Atualizado em 9 Novembro, 2023

Imaginem um Éden dantesco, de 140 hectares, que une natureza e arte contemporânea. Somem-lhe lagos, orquídeas suspensas, esculturas, bancos-árvore e espécies botânicas raras. Chegamos a Inhotim

“Impossível conceber tamanho paraíso”, dirão. No entanto, ele existe e chama-se INHOTIM. Reserva ecológica, museu ao ar livre, centro de arte contemporânea ou jardim botânico. O Instituto não cabe numa definição, nasceu para ser saboreado. Portanto relaxem e deixem-se contagiar pelo espírito slow motion de Inhotim.

O complexo fica num lugarejo mineiro chamado Brumadinho, a pouco mais de 60 quilómetros de Belo Horizonte (MG). O caminho sinuoso não impede os visitantes de chegarem aos magotes. E entende-se porquê: o espaço é maravilhoso, com um projeto paisagístico perfeito, cinco lagos emoldurados pela vegetação, em contraste com galerias modernistas. Exageros? Google it e comprovem!

Jardim de Inhotim

O espaço começou por abrir as portas às escolas, de forma tímida, em 2005. Hoje, possui uma equipa com mais de 700 funcionários, que inclui paisagistas, curadores, botânicos e tornou-se uma referência mundial de arte contemporânea, capaz de atrair a atenção do New York Times.

A cada esquina, as obras de arte misturam-se com a paisagem, em simbioses fantásticas, muitas delas criadas em função do espaço. Aliás, a própria natureza concorre em criatividade e beleza com a obra humana, revelando-se em toda a exuberância.

Para explorar a imensidão do recinto, o mapa e os carrinhos elétricos são indispensáveis. Alguns poderão apreciar uma de duas visitas temáticas: com foco artístico ou ambiental. Como arte e botânica não fazem parte do meu espectro intelectual, e levava o meu petiz de 3 anos pela mão, optei pela deambulação vagabunda. Foi um passeio pausado e feliz.

Património botânico de Inhotim

A certo ponto tropeço na Tamboril: não portugueses, não é um peixe, é uma espécie nativa. Sinto-me liliputiana perto da árvore, majestosa nos seus 90 anos! Não consigo descrever a riqueza botânica do Inhotim sem lançar mão aos números: mais de 4.200 espécies, 334 destas são orquídeas, e uma das maiores colecções de palmeiras do mundo com cerca de 1.400 variedades.

O acervo inclui ainda várias espécies raras ou ameaçadas, nomeadamente uma flor-cadáver de 3 metros, que se abre em todo o seu esplendor apenas 48 horas por ano, e que exala um cheiro putrefacto de carne em decomposição (infelizmente estive ali em Outubro e a flor gigante floriu em Dezembro).

Não fora o roncar do estômago subir de tom, para níveis quase embaraçosos, e teríamos esquecido a hora de almoço. Escolhemos o restaurante Tamboril, lindamente enquadrado num jardim de esculturas, que homenageia a sua homónima vegetal e tem um buffet delicioso. Acreditem, a comida mineira é qualquer coisa de inesquecível. O blog Destinos por Onde Andei tem um artigo completo sobre o almoço no restaurante Tamboril, que é de babar.

A majestosa Tamboril

Para além deste, existem outros restaurantes no complexo, com serviço à la carte e buffet, bem como bares, pizarias e omoleterias, para os visitantes com orçamento controlado. É que o Inhotim pode ser um parque mas não permite piqueniques.

Fusca também é arte

Finda a lauta refeição, retomámos os caminhos do Inhotim, direitos ao som da terra. A instalação fica numa galeria que parece uma estação espacial, completamente despida. No centro, um pequeno buraco prolonga-se em direcção às entranhas da terra, onde microfones geológicos captam o seu pulsar. É como se escutasse o bater do coração do planeta!

Esta é apenas uma das dezenas de galerias que acolhem exposições temporárias. O Instituto criado na fazenda de “Nhô Tim”, como os íntimos chamam ao empresário e mecenas Bernardo Paz, possui um acervo artístico impressionante.

São cerca de 5000 obras de artistas brasileiros e internacionais, provenientes de dezenas de países e contextos sociais muito distintos. Fotografia, escultura, instalação, desenho, vídeo, pintura. As peças multiplicam-se dentro e fora das galerias, num diálogo permanente com os visitantes.

Outra proposta interessante surge logo à entrada, com a assinatura de Yayoi Kusama (que já expôs em todas as grandes casas de Nova York ao Japão, incluindo o Tate Modern londrino). Inspirada no mito de Narciso, que se enamora da própria imagem, a artista japonesa colocou 500 esferas de aço inoxidável sobre a água, construindo um enorme espelho que distorce, fragmenta e multiplica a nossa imagem.

A minha preferida é a instalação sonora Forty Part Motet, de Janet Cardiff:  40 altifalantes grandes numa sala, em que cada um transmite uma única voz. Trata-se de algo tão simples e, contudo, genial. Dizem que esta é uma das mais complexas obras polifónicas para coro jamais escritas (de um compositor inglês do século XVI).

A artista gravou o moteto na Catedral de Salisbury, usando um microfone para cada elemento do coro. Acabei por ouvir o tal do moteto três vezes (14 minutos x 3 = uma barbaridade de tempo), umas vezes saltando de altifalante em altifalante e, por fim, sentando-me com o meu filho bem no centro daquela parafernália acústica e simplesmente fechando os olhos.

Na minha aventura no Brasil, Inhotim foi a experiência mais maravilhosa. Se um dia voltar a Minas Gerais, podem ter a certeza, a minha primeira paragem será… adivinhem…. Inhotim!! Se entretanto quiserem conhecer um pouco melhor a região, espreitem as sugestões sobre o que fazer de graça em Belo Horizonte: 25 passeios gratuitos.

O jardim-museu sofreu vários revezes em anos recentes, de processos judiciais envolvendo o fundador, ao gigantesco desastre provocado pelo rebentamento da barragem em Brumadinho, que matou 270 mortes e milhões de metros cúbicos de resíduos extrativos despejados na natureza. Pouco depois, chegava a pandemia. Mas as nuvens negras parecem ter ficado no passado: no verão de 2023 anunciaram mesmo a construção de um hotel boutique, resultante da ampliação do parque.

#Dica: se puder, visite o Inhotim durante a semana. Tem menos gente e o bilhete é mais barato.