Atualizado em 8 Maio, 2023

Montanhas recortadas, tantas vezes semi-escondidas pelo nevoeiro, ricas em borboletas e cascatas e macacos que vivem em florestas sagradas e misteriosas pontes de liana. Chegamos a Man, próxima da fronteira com a Libéria, a “região das 18 montanhas”

Man, a maior cidade do oeste da Costa do Marfim, é conhecida por um relevo pouco comum no país. O cartão postal da cidade é uma montanha muito particular: “La Dent de Man” (o dente de Man), ainda que o Monte Tonpki lhe ganhe em altitude.

Com quase 200 mil habitantes, sobretudo de etnia Dan, esta é uma cidade suja e feia, com estradas esburacadas e poucos atrativos para além de um pequeno mercado e uma mesquita. Serve, porém, de ponto de partida para alguns dias na natureza, explorando as montanhas de vegetação luxuriante e biodiversidade excepcional no que que respeita a lepidópteros, isto é, borboletas, libélulas e afins.

O que impressiona à primeira vista em Man é a paisagem, que difere radicalmente do que se conhece no Sul. A cidade fica numa bacia cercada por montanhas mais ou menos nebulosas, cuja silhueta imprime no horizonte um curioso contorno. Algumas colinas parecem até jardins japoneses gigantes, com árvores de madeiras duras e nobres a despontarem entre as escarpas rochosas.

Entre os lugares dignos de interesse na região lista-se, obviamente, algumas montanhas (a subida ao dente é tão difícil quanto recompensadora), as cascatas e a floresta sagrada de Gbêpleu, com os seus macaquitos.

Na Costa do Marfim, o que se pretende proteger assume, não raras vezes, o título de sagrado, porque a superstição pesa fortemente nas consciências de uma sociedade animista, ainda que as grandes religiões – catolicismo e islamismo – venham competindo com as crenças tradicionais. Antes locais dedicados a iniciações de significado espiritual; essas florestas comunitárias são hoje um baluarte para proteger a biodiversidade.

No caso de Gbêpleu, é no coração da mata cerrada que repousa o túmulo da virgem sacrificada pela prosperidade da recém-criada vila/cidade. Essa parte é inviolável e, dizem os locais, quem lá se aventurar pagará com a vida.

Nesta floresta sagrada, que vem sendo pressionada pela silvicultura, vive uma numerosa e próspera comunidade de primatas. Os visitantes usam bananas como aliciante e os macacos acabam por se aproximarem e manterem por perto, brincando, catando-se, enfim, vivendo a sua vida de macaco.

macacos da floresta sagrada de Man

©eburnietoday

Man na história

No final do século XIX, o patriarca Gbê, chefe do cantão de Gbêpleu, sacrificou a sua única filha Manlé, enterrando-a viva pelo “desenvolvimento e crescimento harmonioso da cidade”. A designação Man deriva assim do nome da menina que viu a sua vida ceifada em benefício do suposto bem coletivo.

Já no século XX e durante as diversas crises que abalaram o país, Man assistiu a violências tremendas, tendo sido tomada por forças rebeldes em 2022. As ruínas da sede do Banque Centrale des Etats de l’Afrique de l’Ouest (BCEAO) são testemunhas impressionantes desses períodos de instabilidade, altura em que o edifício foi saqueado e vandalizado. Outras construções carregam ainda as cicatrizes da guerra, e também há muitas obras inacabadas.  Hoje a região é pacífica e as pessoas são, de uma maneira geral, acolhedoras.

Subida ao Dente de Man

O objetivo da minha visita a Man foi participar em algumas caminhadas, não só porque é uma excelente forma de explorar os destinos devagar, mas também porque andava a treinar para o Caminho Português de Santiago. O percurso mais comum na região é a desafiante subida ao “Dent de Man”, que acontece sob o sol africano, fintando plantações de coqueiros, mandioca, cacau e café.

O dia amanhece claro, adivinhando-se uma jornada quente. Um táxi leva-nos até à aldeia que conduz ao Dente de Man, onde Augustin, o guia local, negoceia o nosso acesso. Não há ali nenhuma entidade oficial que gira a montanha e os seus recursos, mas um habitante cobra passagem aos turistas.

Evidentemente, não há nada tabelado, sendo o preço baseado no aspeto dos visitantes, na capacidade de negociação do guia e no humor do “fiscal”. Será que o valor é dividido pela comunidade?!

