Atualizado em 27 Fevereiro, 2023
Venham comigo explorar Guimarães, berço da nacionalidade e de gente com raça, onde D. Afonso Henriques pariu uma nova nação nos idos do século XII
As muralhas desta cidade, que adoptei como lar, ainda se lembram do tempo em que Vimaranes prestava vassalagem a Espanha. As torres do castelo testemunharam a galhardia do primeiro rei; assistiram ao nascimento de Portugal. Até as pedras da calçada sentem o peso da História e esse é o maior encanto desta cidade bairrista.
Mas nem só da ligação à identidade nacional vive o turismo local. Neste mês em que o tema do projecto 8on8 é “a minha cidade”, deixem que vos desvende alguns segredos de Guimarães.
Os vimaranenses são acolhedores mas francos, e falam com pronúncia castiça e muito vernáculo. Outras razões se acrescentam a favor deste destino. Há doces conventuais e cantarinhas dos namorados, vinho verde e noites longas. Esmiucemos os motivos para conhecerem, e jamais esquecerem, a linda e minhota cidade de Guimarães. Cliquem nos links para acederem aos sites oficiais, onde poderão consultar preços e horários.
Aqui nasceu Portugal
É inevitável fotografar o pedaço de muralha que ostenta expressão tão emotiva, no centro da cidade-berço.
Berço porque aqui nasceu, foi baptizado e viveu o primeiro rei. Se o lugar de nascença de D. Afonso Henriques é alvo de disputa (Viseu e Coimbra entram nesta batalha académica), é consensual que foi aqui que ele iniciou o movimento pela independência.
Aliás, no dia 24 de Junho – a “primeira tarde portuguesa” – data que assinala a épica Batalha de S. Mamede que originou a fundação de Portugal, festeja-se o feriado municipal.
No Monte Latito, também conhecido como Colina Sagrada, pode visitar-se o Castelo, uma das sete maravilhas nacionais, onde este caminho começou. Ali fica também a singela Capela de S. Miguel, onde D. Afonso Henriques foi baptizado e a sua estátua (igualzinha à que existe no Castelo de S. Jorge, em Lisboa). Quase esperamos vê-lo a chegar a galope no seu cavalo, empunhando a sua pesada espada, neste cenário medieval.
Ao lado está o Paço dos Duques de Bragança, monumento do século XV de inspiração francesa com dezenas de chaminés, que merece também uma visita. No Verão, acolhe vários eventos especiais, como uma visita nocturna à luz das lanternas, que valem muito a pena.
Centro histórico classificado pela Unesco
Deixamos a parte alta da cidade, descendo pela linda e medieval Rua de Santa Maria, em direcção ao centro histórico, classificado como Património Mundial da Humanidade em 2001. Pisamos lajes alisadas pelos séculos, fotografamos o Convento de Santa Clara, onde hoje funciona a Câmara Municipal, a Casa do Arco e outras, igualmente senhoriais.
E eis o Largo de Nossa Senhora da Oliveira, onde os cafés e restaurantes convivem com a impressionante igreja da Colegiada de Guimarães. Daqui partiu Pedro Hispano para assumir o lugar de Papa em Roma, sob o nome de João XXI. Mesmo ao lado da igreja fica o Museu Alberto Sampaio que abre portas a um mercadinho biológico todos os sábados de manhã. Ainda que o espólio religioso não seja impressionante, o edifício e os claustros são belíssimos.
Os antigos paços municipais (quando era miúda funcionou aqui a Biblioteca) ligam esta à Praça de Santiago. Aqui as fachadas estreitas mantêm o carácter de outrora e os vasos floridos nas varandas de ferro. Na Idade Média recebia-se aqui os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela. Hoje, turistas e habitantes enchem as esplanadas.
Nas noites de Verão a praça fica animadíssima! Este é o lugar certo para beber um copo ou comer o melhor gelado artesanal da cidade.
As praças
Para além das emblemáticas Oliveira e Santiago, é muito interessante passear pelo Largo do Toural. No século XVII ficava junto à porta da vila e acolhia uma feira de gado (daí o nome). Depois tornou-se um jardim e recebeu a estátua do primeiro rei, antes desta reclamar morada eterna junto do castelo.
Hoje, o Toural é uma das praças mais simpáticas, particularmente bonita com a iluminação de Inverno. Imediatamente ao lado existe outra grande praça – a Alameda – onde encontra a muralha com o “Aqui nasceu Portugal” e duas fontes maravilhosas. Não sei qual a minha preferida, se a da menina se a do fauno.
A Alameda é muito frequentada pelos mais velhos, que aqui vêm conversar com os amigos ou simplesmente aproveitar a sombra no Verão e o sol no Inverno.
