Atualizado em 16 Abril, 2021

Um roteiro em Faro parece estranho. A capital do Algarve é vista como mera porta de entrada na região, para quem chega de comboio ou avião. Mas será que não merece uma visita?

Deixei para trás nove meses de um Inverno estupidamente frio. Estou longe dos meus livros, o relógio aqui funciona mais devagar, a maresia abre-me o apetite e os doces algarvios são demasiado tentadores (a minha cintura comprova-o). Há ainda os discursos do Presidente sobre uma “salvação nacional” impossível, ministros que se despedem e depois são promovidos, manifestações nas ruas do Brasil.

Sinto-me como a Alice num país estranho, pouco real, onde tudo pode acontecer. Posto isto, estou a descobrir este Algarve das casinhas caiadas de branco, dos areais sem fim, mas também da cataplana de amêijoas, dos castelos e dos museus. Hoje levo-vos num roteiro em Faro, capital desta região aquecida pelos ventos africanos que, acredito, nos influenciam de formas estranhas.

À primeira vista, a cidade pareceu-me confusa. Muito trânsito, estradas em mau estado, o acesso ao centro histórico feito por labirínticas ruelas de sentido único. Mas lá chegámos ao posto de turismo para receber um mapa e algumas informações básicas, que começaram em espanhol. Talvez o tom de pele que ganhei ao longo deste mês leve os outros a acreditar que não sou portuguesa.

Sé de Faro

Os labirintos de Faro

A poucos passos do centro histórico, existe um parque de estacionamento gigante e gratuito, no Largo de S. Francisco. Um ponto a favor de Ossónoba (nome romano da cidade).

Começamos por explorar a Vila Adentro, percorrendo as muralhas que envolviam a cidade árabe e medieval. Entramos pelo Arco do Repouso, passamos por um possante D. Afonso III que concedeu foral aos mouros em 1269, para nos determos na Sé.  A dita não é imponente como tantas outras que enfeitam Portugal e a Europa, mas é bela na sua simplicidade branca.

Infelizmente está fechada, mas é possível subir à torre. À porta perguntam-me de onde somos, se estamos sozinhos. Não entendo muito bem aquele interrogatório até que o porteiro nos deixa subir sem pagar bilhete, o que agradeço com um sorriso. Lamento que a escadaria tenha algum lixo. Ainda pondero se a cidade estará a ressacar do encontro anual de motards, que aconteceu no fim-de-semana. Mas isso não explica porque um dos símbolos do burgo se apresenta assim.

Acabo por desviar os meus pensamentos perante a paisagem, que é realmente bonita. Avista-se todo o mundo intramuros,  a ria Formosa e, um pouco adiante, o aeroporto que vomita turistas a cada 10 minutos.

a ria Formosa banha Faro

Saímos pelo Arco da Porta Nova e acompanhamos a muralha ao longo do rio, de onde partem os ferries rumo às ilhas de Faro, do Farol e da Culatra e onde passa o comboio, a escassos metros da água.

O barulho dos automóveis encontra-nos novamente, como uma bofetada, enquanto percorremos o Jardim Manuel Bívar! Sentamo-nos num banco à sombra, o Pedrinho alimenta as pombas com um pedaço de pão duro, que pediu a alguém do banco vizinho. O Jardim foi antes chamado Praça da Rainha, e a autarquia descreve-o como “refrescante sala de visitas da cidade com um elegante coreto dos finais do séc. XIX”.

Em frente fica a Doca Recreio, onde os barquinhos baloiçam docemente ao sabor da tímida ondulação da Ria.

Depois deste hiato, o suficiente para absorver a dinâmica da cidade e fotografar o belíssimo edifício mourisco onde está instalado o Banco de Portugal, seguimos até ao Museu Regional. As ruas que conduzem até lá são pedonais, pejadas de lojas e esplanadas. Percebe-se que este é o circuito turístico porque saindo para outras artérias transversais, menos movimentadas, há novamente lixo, edifícios vandalizados, engolidos pela tinta dos grafites e com vidros partidos.

interior do teatro Lethes
© Teatro Lethes/facebook

Em algumas destas ruelas estreitas fiquei apreensiva, por causa dos homens ociosos que deambulam por ali. Numa destas ruas pequenas e sinuosas dei mesmo meia volta, quando um arrumador decidiu caminhar atrás de nós (eu e o meu pequeno explorador, sozinhos). Eram umas inocentes 10h da manhã.

Isto tudo para chegar ao Teatro Lethes que queria muito conhecer, por causa duma fotografia que vi na internet. O edifício começou por ser um Colégio da Ordem de Jesus mas, depois da expulsão da Ordem, a Coroa tomou conta dele. Alguns anos e uma revolução liberal depois, acabou por ser vendido em hasta pública. O médico italiano Lázaro Doglioni comprou-o e transformou-o em Teatro. Abriu ao público em 1855.

Na fachada, muito singela honrando o seu passado jesuíta, lê-se Monet Oblectando, que significa “instruir, divertindo”. Nova desilusão: o Teatro Lethes está fechado!

Contornei o edifício e descobri a Cruz Vermelha, onde me informaram que o teatro lhes pertence mas o alugaram à Companhia de Teatro do Algarve (ACTA). Toquei à campainha da tal companhia, mas ninguém atendeu. Este não é, definitivamente, um dia de sorte.

centro de Faro

Doces algarvios na despedida de Faro

Para regressarmos ao carro, passámos pelo Arco da Vila, a mais bela das portas medievais, com uma lenda curiosa. Diz-se que existia ali a imagem de uma Virgem, que os árabes deitaram ao mar. Desde então, tanto a terra como o mar deixaram de produzir. Só quando os árabes voltaram a colocar a imagem no devido lugar, a terra voltou a dar fruto e o mar peixe em abundância.

Consolei-me pouco depois na Despensa Algarvia, que fornece produtos típicos, dos licores ao mel, das conservas aos vinhos, sem esquecer, claro, os doces regionais à base de amêndoa, figos, alfarroba e ovos. Lá mascarei o desapontamento com um D. Rodrigo, uma castanha de amêndoa e um morgadinho! Pronto!

Foi com a boca doce e a imaginação solta que deixei Ossónoba. Alguns quilómetros depois, o trânsito acalma e o casario torna-se mais espaçado. A paisagem é emoldurada por colinas suaves em anfiteatro, onde nascem árvores de fruto: laranjeiras, amendoeiras, figueiras e medronheiros. Faro tem outros mistérios que este roteiro não desvendou. Por lá continuaremos, apesar da Alice permanecer com esta sensação de irrealidade. “Humpty Dumpty sat on a wall. Humpty Dumpty had a great fall. All the king’s horses and all the king’s men.  Couldn’t put Humpty together again...”

doces algarvios numa loja em Faro
Delícias não recomendadas a cardíacos e diabéticos.

O Algarve é bem conhecido como destino de praia. Se vai passar uns dias no Algarve vai gostar de ler O que fazer em Albufeira: 28 praias, dicas e atrações. Leia também Algarve com crianças: 10 programas divertidos