A subida inicial é suave, entre casas de telhado de zinco e hortas, ainda que suficiente para nos tirar o fôlego e encharcar as t-shirts de suor. Este não é um passeio glamoroso, exige significativo esforço físico, sobretudo quando alcançamos a base da montanha. A partir daqui, transforma-se num trekking mais exigente: temos que nos içar por entre rochas, troncos de árvores gigantes e desníveis muito acentuados.

Após uma chuvada, alguns troços poderão ser quase impraticáveis e escorregadios, pelo que se recomenda calçado apropriado. A ponta do dente – na verdade são dois dentes, um menor que o outro e que passa quase despercebido – exige a utilização de um tronco com entalhes, à guisa de escada.

A vista de 360° do topo eclipsa o esforço feito e só não nos demoramos porque os mosquitos minúsculos nos atacam como bravos guerreiros. Contudo, ainda há toda uma descida pela frente…

Monte Tonkpi ou Tonkoui

Se a subida e regresso ao dente se traduz em pouco menos de 15 km, a caminhada ao topo do monte Tonkpi perfaz uns 19 km de marcha mais leve, à exceção de dois troços. Com um nome resultante da deformação francesa da palavra yacouba Tonkoui, que significa “grande montanha”, o Tonkpi ergue-se a 1189 metros: é o pico mais alto de Man e o segundo mais alto do país, depois do Monte Nimba.

Antes de entrarmos na área protegida do Monte Tonkpi, temos uma viagem de 15 minutos num táxi para lá de velho (com boleia de um gato bebé, leiam a aventura em Shinrin-yoku ao estilo africano), sempre a subir, passando por duas aldeias sem eletricidade, inexistência da rede móvel, internet ou transportes públicos. Existe uma terceira aldeia, que conseguimos vislumbrar no final da subida.

Há quem faça todo este percurso de carro 4×4, o que exige alguma destreza do condutor e paciência, pois demora cerca de hora e meia, a uns, talvez, 20 km/hora. Pesando os prós e os contras, acho que vale a pena subir a pé, com alguns atalhos pelo meio da floresta, mas apenas porque temos um guia que conhece bem a região.

Os jardins da casa de Pierre Mesmer, governador da Costa do Marfim entre 1954 e 1956,  posterior ministro do general Charles de Gaulle e primeiro-ministro de Georges Pompidou, servem de cenário para o nosso piquenique.

E eis que nos resta um pequeno trilho até à torre de telecomunicações e televisão (RTI), para uma vista deslumbrante sobre toda a região. Para isso, um pouco mais de resistência e trabalho cardiovascular: é preciso vencer mais 300 degraus, pois o elevador não funciona há muuuuuito tempo. Tampouco há luz nas escadas, valem-nos os telemóveis.

Cascatas em Man

A região montanhosa de Man é também famosa pelas suas cascatas, especialmente as que ficam no sopé do Monte Tonkpi, que possui um pequeno parque de estacionamento, escadas de acesso, ainda que irregulares, mesas e cadeiras de pedra.

Para além disso, pintaram as pedras de cores coloridas, vá-se lá perceber porquê, e colocaram uma ponte de lianas, não transitável, acho que por falta de manutenção. A tentativa de criar estas infraestruturas não foi bem-sucedida, o local está cheio de lixo e fica apinhado de jovens, barulhentos, sobretudo aos fins de semana. Na altura que visitei, estavam bem tristes, com falta de água.

Existe uma segunda cascata perto do Dente de Man, muito mais bonita, sem infraestruturas, mas igualmente prejudicada pelo lixo dos visitantes. Paga-se pela sua utilização/visita na aldeia (a outras pessoas diferentes das que “gerem” a montanha), mas isso não se traduz em qualquer tipo de limpeza. Por fim, existirá uma cascata chamada Goba, na estrada para Danané, que não visitámos por falta de tempo.

As enigmáticas pontes de corda

A região das 18 montanhas possui outra tradição peculiar: as pontes de lianas. Para além da sua produção artesanal, que é muito especial, é sempre digno de pasmo e reflexão como será que as instalavam sobre desfiladeiros muito profundos, sem a ajuda de qualquer tecnologia.

A ponte Liepleu, colocada na aldeia homónima e sobre o rio Cavally, é a mais conhecida. A cerca de 80 km de Man, atravessando Danané, as condições da estrada ditam 1h30-2 horas de percurso para cada lado. Depois de Lieupleu, existe ainda a ponte de lianas em Vatouo, que foi restaurada em 2022 para fins turísticos.