Numa das “margens” desta praça, fica a minha igreja preferida de Guimarães. Trata-se da Igreja de São Francisco que abriga os túmulos de dois santos de devoção popular. O primeiro é São Gualter, padroeiro da cidade, e a segunda é D. Constança de Noronha, esposa do primeiro duque de Bragança.
Noites animadas
Vamos beber um copo à Oliveira? O ponto de encontro é sempre por ali e depois a noite espraia-se por todo o centro histórico. A cidade é uma das mais jovens da Europa – cerca de metade dos habitantes tem menos de 30 anos – e isso nota-se na movida nocturna.
No Inverno há muita gente nas noites de fim-de-semana. No Verão há cinema ao ar livre, a Noite Branca ou o Sunset Praça, promovido pelos comerciantes. A ideia é “agregar o espaço mítico do Centro Histórico de Guimarães, com a sua arquitectura medieval, à estética musical contemporânea, de espírito jovem e irreverente”. Na prática, há um DJ e uma praça repleta de gente feliz.
Acrescente-se ainda as Festas Gualterianas, no final do mês de Julho, com a Marcha (desde 1906), o cortejo do linho, a batalha de flores, carrosséis e tudo o resto que associamos às festas de Verão. O meu marido admira-se sempre com a multidão. “De onde é que saiu toda esta gente?” – a pergunta repete-se todos os anos.
Gastronomia
O Minho é sinónimo de mesa farta, com rojões e papas de sarrabulho, vitela assada e bacalhau recheado, enchidos e vinho verde. Em Guimarães cumprem-se todas essas tradições gastronómicas. Há muitos restaurantes com comida típica no centro histórico, mas um dos mais castiços é a Adega dos Caquinhos, numa ruela estreita e esquecida.
Na verdade é uma tasca, com pratos genuínos que poderíamos comer em casa da mãe, que saem em doses generosas da cozinha da D. Augusta, uma senhora de língua afiada. Os Caquinhos são uma tradição muito querida para os Nicolinos (falaremos deles daqui a pouco).
E depois há A Cozinha de António Loureiro, distinguida com uma estrela Michelin. O chef usa magistralmente os produtos regionais, com um toque de modernidade, misturando-os com outros produtos e sabores mais inusitados. Já lá estive três vezes e sou fã.
No que respeita aos doces – gulosos arrebitam as orelhas – é pecado capital não provar as tortas de Guimarães e o toucinho-do-céu. Estes dois doces conventuais valem cada facada na dieta. Os melhores e mais baratos podem ser encontrados na Casa Costinhas, na Rua de Santa Maria (já vos falei dela, lá em cima). Também os podem encontrar no evento anual Doçaria do Convento, nos claustros do Convento de Santa Clara.
Tradições seculares únicas
Guimarães preserva algumas tradições tão antigas quanto encantadoras. É o caso da “Cantarinha dos namorados” que, noutros tempos, era oferecida aos noivos com ouro, como forma de ajudar a nova família. A cantarinha mais pequenina (no topo) representa as dificuldades da vida, que se esperam menores do que as alegrias, representadas pela maior. Esta é a peça de artesanato mais singular que pode levar de Guimarães.
As Nicolinas são outra tradição incontornável da cidade-berço. A 29 de Novembro acontece o mítico Pinheiro, um cortejo que anuncia o início das festas dos estudantes, que se prolongarão durante uma semana. Esta é a noite mais longa do ano em Guimarães, com os vimaranenses – novos e velhos – a enfrentarem estoicamente o frio e a chuva no desfile que percorre a cidade, acompanhando uma árvore com o ritmo dos bombos e caixas.
Inauguradas as festas com tal procissão pagã, segue-se as Roubalheiras (em data nunca anunciada), as Novenas, as Maçãzinhas (a minha tradição preferida), as Danças de São Nicolau, as Posses e o Pregão, discurso mordaz satírico, ao bom espírito de Gil Vicente, declamado em voz bem alta.
Se estiverem no norte por esta altura, venham às Nicolinas. Acreditem que são memoráveis!
Programação cultural
Na rua que liga o Toural à estação dos comboios fica o Palácio de Vila Flor, do século XVIII, transformado no centro cultural homónimo, com dois auditórios num edifício contemporâneo. Na sua programação habitual destaca-se o Guimarães Jazz e o festival Manta, com concertos nos belos jardins que assistimos sentados na relva (levando uma manta de casa, é muito mais confortável).
E a vida cultural não se esgota com o Vila Flor. Guimarães acolheu, em anos recentes, dois eventos magníficos que transformaram a cidade. Foi Capital Europeia da Cultura em 2012 e Capital Europeia do Desporto no ano seguinte.
