Atualizado em 12 Abril, 2021
Seguimos as pegadas do grande Portinari até à humilde casa da sua infância. As tintas, que lhe deram vida e o mataram, continuam perto da paleta à espera da sua magia
Brodowski. Apesar do nome sonante, em honra do engenheiro polaco que trouxe os caminhos-de-ferro e o progresso, nada se passa aqui. Já nem o comboio cá pára.
Situada no Estado de S. Paulo, a cerca de 330 km da capital, esta cidadezinha de interior tem a quietude de um bairro, com as suas pracetas gaiatas que atraem os velhinhos até aos bancos de jardim, em busca de sombra e de alguma conversa.
Não, não estamos perdidos. Saímos precisamente para visitar Brodowski (gosto deste nome que se prolonga na língua), por causa da Casa-Museu de Portinari. O maior artista plástico contemporâneo do Brasil colocou novamente a cidade no mapa. Em 2011, a casa recebeu cerca de 114 mil visitantes.
Na verdade, não estávamos longe: Ribeirão Preto fica a pouco mais de 20 km. É só apanhar a Rodovia Cândido Portinari e, chegados à pequena Brodowski, encontrar imagine-se… a Praça Cândido Portinari.
O Miguel passou nesta estrada inúmeras vezes, sem jamais se perguntar quem seria a personagem. Logo tomei por missão instruí-lo sumariamente, para que chegasse ao museu se não com a minha admiração, pelo menos com curiosidade (saibam que museus não estão entre os sítios favoritos do meu marido).
A praça é despretensiosa, tal como o museu instalado na casa do pintor. Filho de humildes imigrantes italianos, Portinari partiu daqui aos 15 anos, rumo ao Rio de Janeiro e depois Paris, em busca de formação artística. Muitos anos mais tarde, já casado e famoso, regressaria para longas temporadas, trazendo consigo os amigos poetas, artistas, intelectuais…
A pequena construção parou no tempo, com objectos de outra época. Num dos quartos, um bizarro par de sapatos explica-nos que o pintor tinha uma perna mais curta do que a outra. E que mandava fazer o seu calçado à medida, para disfarçar a deficiência, num sapateiro de Batatais.
No atelier repousam ainda pincéis, tintas, esboços inacabados, como se o mestre pudesse voltar a qualquer momento. Várias obras assinadas por Portinari enfeitam as paredes, vitrines guardam os seus poemas…
Infelizmente, não é permitido fotografar no interior da Casa-Museu de Portinari, tampouco na famosa “Capela da Nonna” (1941), que o pintor construiu para a sua avó rezar. Nos murais da vetusta capela estão todos os santos favoritos da velhota, que o artista pintou tomando por modelo a família e amigos.
Terminada a visita, quedamo-nos pelos jardins, onde lamento com os meus botões o facto dos quadros aqui depositados serem quase todos de temática religiosa. Eu queria tanto ver as telas mais polémicas, como a série Retirantes.
Portinari, pequeno e controverso
Apenas a estatura do artista (1,54 metros) foi pequena. Tudo o resto, sobretudo o talento, foi abundante e grandioso. Abundante mesmo: Cândido Portinari deixou mais de cinco mil obras, entre telas, murais, desenhos…
Do seu trabalho dizem que foi fortemente inspirado no cubismo de Picasso, mas o brasileiro acrescentou-lhe as cores do seu país, dos mulatos às plantações de café, e os temas sociais. A sua pintura causou controvérsia. Por causa dos murais na Igreja da Pampulha (Belo Horizonte, MG, 1944), que realizou a convite de Oscar Niemeyer, o arcebispo negou-se a consagrar o templo!
Perseguido por motivos políticos (filiou-se, junto com artistas como Jorge Amado, no partido comunista) mas aplaudido pela sua arte… Portinari teve o devido reconhecimento ainda em vida, com exposições nos Estados Unidos (o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque adquiriu a primeira obra do artista em 1939), Israel, América Latina e diversos países europeus. Chegou a ser agraciado com a Légion d’Honneur pelo governo francês, depois da sua primeira exposição em Paris.
Este foi um entre muitos prémios: o painel Tiradentes motivou uma medalha de ouro, concedida pelo júri do Prémio Internacional da Paz (1950); o International Fine-Arts Council de Nova Iorque elegeu-o melhor pintor do ano 1955 e, pouco depois, foi agraciado com o Prémio Guggenheim do Brasil (1956).
Guerra e Paz (1956) os seus dois maiores murais, encomendados pelo governo brasileiro para oferecer à ONU, fizeram-no adoecer. Diagnóstico: envenenamento por causa das tintas. Parou de pintar durante algum tempo. Depois voltou a pegar nos pincéis e o envenenamento encontrou-o mais velho e frágil. A pintura, que lhe deu a imortalidade artística, matou-o.
E vocês, leitores d’O Berço, o que conhecem de Portinari? Será que vos deixei apaixonada pelo maior pintor brasileiro?
Site da Casa-Museu de Portinari aqui
21 Comentários
Portinari é maravilhoso e passear contigo pela cidade foi lindo.Tanto a ver, respirar cultura!beijos,chica e lindo fds!
A Chica resumiu tudo: Portinari é realmente maravilhoso. E, felizmente, viu o seu trabalho reconhecido e apreciado. Normalmente, os pintores só são valorizados depois da sua morte.