Da ponte Liepleu se diz que foi obra do génio Gon (que significa “aranha” no dialeto yacouba), construída numa única noite com ajuda dos velhos sábios da aldeia. Hoje em dia existe uma ponte de betão a ligar as duas aldeias outrora servidas pela ponte de corda, financiada com o dinheiro arrecadado com as visitas. Mas tudo indica que os aldeões ainda utilizam com frequência a ponte tradicional, tirando os sapatos para o efeito.

Infelizmente não conheci esta tradição fantástica, porque exigiria, pelo menos, uma manhã inteira disponível. Para além do tempo necessário, avalie a época do ano. Na época das chuvas, pode acontecer alugar um carro e pagar um guia, fazer grande parte do percurso, para depois não chegar à ponte de corda porque a estrada está alagada.

pontes de lianas em Man
© Man-ville.net

A maravilhosa madeira alloi

Conhecida pela indústria madeireira, Man tem sofrido de elevada desflorestação. Aliás todo o país sofre imenso deste mal: algumas fontes estimam uma diminuição de 60% da mancha florestal após a independência de França, em 1960. Existe atualmente alguma preocupação com a reflorestação em Man, ainda que baseada numa única espécie asiática: a teca.

Para além do fornecimento de madeira para o estrangeiro, a região vem ganhando tradição na escultura da madeira alloi, uma madeira rara – na Costa do Marfim cresce apenas na região de Man (acho que no Congo também existe) – com a particularidade de ter um tronco de cor vermelho-sangue.

No bairro muçulmano de Dioulabouglou, não muito longe da mesquita principal da cidade, existem algumas oficinas tradicionais, a primeira das quais foi fundada em 1958. Todas elas trabalham a madeira vermelha, com resultados lindos.

#dica: é sempre preciso negociar o preço, o que exige alguma perícia e paciência que às vezes me faltam.

Dicas úteis para visitar Man

Como chegar

Localizada a cerca de 570 km de Abidjan por estrada, a forma mais fácil de chegar a Man é de avião. A companhia aérea local, Air Côte d’Ivoire, oferece três voos semanais, com uma duração de uma hora.

O aeroporto fica a cerca de 20 km da cidade, podendo combinar o transfer com o hotel, na altura da reserva. Com apenas um voo em alguns dias da semana, o aeroporto é minúsculo e não possui raio-x para a bagagem. Portanto, é preciso abrir as malas uma a uma. Antes de abrir o meu trolley, a senhora da segurança fez-me uma pergunta que nunca imaginei alguém dirigir-me na vida: traz alguma arma?

É possível chegar de carro? Sim, é. Mas o estado da estrada nem sempre é o mais adequado. Já li que o percurso pode demorar 7 a 8 horas, outros falam de 10 horas a conduzir, portanto… decida por sua conta e risco.  O percurso recomendado por estrada é Yamoussoukro (autoestrada), Bouaflé, Daloa, Duékoué, Bangolo e Man.

Algumas empresas de transporte servem o destino a partir de Adjamé, mas é uma aventura radical andar de autocarro na Costa do Marfim, como na maioria dos outros países africanos.

Onde dormir

Havendo mais opções de alojamento em Man, apenas dois hotéis se recomendam, pela localização e pela qualidade do atendimento. O primeiro é o hotel Les Cascades, localizado numa colina e com uma vista simpática sobre a cidade, mas necessitado de manutenção. E o segundo é o modesto hotel Beau Séjour, sem a vista incrível do anterior mas remodelado recentemente. Foi onde fiquei, num quarto simples mas asseado, havendo ainda bungalows disponíveis. A comida foi sempre muito boa (só tive que ensinar a uma menina a tirar um café expresso) e o pessoal simpático.

Para comer, além dos restaurantes dos dois hotéis mencionados, li boas críticas do l’Espace Palm Beach chez Ariane, perto do hotel Beau Séjour, mas não experimentei.

Quando visitar

O clima do Man é mais quente e seco que o de Abidjan, sem ser totalmente idêntico ao das savanas. Possui ainda uma estação chuvosa muito marcada, durante a qual ocorrem frequentemente cheias. Os meses de novembro e dezembro são bons para explorar a região, enquanto os meses de junho a agosto tendem a ser bastante chuvosos.

Estive em Man durante duas noites e três dias no mês de Março. Apesar de ter caminhado sob calor intenso, choveu nas duas noites: numa dessas ocasiões, o vento e a chuva arrastaram as cadeiras de plástico da piscina do hotel (por momentos pensei que iam acertar a televisão gigante da esplanada).