados, estátuas e varandas. Aberturas no teto mostram onde as crianças outrora se escondiam para lançar pétalas durante as missas especiais.

Anexo à Sé fica o Museu Diocesano, de arte religiosa, com uma coleção de escultura, pintura e azulejaria datadas do século XIII até aos nossos dias. Por altura da minha visita, a exposição “No princípio era” dava protagonismo a obras sobre a Santíssima Trindade, num diálogo interessante com instalações de fotografia e vídeo contemporâneas.

Depois do museu e Sé, deambule pelas ruas estreitas, onde cães se aquecem ao sol e o tempo corre devagar, aprecie preciosos padrões de azulejos rua após rua (os do mercado municipal são bastante bonitos), descubra a poupa gigante que Bordalo II colocou numa fachada do centro histórico.

obra de Bordalo II no centro histórico de Santarém

Depois do almoço, visite uma ou várias igrejas da cidade, e termine a tarde com um por do sol espetacular no Jardim das Portas do Sol, a ponta do dedo indicador, se recordarmos a forma de mão da cidade.

O jardim fica sobre as ruínas do antigo castelo que D. Afonso Henriques tomou de surpresa aos mouros, numa noite de 1147, acontecimento recordado pela estátua do primeiro rei, igualzinha à que existe no Castelo de São Jorge (Lisboa) e no Castelo de Guimarães. Um dos vestígios mais significativos da antiga fortificação é a Porta de Santiago (séc. XIII), por onde ainda hoje passam os peregrinos rumo a Santiago de Compostela.

O miradouro oferece uma impressionante vista sobre a lezíria e o rio Tejo, que corre alguns metros abaixo.

#Curiosidade: a cidade começou por ser chamada Scallabis no período romano, Sancta Irene (ou Iria) sob a soberania visigótica e Shantarin durante a ocupação muçulmana. O nome Santarém surgiu após a reconquista da cidade aos mouros por D. Afonso Henriques, no século XII. Mas foi o primeiro nome que inspirou o gentílico local: os habitantes de Santarém são conhecidos como escalabitanos.

rio Tejo visto das Portas do Sol

Roteiro pelas igrejas de Santarém

A fé ribatejana traduz-se num conjunto impressionante de templos católicos em Santarém. O roteiro pelas igrejas proposto pelo Turismo da cidade inclui 13 edifícios.

Se quiser conhecer os mais significativos de Santarém, enquanto “capital” do gótico, sugerimos a Igreja de Nossa Senhora da Graça (séc. XV), com a sua rosácea gótica flamejante, e a Igreja de Nossa Senhora de Marvila (séc. XVII), que se acredita ter sido construída sobre as fundações de uma antiga mesquita, com um belo interior de azulejos, onde o gótico português evoluiu para a inspiração manuelina. 

Não muito longe, encontra a Igreja do Santíssimo Milagre (reconstrução do séc. XVI), que atrai devotos de todo o mundo, sendo uma das mais importantes para os escalabitanos, graças a uma relíquia consagrada que representa o corpo de Cristo.

Sé Catedral de Santarém
Teto da Sé Catedral de Santarém

#Curiosidade: no Convento de S. Francisco, onde D. João II foi aclamado rei, está sepultado o rei D. Fernando. Na obra Viagens na minha terra, Almeida Garrett dá vários exemplos da trágica degradação de Portugal, mencionando, por exemplo, o estado em que vai encontrar o extinto Convento de São Francisco de Santarém, onde se desenrolam alguns dos momentos mais dramáticos da novela.

Trilhos em Santarém

O município de Santarém identificou cinco pequenos circuitos pedestres no interior da cidade, que permitem conhecer o seu património: Santarém gótica (1,77 km), Santarém azulejar (1,3 km), Santarém maneirista (1,07 km), Santarém religiosa (2,52 km) e Circuito da alcáçova (0,67 km).

Para além destes, o concelho possui apenas duas pequenas rotas (PR) marcadas, que permitem alguma imersão na natureza. O PR1 – Algar do Pena, circular, com cerca de 9 km e dificuldade média, desenvolve-se no Planalto de Santo António num cenário essencialmente rural. Já o PR 2 – De Santarém ao Rio, igualmente circular, estende-se ao longo de 6,2 km, partindo do Jardim da República.

Pode consultar todos os circuitos disponíveis no site do município (releve os muitos erros gramaticais que ali vai encontrar… aquelas vírgulas entre sujeito e predicado irritaram-me solenemente).

Passeios nos arredores de Santarém

Santarém pode servir de base para vários destinos na região: Tomar, conhecida pela sua tradicional Festa dos Tabuleiros; Vila Nova da Barquinha, onde fica o cinematográfico castelo de Almourol; o Santuário de Fátima; Constância, a vila poema onde os rios Tejo e Zêzere se unem, com o seu borboletário; Golegã e os seus cavalos, Ourém…

Entre as encostas argilo-calcárias ribatejanas que rodeiam Santarém, existem também várias quintas onde se pode provar e adquirir produtos locais. É o caso da familiar Quinta da Ribeirinha, a apenas 15 minutos da cidade, onde pode ser apresentado aos espumantes, rosés e tintos locais. Mediante agendamento é possível visitar a adega e as vinhas.

atividade no rio Tejo

Aldeias avieiras do Tejo

Conhecer uma das aldeias avieiras é um dos passeios mais distintivos da região. Sim porque é possível conhecer vinícolas, igrejas e castelos em qualquer ponto do país. Já estas aldeias ribeirinhas são singulares.

First things first. O que é uma aldeia avieira? É uma pequena localidade aninhada nas margens do Tejo, feita de construções de madeira em cima de palafitas, para sobreviverem às cheias do rio.

