Atualizado em 12 Abril, 2021
Encrustada entre praias atlânticas e morros exuberantes, a ilha de Gohayó mudou muito depois da chegada dos portugueses. Com os estrangeiros veio a lei da espada e do evangelho, e até o nome mudou
Cerca de 400 quilómetros nos separavam da baixada santista, no litoral do Estado de S. Paulo. Em Portugal far-se-ia em cerca de três horas. No Brasil, demorámos quase o dobro.
Claro que a qualidade das auto-estradas não é a mesma, mas as grandes rectas apelam à velocidade, não fossem os radares plantados a intervalos regulares na Anhanguera, onde os limites se situam entre os 100-110 km/hora. Depois de passar S. Paulo em hora de ponta (suspeito que não há horas sem ser de ponta, nesta metrópole), pensámos que o pior já passara. Puro engano!
O caminho de S. Paulo para o litoral é lindo, atravessa a magnífica Serra do Mar através de viadutos e túneis, emoldurados por uma mancha verde imensa. Aliás, o Parque Estadual da Serra do Mar estende-se desde o Estado do Rio de Janeiro e tem a maior área contínua de Mata Atlântica preservada do Brasil.
Pese embora a beleza do caminho, esta estrada (a Rodovia Anchieta) é uma das mais movimentadas do país. Porque é a única ligação terrestre para a baía de Santos, onde fica um dos maiores portos de entrada de mercadorias. Só o leitor de DVD portátil nos salvou do “Já chegámos?”
De Gohayó a S. Vicente
S. Vicente recebeu-nos numa manhã cinzenta, com chuva, mas não nos importámos muito. Afinal, foi ali que o fidalgo Martim Afonso de Sousa fundou a primeira vila portuguesa, nos idos de 1532. Apesar da resistência por parte dos nativos (sobretudo os índios Carijós, Guaianases e Tamoios), acabaram por construir pelourinho, igreja e câmara, símbolos do novo poder instalado, que organizaria as primeiras eleições de todo o continente americano alguns meses depois.
Mas a aventura começara 30 anos antes, com a chegada do primeiro português que chamou à ilha de Gohayó (na língua local) de S. Vicente. À beira-mar, em cima da Pedra do Mato, vê-se um Marco Padrão, que recorda essa colonização. O monumento foi erguido já no século XX quando a vila ficou em paz com o passado. Passou então a usar esse património na sua promoção turística, proclamando-se Cidade Monumento da História Pátria.
A bruma cobre tudo com um manto surreal, por momentos dou por mim a apurar a vista, tentando descortinar uma caravela com as velas orgulhosas. Mas claro, estamos no século XXI como provam os prédios ao longo da marginal, e nenhuma caravela chegará…
Viramos as costas ao mar e dirigimo-nos à Praça 22 de Janeiro, nome que assinala precisamente a data da fundação da vila de S. Vicente, para ver o relógio do sol, a estátua de Benedito Calixto (artista que viveu aqui) e do soldado Pérsio de Queiroz Filho, um dos Heróis de 1932, que bravamente morreu em prol do movimento Constitucionalista.
Diz-nos a queridíssima Rita, que nos guiou na visita a S. Vicente, que este é um espaço muito vivo, sempre cheio de turistas, vicentinos que vêm saborear um gelado, crianças a andar de bicicleta. Mas hoje, a chuva afastou toda a gente… ou quase.
Havia por lá um casal de portugueses, com um menino pequeno e uma prima brasileira que não se deixaram vencer pela intempérie. Afinal, estão habituados aos Invernos da Europa.
Anchieta, o Apóstolo do Brasil
Mas sobre S. Vicente, a primeira vila portuguesa no Brasil há ainda algo mais a dizer, nomeadamente acerca de um grande homem chamado Padre Anchieta. Este jesuíta aprendeu a língua tupi para melhor compreender os locais. Defendeu os índios das atrocidades dos colonizadores que, não raras vezes, tentavam escravizá-los, roubar-lhes as mulheres e filhos.
