Atualizado em 8 Abril, 2021

Em Luxor, o Nilo separa os mortos dos vivos. Uma margem aconchega a cidade, com mercados coloridos e grandiosos templos. Na margem oposta, fica o mítico Vale dos Reis e os colossos, esses ineficazes guardiões do além-túmulo.

A manhã começou cedinho, ainda numa semi-obscuridade, que se foi dissipando no caminho para o deserto. O Vale dos Reis não fica longe, mas as visitas querem-se cedo, para evitar o calor opressivo das tumbas.

No céu, vários balões de ar quente vão ficando para trás, à medida que nos afastamos da orla verdejante, uma estreita faixa roubada ao deserto graças ao rio.

O Vale dos Reis existe graças a Tutmosis I, que quebrou uma tradição de mais de 1700 anos. Até ali, as múmias repousavam no seu templo fúnebre, normalmente uma pirâmide imponente. Mas aquele senhor achou por bem que as sepulturas fossem secretas, talvez para evitar o saque, uma vez que as múmias eram acompanhadas por jóias, móveis, comida, estátuas… enfim, tudo o que pudesse ser necessário na vida eterna.

A estratégia não foi lá muito boa e os ladrões encontraram a maior parte. Mas eis que, em 1922, um teimoso arqueólogo de seu nome Howard Carter encontrou uma sepultura intacta: a famosa tumba de Tutankhamon.

Apesar de pequena e modesta (porque morreu muito novo), a sua câmara tinha um tesouro fantástico que hoje se pode visitar no Museu do Cairo. Os trabalhos de arqueologia continuam no Vale dos Reis, acho que encontraram até hoje 67 túmulos, mas nenhum comparável ao KV62 (KV significando Kings Valley) do Tutankhamon.

O bilhete dá acesso a apenas três ou quatro tumbas, com paredes belamente decoradas, mas vazias já se sabe. De modo que chega perfeitamente entrar em algumas, até porque são nove da manhã e o calor começa a incomodar.

A máscara que conhecemos dos livros de História está no Museu do Cairo (imagem da net, pois é proibido fotografar).

Até ao Colosso de Mémnon

Farouk conduz-nos agora a uma oficina de alabastro, essa pedra encantadora que deixa passar a luz. À porta, alguns artesãos esculpem graciosos potes mas o guia apressa-nos para a loja do andar superior, onde o dono nos espera com uma chávena de chá.

Beber chá quente com este calor parece um paradoxo, mas os egípcios apreciam-no e nenhum negócio se fará até que todos esvaziem a sua chávena. Contudo, acabei por não comprar nada, tudo era astronomicamente caro!

Os guias levam, invariavelmente, os turistas a estes “institutos” (há também de perfumes e de papiro) para obterem uma comissão, pelo que me apercebi mesmo sem perceber uma palavra de árabe. É algo cultural, que não nos deve indignar, mas só compramos se quisermos. E eu estava à espera de ver os preços no mercado Khan el Khalili, no Cairo, antes de alargar os cordões à bolsa.

Mais uns minutinhos de autocarro (felizmente com ar condicionado) e eis-nos finalmente perante o Colosso de Mémnon. Na verdade as estátuas são duas, embora só uma mereça o nome do herói grego.

Uma equipa de arqueólogos resgatou uma terceira estátua, que estava submersa, processo que demorou 10 anos.

Estes dois gigantes guardavam a entrada de um grande templo fúnebre, do faraó Amen-hotep III, que desapareceu com as inundações do Nilo e com a pilhagem das pedras, usadas noutras construções. Sem nada à sua volta, ficam ainda mais impressionantes do alto dos seus 18 metros.

Agora tenho que explicar porque uma carrega o nome de Mémnon, que foi morto por Aquiles na guerra de Tróia.

Um grande terremoto em 27 a.C. danificou bastante as estátuas, abrindo uma fenda no colosso que fica mais a norte, que passou a “cantar” em certas ocasiões. Especialmente ao amanhecer, por causa das bruscas alterações de temperatura e humidade (as noites no deserto são muito frias).

Mas, segundo os gregos, o cântico era o lamento de Mémnon por ver a sua mãe (Aurora) a subir aos céus, cada manhã. O som ficou tão famoso que muitos viajaram até ali para o tentar ouvir, incluindo o imperador Adriano. Outro imperador romano, Septímio Severo, também esteve ali e mandou reparar a estátua, o que inadvertidamente a silenciou para sempre!

Pelas ruas de Luxor

Sacudimos a poeira dos túmulos e do deserto, num longo passeio de carruagem pela cidade de Luxor, que nos levou aos pontos menos turísticos e, por isso mesmo, mais saborosos.

O que recordo desse passeio? O barulho dos mercados com bancas caóticas, o cheiro das especiarias à venda nas ruas de terra batida, os vendedores que entretêm o tempo com um cachimbo de shisha. Os egípcios que se revelam curiosos em relação a nós, nos dizem adeus e sorriem para a nossa máquina fotográfica.

Numa porta entreaberta consigo perceber um menino a jogar uma espécie de jogo electrónico pré-histórico, com um comando ligado a um televisor para lá de velho. As crianças não têm brinquedos sofisticados mas parecem bem nutridas e sorridentes, ainda que muitas estejam descalças.

Dizem que cidades como Luxor, bem no interior do país, têm um atraso de 50 anos em relação à capital. Mas isso não os faz infelizes. Quem não sabe o que é um telemóvel, não sentirá a falta de um smartphone…