Atualizado em 11 Novembro, 2022

Fantasmas e escravos, inconfidentes e artesanato, poesia e moda. Tudo isto e muito mais está no Memorial da Vale, um museu hiper século XXI, distinguido com o Prémio Guia Brasil 2012 de “Novidade do Ano”

Estamos de visita a Belo Horizonte, uma cidade construída a régua e esquadro, para ser capital do estado de Minas Gerais, sobre os escombros de uma pequena povoação, de seu nome Curral del Rey. O coração desta cidade, inaugurada em 1897, era a elegante Praça da Liberdade. Ainda hoje, as palmeiras gigantes emprestam dignidade ao Palácio do Governador, ladeado por magníficos casarões que, durante longo tempo, acolheram as Secretarias de Estado.

Há alguns anos, todo o Governo estadual foi transferido para a cidade administrativa, uma estrutura modernista assinada por Oscar Niemeyer, lá para os lados da Pampulha. E a praça histórica passou a ser conhecida como Circuito Cultural da Praça da Liberdade, com museus, biblioteca e outros espaços culturais.

É precisamente num desses prédios, onde em tempos funcionou a Secretaria de Estado da Fazenda, que a Vale, uma das maiores empresas mundiais de minério, financiou o Memorial de Minas Gerais. Este Memorial (nome perfeito) retrata a riqueza da região desde o século XVIII, misturando real e virtual, memórias e futuro.

Se estiver em BH, não deixe de visitar também o Museu de Artes e Ofícios.

O projeto museográfico estende-se por dezenas de salas distribuídas por três pisos. Para além de elevador, os pisos são ligados por uma maravilhosa escadaria de ferro, trazida da Bélgica, que testemunha o esplendor de outrora.

O guia conduziu-nos ao segundo piso, directamente para a parte histórica, onde nos sentámos, na Casa da Ópera. Esta é uma réplica da que a coroa portuguesa criou em Vila Rica, hoje conhecida como Ouro Preto. Já antes passáramos pelo Panteão da Política Mineira, onde os personagens dialogam e interagem, como numa saga do Harry Potter.

Ao lado, uma vila mineira em miniatura arranca gritinhos de excitação das crianças. O cenário muda em minutos. Assistimos do nascer ao pôr-do-sol, com o céu a adquirir diferentes tons, em cada altura do dia. As luzes das casas minúsculas acendem-se, à medida que a escuridão estende as suas garras.

Segue-se uma pausa num grande salão, onde somos convidados a ocupar as poltronas antigas. De repente, rangidos e gemidos perturbam o semi-silêncio que se instalou. São os fantasmas de Curral del Rey, povoado que jaz sob as construções de Belo Horizonte, que nos vêm contar as suas penas, pois foram expulsos das suas casas. Há quem diga que ainda assombram a cidade!

Subimos ao terceiro andar, onde recuamos milhares de anos para entrar numa caverna interactiva, em busca da arte rupestre de Minas Gerais.

Casa da Ópera no Memorial da Vale
A Casa da Ópera, criada em Vila Rica.

Blocos de gesso de alta densidade, sobre uma estrutura metálica, muita tinta e massa plástica misturaram-se para criar uma caverna muito verosímil (inspirada na paisagem de Peruaçu). Várias pinturas rupestres ganham movimento ao serem tocadas ou simplesmente quando “sentem” o visitante.

O Pedro ficou maravilhado com aqueles lagartos, veados e dinossauros que se moviam sozinhos, como por magia. As tecnologias são igualmente impressionantes na sala do Modernismo (com uma mesa sensível ao toque) e na sala do Povo Mineiro. Aqui, a história é contada pelos povos que foram ocupando o território: indígenas, africanos, europeus e imigrantes vindos de todos os pontos do globo.

Ainda no terceiro piso, recordo o colorido do artesanato do vale de Jequitinhonha, a norte do Estado, que contrasta a aridez da paisagem e a simplicidade das gentes. Algumas peças  fariam inveja a muitos artistas plásticos contemporâneos.

As duas horas passaram a voar e não conseguimos explorar tudo. O espaço pode ser visitado várias vezes e parecer sempre novo.

entrada do Memorial da Vale
À porta do Memorial de Minas Gerais (outubro 2011)

Antes de sairmos, houve tempo para prestar homenagem a grandes nomes mineiros. Recordamos as fotografias de Sebastião Salgado (algumas já admiradas em Lisboa), folheamos Carlos Drummond de Andrade e passeamos pelo imaginário de Guimarães Rosa. Conheci este autor porque uma amiga querida decidiu “educar-me” na literatura brasileira. Esta pobre ignorante conhecia pouco mais que Jorge Amado, Erico Veríssimo e Clarice Lispector.

No meio do sertão, arrancámos uma folha-verso da árvore de madeira do grande Guimarães Rosa, cujas palavras nos acompanharam o resto do dia. É uma forma bonita do museu oferecer uma recordação aos visitantes.

Não acham que o Memorial da Vale mereceu o prémio “Novidade do Ano”? Até já veio tarde, porque o museu foi inaugurado em novembro de 2010. Ainda por cima, a entrada é gratuita. Consulte o site para mais informações sobre horários e eventos.