Atualizado em 13 Abril, 2021

Um cortejo aquático triunfal, uma virgem que acode aos soldados sedentos de Agripa e um barbeiro de língua viperina. Parece o enredo de uma ópera. Mas é muito mais dramático: é a Fontana di Trevi

Roma é definitivamente uma cidade romântica, com as suas ruelas sinuosas, o rio atravessado por muitas e belas pontes – porque é que ponte é substantivo masculino em italiano? -, os seus “berninis” e “michelangelos” em quantidade suficiente para consolar a alma.

Mas o coração da cidade bate teatralmente na Piazza di Trevi, onde uma bela Anita Ekberg se banhou sedutoramente em 1960, perante um embevecido Mastroianni. Sim, claro, falo da mítica Fontana di Trevi, que se abre inesperadamente aos nossos olhos em toda a sua majestade barroca, ainda que o canto das suas águas a preceda.

Esclareça-se que o barroco não é o estilo artístico que mais aprecio. Acho que um grande artista consegue criar beleza na simplicidade. Mas não há regra sem excepção ou, neste caso, preconceito artístico que não seja abalado até aos seus alicerces.

A Fonte merece todos os adjectivos que lhe dedicam e, ainda que seja mundialmente conhecida, é capaz de emocionar quem a visita pela primeira vez. Com 20m de largura por 26m de altura, o conjunto é estonteante e os detalhes belíssimos.

detalhe da Fontana di trevi
Neptuno na sua carruagem puxada por cavalos marinhos

Como alguém escreveu: “vento, luz, sombras, pedra, água, juntam-se como se fosse formado um intenso mar”. Um cenário tão intenso que eclipsa completamente o Palácio Poli onde está instalada a Fontana di Trevi. Desse mar irrompe um Neptuno, puxado por portentosos cavalos-marinhos, e um pouco mais acima figuras femininas que representam a Abundância (com o cesto cheio de frutas) e a Saúde (com a serpente).

Perdoem-me esta verborreia adjectival, mas fui atingida pelo Cupido na cidade eterna. Aliás, fui um alvo muito fácil, com tanta riqueza artística, parece que estamos no Paraíso.

Vou tentar cingir-me aos factos, para enquadrar este cartão-de-visita de Roma sem exageros estilísticos dignos do barroco. Conta a lenda (ai, mas não ia cingir-me aos factos??) que uma jovem virgem se apiedou de um grupo de soldados sedentos e os conduziu a uma fonte de água puríssima: a cena está representada no actual monumento.

Para aproveitar aquelas águas límpidas, construiu-se um aqueduto que as conduziu até à cidade. Por isso, aquelas são também chamadas de “águas da virgem” para além de “águas de trevi”, uma vez que a fonte ficava no cruzamento de três ruas (trivium).

Roma tem muitas fontes públicas, com água é límpida e muito fresca.
Roma tem muitas fontes públicas, com água fresca.

A Fontana e o barbeiro maldisposto

O aqueduto Acqua Vergine, que abasteceu Roma durante mais de 400 anos, foi destruído durante a invasão dos godos, pelo que os romanos passaram a usar a imunda água do Tibre que recebia os esgotos da cidade, com as consequências óbvias para a saúde pública.

Ultrapassadas as trevas da Idade Média, reconstruíram-se os aquedutos e a fonte voltou a funcionar. Um belo dia de 1629, o Papa Urbano VIII decidiu que ali se devia construir algo grandioso. Vai daí, encomendou o projecto a um senhor chamado Bernini que fez vários desenhos.

Com a morte do Papa, porém, o projecto foi metido numa gaveta. Só no século XVIII se voltou a pensar no assunto e o Papa Clemente XII encarregou o arquitecto Nicola Salvi da obra, que aproveitou muitos detalhes de Bernini.

lançar uma moeda na Fontana di Trevi
A moedinha para garantir o regresso e o Vaso “Ás de Copas”.

Mas nenhum dos dois viveria para ver a majestosa fonte pronta. Salvi morre em 1751, quando a empreitada ia a meio, e o Papa Clemente XII morre em 1762, pouco antes desta ser concluída. Resumindo, a fonte mais romântica do mundo é atribuída a Nicola Salvi, ainda que sob forte influência de Bernini. E a realização final foi de Pannini, que também fez a sua quota parte de alterações.

Mas e o barbeiro atrevido? Já me esquecia. O muro que circunda a Fontana di Trevi tem, na esquina da rua Stamperia, um grande vaso a que os romanos chamam Ás de Copas. Diz-se que esse vaso foi mandado colocar por Salvi por causa de um barbeiro que, ao longo dos anos em que as obras se arrastaram, fez muitos comentários negativos ao seu trabalho.

Para grandes males, grandes remédios: o vaso gigantesco impediu que o crítico visse a fonte desde a sua barbearia.