Para além do programa artístico e desportivo, riquíssimo em ambos os casos, os vimaranenses ganharam novos espaços, graças ao orçamento atribuído àqueles acontecimentos. É o caso do ultra-moderno Centro Internacional das Artes José de Guimarães, no antigo mercado municipal, com uma exposição de arte contemporânea e uma parte da colecção do artista vimaranense.
Nesta lista inclui-se a Casa da Memória, que transformou uma fábrica desactivada num lugar de memórias da cidade. Gosto particularmente deste espaço, que teve a ajuda dos moradores para construir a colecção. Aproveitem um domingo de manhã, quando as entradas são gratuitas, e vão conhecer um pouco melhor a alma da cidade e as suas memórias colectivas.
Monte da Penha e outros espaços verdes
Há vários espaços verdes em Guimarães, que permitem usufruir um pouco de silêncio (coisa cada vez mais rara e preciosa). A cerca de 15 km da cidade, por exemplo, fica a Citânia de Briteiros, um castro de origem pré-romana. Esta riqueza arqueológica fica no meio da natureza, onde só se ouve o vento e os passarinhos.
Mais perto da cidade fica o Monte da Penha, que alguns chamam de montanha, com uma pitada de exagero. Pode chegar de carro ou de teleférico, para se deliciar com uma vista esplêndida sobre a cidade junto ao Santuário. Se for à Penha no Verão, vale a pena fazer um piquenique entre as pedras gigantes.
Já que subiu até aqui, tente descobrir a pequena capela dedicada a Santo Elias, debaixo de uma rocha. O acesso não é fácil, mas dizem que ali se faz maravilhas, a quem sofre de insónias. Aliás, sem querer ser spoiler, aposto que encontrará o padroeiro do sono a dormir.
Este post faz parte do 8on8, um projecto colectivo que une lindas viajantes em volta de um tema comum, no dia 8 de cada mês. Espreitem os restantes textos sob o tema “a minha cidade”, inspirem-se e partilhem (por ordem alfabética):
- Destinos Por Onde Andei… – Bares em Belo Horizonte – Minhas 8 dicas
- Let’s Fly Away – Super Museus do Rio de Janeiro
- Mulher Casada Viaja: Mercado Municipal de São Paulo pelos olhos de uma paulistana
- Turistando.in: 8 charmosos cafés no centro de SP
35 Comentários
Andei por aí há 4 anos. Pela cidade e pela Penha. Visitei o Santuário, assisti a uma procissão e fui até ao teleférico.
Um abraço
A vista da Penha sobre a cidade é magnífica, não é?
Este post de Guimarães veio bem a calhar, justamente no momento que estou preparando nosso roteiro da viagem que faremos ao Porto, em julho e agosto deste ano.
E Guimarães está entre os destinos que pretendemos conhecer, mesmo que em um bate e volta partindo do Porto.
Adorei suas dicas e as histórias da cidade de Guimarães, realmente um belo destino a conhecer em Portugal.
Obrigada por compartilhar, grande beijo.
Que bom que vai incluir Guimarães no seu roteiro. Terei o maior prazer em tomar um café com vocês
Guimaraes é uma das minhas cidades portuguesas favoritas, sem dúvida! Uma viagem no tempo, tudo é lindo e a comida de lá é realmente FENOMENAL! O melhor prego no pao do mundo comi lá em um botequinho de esquina, e tomei um shot alcólico de pastel de nata perfeito!
Ah, mas vê-se logo que a Gabriela é uma mulher de muito bom gosto 🙂
Não como carne e raramente bebo álcool, então não sei avaliar os pregos e os shots, mas acredito piamente na sua palavra!
Que lindo post! Não imaginava que Guimarães fosse uma cidade tão diversificada e viva. Sempre a pensei com apenas a sua parte histórica. Emocionante aquela placa “Aqui Nasceu Portugal” e todo o significado por trás dela. Uma pergunta: o que é “beber um copo à Oliveira”?
Guimarães é uma cidade vibrante, Lulu. E os vimaranenses são muito bairristas em relação à sua cidade.
A Praça da Oliveira é uma das praças mais icónicas do centro histórico e onde a muitos jovens se concentram nas noites de fim-de-semana para beberem e conversarem com os amigos
Muito bacana essas 8 dias, adorei visual desta rua com guarda chuvas, fica tão bonito. E adoro cidades com tantas opçoes legais de gastronomia cultura etc. Quero conhecer um dia
Ruthia, já pensou em acumular mais uma função? Quem não adoraria uma guia cheia de paixão e conhecimento?! Que surpresa saber que Guimarães é uma cidade jovem, é por causa da universidade, imagino. Adorei saber que há tantas tradições e espaços históricos em sua cidade – e que fazemos aniversário no mesmo dia de São João! beijinhos
Pelo amor de Deus, Márcia. Não achas que 4 trabalhos diferentes são suficientes? Hahaha
Prometo que se quando vieres visitar-me eu serei a tua guia.