Beijinho
Já fui a uma pequena exposição em homenagem a ele quando criança e me apaixonei por sua arte… O misto das cores expressa de forma precisa o zeitgeist que resultou nestas telas, coisa que não se vê hoje. Além de uma bela arte para se apreciar, é um retrato histórico do nosso país, ou pelo menos assim eu vejo… Sobre a cidade, adoro cidades assim, pacatas… Pena a minha não ser de toda calma. Enfim, estive num museu pequeno de minha cidade e em breve farei posts sobre isso… Excelente post o seu, gosto quando intercala essas imagens lindas com blocos de texto assim, fica dinâmico!
http://circadianoinverso.blogspot.com.br/
Um retrato histórico, sem dúvida Luã. Também por isso causou polémica.
Aguardo o seu post sobre o museu da sua cidade… adoro museus! Estão cada vez mais interessantes, não acha?
Intercalo blocos de texto com imagens para não cansar tanto, eu própria fico cansada de ler no computador, mas não consigo evitar escrever sempre bastante… o jeito é fazer umas pausas com imagens 🙂
Abraço
Vir aqui é como seu estivesse sempre em uma nova viagem, absorvendo cultura, amei o post, e como moro em São Paulo vou procurar conhecer de perto!Ótimo sábado.Bjuss
Querida Angela, o museu fechou em Junho deste ano, para uma intervenção de restauro (eu estive lá em Outubro de 2011).
Suponho que seja algo passageiro. O melhor é ir espreitando o site deles, para evitar uma viagem em vão.
Beijinho
Adorei saber um pouco mais sobre esse artista!
Conhecia um pouco de suas obras mas não sabia que morrera assim….
Que legal poder conhecer um pouco mais de pertinho!
Estou viajando com vocês!
bjus
Obrigada Dani, é sempre um prazer te "ver" por aqui. Beijinho
Conhecia de nome e algumas obras do Portinari, mas, nunca me dei o trabalho de pesquisar sobre ele… preguiça mental …. É bom saber que há pessoas que gostam e valorizam a cultura Brasileira!!
Beijoss
http://www.isared.blogspot.pt
A arte é universal, Isa. Adoro Portinari pelo que deixou, como adoro um Piero della Francesca, ou os portugueses mestre Cargaleiro e Paula Rego.
Como morei em Ribeirão Preto, no ano de 2011, não quis perder a oportunidade de visitar a sua casa-museu, claro 🙂
Beijinho
Eu não conhecia Portinari, mas gostei muito dos traços das obras dele, especialmente dos noivos. Incrível ter morrido envenenado com as tintas!!!
Beijinhos, bom domingo!
Madalena
Se gostaste do quadro dos noivos, experimenta fazer uma pesquisa no google sobre a série "Retirantes", são obras com uma carga dramática brutal.
Beijinho e bom domingo
Ótima postagem, Ruthia. Viajar com o Candito em suas artes e história é bacana.
Abraços:
Prof. José Nicolau
Oi, Ruthiap….
Brodowski fica bem pertinho da minha cidade, Franca, que vc viu no meu blog.
Portinari é um orgulho do Brasil e quem tiver oportunidade, deve visitar o museu e saber sua história sim.
Qto ao seu comentário no meu blog, todos os sábados fazemos uma Blogagem Coletiva com esmalte e mais um tema. O dessa semana foi regiões do Brasil, onde cada uma fala de sua cidade.
Se quiser participar um dia desses só acessar o blog http://www.fernandareali.com e veja como funciona.
Beijos e ótimo restinho de domingo!
Olá José. Olá Clara. Portinari é realmente um motivo de orgulho para os brasileiros. Ainda bem que gostaram desta singela homenagem.
Clara, essa ideia da conexão de blogs é realmente interessante. Vou espreitar, obrigada pela dica.
Um beijinho
Ruthia
Oi Ruthia, que orgulho e alegria em saber que estivestes no Brasil, ano passado! Chegastes a vir para o Sul? Se para cá retornares e vieres para o Rio Grande do Sul, me avisa, que terei imenso prazer em te receber e a tua família, e mostrar algumas das nossas belezas!
Amei o post sobre Portinari, admiro sua obra (sou filha de artista – minha mãe pinta telas, porcelana e aquarelas) e amei conhecer detalhes de sua história que ainda não sabia..novamente, obrigada!
bjs
tititi da dri
Foi uma experiência e tanto, esse ano que passei no Brasil. Não cheguei a ir ao Sul, infelizmente. Mas se um dia for, pode deixar que aviso 🙂
Beijinho
Ah que legal, quer dizer que venho a São Paulo foi?! Espero que tenha gostado rs..e olha eu mesma que moro aqui não conhecia essa cidadeznha, que bacaca 😀
Tenha uma ótima semana!!
Beijos
Té
Estive a morar no estado de S. Paulo todo o ano de 2011, querida. E adorei o vosso país… beijinho
Seu blog tem mais conteúdo relevante sobre o Brasil do que muitos blogs brasileiros, Ruthia!
Obrigada pelo carinho com nosso país!
Beijos,
Ana Christ
[…] painel Guerra e Paz do brasileiro Cândido Portinari, que enfeita o salão dos delegados. [Recorde Casa-Museu de Cândido Portinari em Brodowsky]. Existem várias exposições nos corredores, uma das quais relacionada com instrumentos de […]