Atualizado em 17 Fevereiro, 2021

Há angolanos que pescam entre carcaças de embarcações, numa baía onde reina o cargueiro Joaquim Kapango, testemunha de muitas marés. Chegamos ao cemitério de navios, lugar de segredos encalhados.

Encontramos as areias silenciosas da praia de Santiago no caminho para o Caxito, a norte da capital angolana. Para chegar ali já é uma aventura. Primeiro é preciso vencer o trânsito caótico de Luanda e, logo depois do mercado do Roque Santeiro – foi o maior mercado africano a céu aberto, mas depois foi transferido para os arredores em 2010 (notícia aqui) – cortar à esquerda em direcção ao mar.

Neste bairro do Sarico, município do Dande, província do Bengo, fina-se o asfalto e avança-se em terra batida, por trilhos criados pelos habitantes, até à praia deserta e pouco acessível, onde não chega rede de telemóvel.

Por entre os solavancos do jipe, vislumbramos algumas pequenas plantações, onde tudo é feito artesanalmente, sem qualquer maquinaria. No máximo, os agricultores terão uma moto para carregar os produtos desta terra fértil, mas a maioria faz os seus caminhos a pé.

Finalmente na linha de água, os navios perfilam-se, num rendilhado de ferrugem.

Pelo seu tamanho, destaca-se o petroleiro Karl Marx com mais de 70 metros, ou o Joaquim Kapango com 104 metros de comprimento, antiga estrela da marinha mercante angolana, que recebeu o nome de um herói da luta pela independência. Mas muitos outros barcos, grandes ou pequenos, jazem ali inclinados, mais ou menos perto da praia.

Imponentes, enferrujados por décadas de salitre e água, corroídos pelo tempo, os navios em decomposição poderiam remeter para um cenário apocalíptico, não fosse o calor que se nos cola à pele, o cheiro a maresia que nos impregna a roupa, o bocejo preguiçoso de domingo que a praia nos impõe.

Em Sarico efabula-se este sepulcro de navios. O mais provável é que tenham sido rebocados desde o porto de Luanda, a cerca de 100 km, onde estavam abandonados. Como é óbvio, dificultavam o tráfego do principal porto de um país que importa quase tudo o que consome, para além de poluírem a baía da capital.

Mas esta realidade prosaica não é nada apetecível. Pelo que circulam estórias sobre navios que transportavam armas e eram ali encalhados de propósito, acabando abandonados depois de se transferir a carga pela calada da noite, durante a guerra civil.

O sol vai bem alto quando, por entre cascos enferrujados, damos conta da azáfama dos pescadores que puxam, à força de braços, a pescaria do dia. A esta arte chamam pesca “banda banda”: oito homens levam uma manhã para recolher as duas pontas de uma rede e com ela todo o peixe e marisco preso.

A corvina é grande e boa, informa-nos um deles mas, infelizmente, não trouxemos arca para a transportar.

O lugar poderia ser único e apetecível, não fosse por dois detalhes. Primeiro: o lixo. A praia tem muito lixo acumulado, sobretudo plástico, talvez trazido pelas marés, a que se soma o lixo deixado pelos visitantes pois, pelo que me contaram, a baía atrai muitos jovens angolanos aos fins-de-semana.

E depois, é inevitável pensar no impacto ambiental que todos aqueles cascos em decomposição devem causar no ecossistema marítimo.

Mas não é todos os dias que nos deparamos com uma praia exótica banhada pelas águas do Atlântico, pontilhada por velhos navios-fantasma. Imagino o surreal que será vê-los do ar, a partir de um avião, como pequenos brinquedos espalhados ao acaso.

Como ir: a única solução é levar carro, apanhando a estrada que sai de Luanda para o Caxito. A praia de Santiago fica a cerca de 30 km da capital angolana.

Atenção: Recomenda-se um veículo com tracção para vencer o caminho arenoso e cautela na orla marítima, para não colidir com os restos de navios semi-enterrados na areia (pneus e pés).