Caneiras, Escaroupim, Patacão, Palhota… se há três ou quatro décadas o número destas aldeias rondaria as 80, hoje contam-se pelos dedos e várias permanecem em ruínas. A minha amiga Ana Borges escreveu um belo artigo sobre este tema: Em busca das aldeias avieiras.

aldeia avieira de Escauroupim, perto de Santarém

Estas aldeias nasceram devido à forte imigração de pescadores, em busca de sustento que o mar lhes negava no Inverno. A migração começou por ser sazonal, mas, depois, várias famílias passaram a viver nos seus barcos ao longo do rio.

Daí terem sido apelidados de “nómadas do rio”, para usar o apodo de Alves Redol, ou “ciganos do rio” por serem famílias fechadas e com tradições particulares. Com o passar do tempo, construíram pequenas casas em madeira em cima de estacas, com cobertura de palha ou canas.

Em Escaroupim existe um museu da cultura avieira, que infelizmente permaneceu sempre fechado no dia da minha visita. Foi ainda naquela localidade que fiz um passeio de barco com a empresa Rio-a-dentro, que recomendo. O guia revelou bastante conhecimento acerca da fauna ribeirinha enquanto navegámos junto a várias ilhas desabitadas: a Ilha das Garças, a Ilha dos Cavalos, a Ilha dos Amores, a Ilha da Palhota, entre outras.

Região de Santarém com crianças

A cidade de Santarém não tem uma miríade de programas giros para se fazer com crianças, para além do parque infantil no Jardim das Portas do Sol e a mágica livraria Aqui há Gato (Rua Serpa Pinto), com uma programação engraçada que inclui horas do conto, fantoches, oficinas várias, noites temáticas.

No Verão, o Complexo aquático de Santarém pode proporcionar um dia fantástico em família. O espaço tem piscina recreativa com dois jogos de água, cascata e jacuzzi, escorregas com pistas diferentes, piscina de ondas, um chapinheiro para bebés e uma piscina para crianças.

Nas proximidades de Santarém, há outros lugares interessantes para um passeio com os miúdos. É o caso do Centro de Ciência Viva de Constância, com um observatório astronómico (agendamento necessário), da falcoaria real em Salvaterra de Magos, ou do Centro Ciência Viva do Alviela – Carsoscópio, no concelho de Alcanena, cujos temas principais da exposição são os morcegos, o carso e a água.  Alviela possui, para além disso, um lugar para banhos: a praia fluvial Olhos de Água.

Um pouco mais longe (cerca de 73 km) fica o Dino Parque da Lourinhã, um passeio para despertar o interesse de futuros paleontólogos.

Dino Parque da Lourinhã

Dicas úteis

“O Ribatejo deve ser contemplado das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia.” — Miguel Torga.

Como chegar a Santarém

Santarém é facilmente acessível desde as principais cidades de Portugal e da vizinha Espanha, de carro, comboio ou autocarro.

  • Porto (com ligação a Coimbra e Aveiro) – A1 (245 km, cerca de 2h15) 
  • Vila Real (com ligação a Viseu) – A1, A25 e A24 (361 km, cerca de 3h38m) 
  • Bragança – A23 (423 km, cerca de 4h09m) 
  • Lisboa – A1 (80 km, cerca de 1h) 
  • Évora – A13 e A6 (163 km, cerca de 1h35m) 
  • Beja – A13, A2 e IP8 (207 km, cerca de 2h) 
  • Faro – A13 e A2 (307 km, cerca de 2h40) 

Quando visitar Santarém

Santarém vira um inferno no verão, sendo frequentemente a cidade mais quente do país. Por outro lado, é em junho que a cidade acolhe a Feira Nacional da Agricultura, a maior do género no país, realizada desde 1954.

Em outubro acontece outro evento interessante: o Festival Nacional de Gastronomia de Santarém, habitualmente na segunda quinzena de outubro, com representantes vindos de todo o país para servir petiscos, pratos tradicionais e iguarias regionais.

Alojamento em Santarém

A maior parte da oferta hoteleira em Santarém é constituída por alojamento local. Dos poucos hotéis existentes, destaca-se o Santarém Hotel (****), com piscina e ginásio, a cerca de 1,5 km do centro da cidade e do Jardim das Portas do Sol. Outras opções interessantes:

  • Quinta da Gafaria  – uma quinta do século XVII com piscina, quartos familiares e estacionamento privativo, a cerca de 10 minutos do centro (Nota 9,1)
  • Refúgio da Quinta Nere Maitia – muito charmoso, com vários tipos de bungalows, fica a cerca de 7 km da cidade, mas tem uma política child free (Nota 9,8)
  • A Casa Brava – muito próxima do centro de Santarém, possui quartos e apartamentos, para além de piscina de água salgada (Nota 9,1)
© Visit Santarém

Comer em Santarém

A cozinha ribatejana é farta, como de resto toda a mesa portuguesa, com pratos pesados como ensopado de borrego, o naco de touro avinhado ou a suculenta sopa da pedra, típica da vizinha Almeirim, mas presença habitual nas mesas escalabitanas.

Destaca-se também o bacalhau assado com magusto (ou mangusto), um prato tradicional com couve, pão, azeite e alho, podendo também levar feijão. Sem esquecer o peixe de rio, nomeadamente o sável frito com açorda de ovas.

No campo doceiro, destacam-se os pampilhos, um bolo comprido e fino com ovos moles, que homenageia a vara usada pelos campinos. Acrescente-se as celestes de Santa Clara e os arrepiados de Almoster (os meus preferidos, com amêndoa e canela), ambos de origem conventual. 

Entre o Tejo que desliza sereno e as gentes que acolhem com um sorriso, esta é a cidade de Santarém. Já visitaram?