Atualizado em 6 Janeiro, 2021

O nosso primeiro Natal em Angola mais pareceu um filme de suspense. Mas, no final, tudo correu bem e passámos as Festas de manga curta e em família

Este ano, pela primeira vez desde que somos uma família, estava previsto passarmos o Natal a seis mil quilómetros de distância uns dos outros. O que, diga-se em boa verdade, seria o equivalente a não parecer de todo Natal.

Nem sempre a vida profissional se compadece com Festas e outras minúcias pessoais. Na impossibilidade do Miguel viajar, foi com natural entusiasmo que aceitámos a possibilidade de viajarmos nós – eu e o pequeno explorador – até Luanda. Mais felizes ficámos quando arranjámos voo, a menos de dois meses do Natal.

Mas o entusiasmo rapidamente deu lugar ao desânimo, na fase dos preparativos. Quem já tratou de visto para Angola, sabe que é um filme. O que eu, inocente, não sabia é que é um filme de terror. O enredo inclui uma longa lista de papéis, sobretudo quando há menores envolvidos. Até aí tudo bem. Mas, quando recebemos informações completamente contraditórias em cada esquina, o enredo adensa-se (em Dezembro de 2018, as regras para o visto de turismo tinham sido simplificadas de maneira considerável e, em 2019, parece ter sido implementado o visto de turismo solicitado online e pago aquando da entrada do país).

As idas e vindas ao Porto multiplicaram-se até que, já em desespero de causa, recorri a uma agência que tratou do processo com muito mais rapidez e eficiência. A esperança ressurgiu, tímida e prematura.

Digo prematura porque ainda me esperavam outros contratempos. Por exemplo, um papel (necessário para sair com o Pedro de território nacional) perdeu-se nos meandros burocráticos angolanos. Acabei por meter o processo no consulado na data limite e os vistos ficaram prontos um dia antes do voo.

 
baía de Luanda

Quando os percalços se multiplicam

Outros pequenos percalços se acumulavam. A mefloquina, que nos receitaram como prevenção à malária, esgotou em quase todas as farmácias da cidade. Quando finalmente a jornada parecia plausível, imprimi os bilhetes de avião para constatar que a agência de viagens se tinha enganado no nosso sobrenome. E para terminar estes dois meses em grande, contraí uma gripe descomunal, eu que nunca fico doente!

Foi com os olhos a lacrimejar e o nariz em carne viva que despachei a mala no aeroporto. No meu subconsciente, ainda achava que alguma coisa ia correr mal. Verifiquei uma vez mais se não me tinha esquecido dos boletins internacionais de vacinas, das prendas de Natal, do meu filho (quando estamos doentes é melhor confirmar as coisas óbvias, hehe).

No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pediram-me a autorização de saída do Pedro de território nacional, uma vez que viajava apenas na companhia da mãe. No passado, fiz viagens intercontinentais com ele e nunca me pediram tal coisa. Actualização: as regras sobre este assunto têm sido observadas de forma rigorosa, de cada vez que visito o país.

Quando finalmente me sentei no enorme boeing da TAAG, nem queria acreditar. Durante as oito horas de voo, não preguei olho, fui contemplando o meu pequenito, que dormiu como um anjo, relembrando o sobressalto que foram estes dois meses, antecipando a felicidade de reencontrar o meu marido.

miradouro da Lua, em Angola

Entretive-me também a observar uma senhora, que ia saltitando de lugar vago em lugar vago, a tentar dormir. Em cada banco em que se esticava, acendia prontamente a luz de leitura. Teria medo do escuro? Cinco minutos volvidos, trocava de lugar, deixando a luz acesa. Duas horas depois, o avião parecia uma árvore de Natal.

Ainda estremeci quando, já no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, um agente de saúde se pôs a olhar fixamente para mim.  Afinal, a ameaça do ébola não está assim tão longe de Angola. Será que estou com febre? Devia estar com um aspecto caótico, por causa da gripe e da noite insone.

Outro filme perpassou a minha mente, tipo missão impossível. Ele a dizer que não posso entrar no país, eu a enfiar o Pedro debaixo do braço (como se tivesse forças para isso) e a forçar a entrada em Luanda, com uma multidão de polícias no meu encalço. Esta curta-metragem em slow motion durou apenas uns segundos.

Dois minutos depois já tinha passado o controlo de passaportes, onde o polícia nos desejou umas sonoras Boas Festas! e esperava tranquilamente a minha mala. A poucos metros, o Miguel aguardava ansioso. Só quando, finalmente, caímos nos braços uns dos outros e murmurámos o nosso ritual de sempre, consegui respirar de alívio!

Agora sim, já vos posso desejar Feliz Natal

com o coração inundado de alegria, como a quadra merece!