Atualizado em 26 Maio, 2023
A Costa do Marfim é um destino com milhares de espécies de plantas e centenas de espécies animais, incluindo uma lista considerável em risco de extinção. Ainda assim, não é fácil ver animais em liberdade neste país da África ocidental
Vocês também associam África com vida selvagem e animais em liberdade? Essa imagem feliz é, na verdade, um tanto ou quanto ilusória, como percebi desde que moro no continente grandioso. Existem cada vez menos animais em estado selvagem e algumas espécies ainda não desapareceram graças a valiosos programas de preservação, à criação de reservas naturais e, em alguns casos, segurança armada.
Exemplo disso é o South African National Parks (SANParks) que gere 19 parques nacionais, incluindo o famoso Kruger, ou o Parque Nacional dos Vulcões, tão importante para a preservação dos gorilas no Ruanda.
Um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais, divulgado em 2020, declarava que a biodiversidade de água doce em África “está sob forte pressão com a maioria das espécies ameaçadas encontradas em áreas com elevados níveis de desenvolvimento e procura de recursos hídricos” e que grande parte da biodiversidade terrestre, marinha e costeira está também em risco.
A Costa do Marfim tem o maior nível de biodiversidade da África Ocidental, mas também uma das maiores taxas de desmatamento do mundo. Hoje, menos de 2% do país está coberto por florestas primárias, devido à desflorestação – para abrir espaço para plantações de cacau, borracha, café e óleo de palma – à guerra civil, à caça furtiva e agricultura de subsistência (tanto de deslocados nacionais como de refugiados de países vizinhos).
Estudos científicos assinalavam, há menos de uma década, a presença de invertebrados raros, de hipopótamos pigmeus e crocodilos anões, manatins, pangolins, chimpanzés e dezenas de outras espécies de macacos no território. Infelizmente, muitos carnívoros, como leões, chitas ou cães selvagens já desapareceram. E os elefantes, símbolo do país e inspiração para o seu nome, estão quase extintos.
Muitas espécies estão restritas a parques nacionais e áreas protegidas, como o Parque Comoé ou o Parque Nacional Taï, onde poderão estar refugiados os últimos elefantes em estado selvagem de toda a Costa do Marfim.
Apesar desta introdução tão pessimista (como realista), ainda é possível ver animais neste país a que chamo de casa há quase dois anos. Vejamos onde.
Morcegos em Abidjan
Já vos falei destes famigerados mamíferos no artigo Abidjan, a Manhattan africana, sobre a capital económica do país. Esta comunidade de morcegos adaptou-se ao ambiente urbano. Milhares deles passam o dia a dormir nas árvores do Plateau, o bairro mais sofisticado de Abidjan, onde os escritórios das organizações internacionais estão situados (União Europeia, Banco Africano de Desenvolvimento, Unicef, FMI, etc).
Ao final do dia saem para se alimentarem. Durante 10 a 20 minutos, o céu enche-se de pontinhos negros, um espetáculo diário que me parece sempre um pequeno milagre. A espécie mais comum é o morcego frugívoro cor-de-palha que, como o nome indica, se alimenta sobretudo de fruta.
A sua presença incomoda alguns habitantes, que já promoveram um abaixo-assinado para cortarem as árvores que lhes dão abrigo. Por outro lado, os morcegos são fundamentais para o ecossistema local, dizem os biólogos. Eles são das poucas criaturas capazes de assegurar a reprodução do iroko, uma grande árvore que providencia uma madeira exótica sobre-explorada na África Ocidental…
Onde ficar em Abidjan: A oferta hoteleira de Abidjan é razoável, mas não muito barata. Os melhores hotéis da cidade são o Pullman Abidjan e o Sofitel, ambos com 5 estrelas. Recentemente abriu uma unidade da rede Sana, mas a localização não é a ideal. O Ivotel Abidjan (***) e o Ibis Abidjan Plateau são opções um pouco mais económicas.
Hipopótamos em Tiassalé
Tiassalé fica a cerca de hora e meia de Abidjan, facilmente alcançável de carro. A cidade é atravessada pelo Bandama, o rio mais longo da Costa do Marfim, que nasce no norte para terminar o seu curso de cerca de mil quilómetros no Oceano Atlântico, em Grand Lahou.
A principal atividade turística em Tiassalé é procurar hipopótamos a bordo de uma pequena piroga tradicional. Não é um programa consensual porque, apesar do seu ar “fofinho” e pachorrento, o hipopótamo vive em grandes grupos dominados por um macho polígamo e irascível.