Beijinhos
Que post lindo! Nada como dicas de um local, sempre que estou planejando uma viagem gosto de buscar dicas de locais. =D
Eu amei Guimarães pelos seus olhos, por falta de informação, eu não dava nada para a cidade e hoje estou desejando voltar para Portugal só para passar pela sua cidade e me deliciar com as tortas de Guimarães e o toucinho-do-céu. =D
Obrigada por tanta informação boa.
Em Portugal há um ditado que diz “casa de ferreiro, espeto de pau”. Teve que vir um 8on8 para escrever sobre a minha cidade. Ainda bem, porque é um lugar que conheço bem e merece este destaque
Quanta história Guimarães tem pra contar Ruthia! Agora com mais vontade de conhecer sua cidade. Já estive algumas vezes em Portugal, mas sempre às pressas. Meu desejo é ir com bastante calma para desfrutar de cada pedacinho dessa linda terra. Com certeza incluirei Guimarães no meu roteiro. Beijinhos
Faz muito bem em incluir Guimarães. Se precisar de alguma dica específica para montar o seu roteiro em Portugal, é só dizer
Beijinho
Amei o seu post! Super detalhado! Com certeza vou seguir suas dicas quando for a Guimarães
Que delícia de cidade, com certeza entrará no nosso roteiro na próxima viagem para Portugal.
Ruthia querida
Braga e obviamente, Guimarães, sao duas cidades ao norte de Portugal que visitei muito brevemente e preciso retornar. Pensei que teu post me fosse transportar para os lugares que rapidamente visitei e me supreendi com um recorte muito interessante desta cidade.
Preciso voltar realmente e nao deixarei de provar as tortas e o toucinho-do-céu…
😉
Não provou as tortas ou o toucinho do céu? Marcar viagem agora 🙂 na próxima visita não falha
Que bom ler esse seu post sobre Guimarães. Estou indo para Portugal em novembro e montando meu roteiro, vou tentar incluir essa cidade. Que lugar lindo o Monte da Penha! Eu que adoro um teleférico, já fiquei com vontade de conhecer.
Como os viajantes são diferentes. Eu andei de teleférico 3 vezes ns vida e não foi uma experiência marcante
Adorei seu post, comprei passagem para Portugal terça passada, acredita?! Já vou incluir Guimarães no meu roteiro.
Quanto tempo vai ficar em Portugal?
Adorei todos os 8 motivos para visitar Guimarães, principalmente o gastronômico, rs.
Não sabia que era o provável berço de Portugal, fiquei ainda mais curiosa pra conhecer esse destino.
Em Portugal come-se muito bem. Mas na região do Minho para além de bem, os pratos são sempre fartos. É de voltar para o Brasil a rebolar 🙂
Eu acho que só o fato de Guimarães ter sido onde nasceu Portugal já é um motivo mais que suficiente para querer conhecer essa cidade bonita e muito interessante!
Verdade, visitar Guimarães ajuda a entender um pouco melhor a nossa história. E depois o centro histórico património mundial é lindo demais
Que massa essa viagem para Guimarães, não sabia que tinha tanta coisa assim para se fazer. Muito boa dica.
Amei o post, já queria visitar Guimarães por conta da minha família, mas não fazia ideia do tanto de coisa para conhecer por la.
Nossa, adorei essa foto do monte da Penha!Que lugar maravilhoso! Guimarães parece um lugar inesquecível, apesar de pouco conhecido! Bjo, qjo
[…] Depois de visitar o centro histórico, faça uma paragem no Convento de Santa Marinha para conhecer os lindos jardins (se for de carro), antes de continuar a subir rumo à Penha, o pulmão da cidade, com um singelo santuário, capelas escavadas na rocha, pedras imponentes. Leia também 8 motivos para visitar Guimarães […]
[…] A preservação “excepcional” deste centro histórico foi um dos motivos que garantiram a sua distinção como Património Mundial, para a qual também contou a ligação da cidade ao “estabelecimento da identidade e da língua portuguesa”. Para além de visitar o Castelo e Paço dos Duques, vale a pena perder-se na atmosfera medieval das praças do centro. Recorde: 8 Motivos para visitar Guimarães […]
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[…] há várias versões de toucinho do céu em Portugal, mas o meu preferido é o de Guimarães (eu sei, sou suspeita, adoro a minha cidade berço). O toucinho do céu leva ovos, açúcar, […]
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