O padre Anchieta era também um homem de sabedoria que gostava de escrever – poesia, gramática, história, teatro – e que criou o colégio vicentino, que muito contribuiu para a pacificação e educação da vila. Depois participou também na fundação do Colégio de S. Paulo, embrião de um pequeno povoado, que é hoje apenas uma das maiores metrópoles do mundo.
Duas vezes por mês, o Apóstolo do Brasil, como é recordado desde a sua beatificação, fazia uma jornada pelo litoral desde o actual Estado de S. Paulo até ao de Espírito Santo. Fazia paragens para pregar e descansar em Guarapari, Setiba, Ponta da Fruta e Barra do Jucu (lugares que não conheço). O que sei é que essa caminhada, com cerca de 105 km, ainda hoje é percorrida por turistas e peregrinos.
O caminho de Anchieta é a prova de que a história nunca esquecerá os Grandes Humanistas!
16 Comentários
Oi Rothiap
Sempre que posso visito esta casa. Sempre cheia de cultura, mas de uma forma leve e e descontraída.
Na minha casa tem um selo pra você. Se gostar e quiser, é só pegar…
Beijos
Ameba de Cá
Para usar uma expressão vossa: OBA! Será o meu primeiro selinho. Muito obrigada.
Beijinho e um doce domingo
Mais uma excelente postagem Ruthiap. Literatura e História se entrelaçando nos seus conteúdos.
Abraços:
Prof. Nicolau Neto
Ah, sou um frequentador assíduo do seu portal de comunicação.
Nicolau Neto
Eu sei Nicolau, e fico muito grata por juntar tanta gente interessante e culta neste cantinho. Muito obrigada pelo carinho! Eu tb vou muitas vezes ao seu portal, mas nem sempre comento, claro. Até porque algumas matérias são tão específicas do Brasil que eu não tenho opinião formada 🙂
Abraço, amigo
LInda ilha e a história que aprendemos por aqui, ou relembramos parte dela. Muito legal sempre! beijos,ótima semana!chica
Tive pena do dia de chuva, pois acho que no morro logo ali ao pé tem uma plataforma para asa delta, e deve ser uma vista maravilhosa…
beijinho e boa semana
oi garota linda, me deixastes com vergonha…kkkk..que brasileira de arque que sou, pois desta história não sabia nada….
bjs desejando um domingo ensolarado
tititi da dri
Não tem porquê, Dri. Quantas historinhas daqui ao pé da porta eu não desconhecerei. Fomos visitar S. Vicente porque os primos do meu marido, que moram em Santos, nos deram a dica 🙂
Beijos, mil
Ruthia, apreciei cada palavra do seu relato, como sempre. Espero que tenham gostado de ver mais uma herança que nossos antepassados deixaram em terras tropicais e que o passeio tenha compensado as horas de congestionamento na Anhanguera.
Beijos
Foi um fim-de-semana maravilhoso, apesar da chuva. Porque revisitamos uns primos muito queridos e porque conhecemos novos lugares. O resto é pormenor 🙂
Beijo querida.
Ruthia, você me faz sempre viajar com as suas publicações! Descobri através das suas palavrasa a ilha de Gohayó e outros cantos encantadores! Não demore a falar do Padre Anchieta, por favor. Fiquei curiosíssima!
Um abraço!
É, o blog anda meio abandonado, por causa da minha vida corrida. Mudei de cidade e de emprego… mas logo, logo, voltará ao ritmo normal. Beijinho, querida Dulce
Esta bela morena conhece tudo!!!
Beijinhos, linda!
Madalena
Quem me dera… este mundo é tão grande. Se não precisasse de trabalhar para viver, punha o pé na estrada e só assentava quando o Pedrinho tivesse idade de entrar na primária 🙂
Beijocas, querida
oi Ruthia… sabes que nunca pensei em visitar São Vicente com olhos de turista?! Meu marido nasceu em São Paulo, mas foi criado em Santos, temos muitos, muitos amigos por lá e apesar de conhecer a história da cidade, nunca mesmo pensei em visitar assim, com olhos para o passado. Curioso isso. Seu texto me inspirou a mudar isso: em próxima visita a Santos voltarei ao passado da cidade vizinha. Já vou avisando ao marido para que ele não resmungue muito. rsrsrs bjs