Ainda que herbívoro, conta-se entre os animais mais perigosos de África, que protege ferozmente o seu território e ataca se se sentir em perigo. Aliás, às vezes há incidentes com as populações locais, que se chateiam quando uma manada irrompe pelos seus campos agrícolas, arrasando a produção.
Hesitei, mas acabei por fazer o passeio porque os barqueiros conhecem muito bem o rio, sabem qual a distância de segurança, não correm riscos desnecessários. Aliás, sabem quando houve algum atrito entre machos e dão meia volta.
O passeio é muito bonito e tranquilo, com parte do rio coberto de jacintos aquáticos em algumas alturas do ano. Tivemos sorte, em menos de 10 minutos encontrámos vários hipopótamos e, após uns 20 minutos de observação, demos o passeio por terminado. O objetivo tinha sido alcançado e o sol estava muito forte!
A melhor época para ver os hipopótamos é a estação seca, de janeiro a abril, quando o nível do rio está baixo. Para isso, devem contactar a Thérèse (+225 07 21 86 79), que organiza o passeio e marcará ponto de encontro, possivelmente no Hotel Villa des Hôtes. Esta é também a única opção de alojamento aceitável em Tiassalé, ainda que o serviço deixe muito a desejar.
Sugestões de visita: A cerca de 45 minutos de carro de Tiassalé, existe um parque arqueológico bastante incomum, que está na lista provisória do Património Mundial da UNESCO desde 2006: o Parque Arqueológico de Ahouakro.
Tartarugas e macacos em Grand-Béreby
Em Grand-Béreby, no litoral oeste da Costa do Marfim nasceu, em dezembro de 2020, a primeira área marítima protegida do país. Com cerca de 2600 km2, inclui várias aldeias e praias, para proteger os ecossistemas locais, em especial as tartarugas marinhas. Se pretende assistir à desova, recomenda-se visitar a região no final do ano, entre outubro e dezembro, que também corresponde à época seca.
Eu estive em Grand-Béreby num quente mês de janeiro e gostei particularmente de conhecer os adoráveis macacos de nariz branco. O passeio é feito de canoa, no rio Néro, um dos vários cursos de água doce que desaguam no mar ali perto.
Esta comunidade de símios esteve em risco de desaparecer, por causa da caça. Mas desde que se tornaram uma fonte de rendimentos para a comunidade – uma parte do valor do passeio é canalizado para as aldeias próximas – os habitantes passaram a proteger os seus curiosos macaquitos.
A canoa permanece na orla da floresta, para não invadir o seu habitat, e os macacos começam a chegar a um ponto de encontro, graças aos estalidos do guia, uma espécie de comunicação que eles parecem entender e que se deve traduzir como “hora da refeição”. É que o guia leva sempre umas bananas como incentivo.
Leia sobre outras atividades possíveis na região, no artigo Grand-Béreby, um paraíso desconhecido.
Onde ficar: Se o orçamento não for problema, a resposta é Baie des Sirènes. Para uma estadia mais económica, mas muito simpática, recomendo vivamente o Le Katoum (e a comida é maravilhosa).
Chimpanzés no Parque Taï
O Parque Nacional de Taï, no sudoeste da Costa do Marfim, é uma das últimas porções que restam da vasta floresta primária que outrora se estendia pelos atuais Gana, Costa do Marfim, Libéria e Serra Leoa. O parque foi estabelecido como um “refúgio de floresta e vida selvagem” em 1926, designado parque nacional em 1972, reconhecido internacionalmente como Reserva da Biosfera em 1978 e inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO em 1982.
Também existem macacos, incluindo chimpanzés, na Floresta do Banco, às portas de Abidjan. Aliás, há vários relatos e até vídeos do que parecem gorilas, mas não há confirmação oficial. Os guias podem levar os visitantes numa caminhada, mas as probabilidades de se ver um animal é diminuta, exceto caracóis gigantes (que parecem mutantes), insetos e peixes-gato.
Esta floresta tropical húmida tem um alto nível de endemismo com mais de 150 espécies identificadas como endémicas da região. Diz a UNESCO que a fauna local inclui 47 das 54 espécies de grandes mamíferos que ocorrem na floresta tropical da Guiné, incluindo algumas espécies ameaçadas: o elefante africano, o hipopótamo pigmeu, o búfalo Syncerus caffer e o chimpanzé.
Possivelmente aqui estarão os últimos elefantes em estado selvagem do país, depois de décadas de caça desenfreada, por causa do seu marfim. Nos anos 1990 restariam apenas cerca de uma centena.
Existe um projeto de ecoturismo no Parque Nacional Taï que admite a observação de primatas, incluindo chimpanzés. Este é o programa que mais quero fazer aqui na Costa do Marfim, mas ainda não tive oportunidade.
Existem outros parques nacionais na Costa do Marfim (ainda que com fauna menos abundante), mas sem quaisquer projetos de ecoturismo. É possível contratar um guia e fazer uma caminhada no Parque Comoé (igualmente património mundial da UNESCO) ou na reserva do Monte Nimba, mas sem qualquer garantia de ver animais.
Onde ficar: o Parque Nacional Taï propõe alojamento em dois pontos diferentes, dependendo do que se pretende visitar. Saiba que são locais isolados, onde a eletricidade e a rede de telemóvel podem ser muito limitados.
Ahmed no Nzi River Lodges
O complexo turístico Nzi River Lodges fica a cerca de 45 minutos do centro de Bouaké, a capital dos Bauolé no centro do país. Inaugurado no final de 2020, o eco-hotel/reserva fica em plena savana e assume um papel de conservação da fauna local, sendo o primeiro a oferecer pequenos safaris no país: a pé, de bicicleta ou de jeep.
Com cerca de 40 hectares, oito dos quais sob administração direta do ecolodge, o complexo diz acolher “muitos animais que vivem em total liberdade, incluindo búfalos, antílopes, elefantes, hipopótamos e especialmente o último rinoceronte branco da Costa do Marfim”. Eu fiz um safari pedestre ali em maio de 2023, subi ao monte Sika Oka, e vi búfalos, vários tipos de antílopes e macacos. Ponto.
Sim, o elefante Ahmed (foto de entrada) também lá está, mas não se pode dizer que vive em total liberdade. A história deste elefante chegou a todos os telejornais quando o Governo montou uma operação para o transportar desde a pequena aldeia de Guitri, a cerca de 225 kms de Abidjan, onde ele apareceu vindo não se sabe de onde.
Ahmed começou a destruir plantações e a beber o destilado local à base de palma (possivelmente alguém o habituou ao álcool). A população respondeu com uma tentativa de o incendiar com gasolina e disparando contra ele. O elefante zangou-se e começou a atacar motos e tratores. A história só não acabou em tragédia graças à intervenção estatal, que primeiro o levou para o (triste) zoo de Abidjan, de onde conseguiu escapar várias vezes, e finalmente para o Nzi River Lodges.
Sugestões de visita: perto de Bouaké encontra a aldeia de Tanou Sakassou, famosa pelo seu artesanato de barro.
Onde ficar: no próprio ecolodge, que possui quartos individuais, duplos e uma suite superior, para além de uma piscina com vista para o lago. Os quartos ficam numa espécie de bungalows suspensos, entre uma floresta de fromagers (tipo de árvore local) e nas margens do rio Nzi, um dos maiores rios da Costa do Marfim. Atenção: não há rede de internet ou telemóvel no ecolodge. Aproveite para fazer um detox digital.
Crocodilos em Yamassoukro
Infelizmente, não temos muito mais sugestões de locais onde possa ver animais em liberdade na Costa do Marfim. Mas, para quem visita a capital política, há um spot popular que merece estar neste artigo, já vão perceber porquê.
Yamassoukro fica a cerca de 230 km de Abidjan e tornou-se capital em 1983, por decisão de Félix Houphouët-Boigny, o primeiro presidente da Costa do Marfim independente. Vai daí, o senhor iniciou um ambicioso plano para transformar a sua aldeia natal numa cidade magnificente, começando pela construção de uma igreja cristã imensa.
O gigantesco palácio presidencial integrou esse sonho utópico de Houphouët-Boigny e, ainda hoje, ocupa um quarteirão inteiro, apesar de nunca se ter transferido os órgãos governamentais para aquela cidade e o projeto de uma mega cidade ter ficado esquecido. Em redor do palácio presidencial, existem vários lagos artificiais que o antigo presidente povoou de crocodilos.
Saiba o porquê da escolha destes répteis e os cargos que lhes foram atribuídos no post A grandeza neoclássica de Yamassoukro. Um número de crocodilos do Nilo indeterminado exige muitas galinhas diárias para os alimentar e uma unidade de bombeiros de sobreaviso, pois, não raras vezes, conseguem sair do fosso.
Sugestões de visita: a Basília de Notre Dame de la Paix, na lista do Guiness como a maior catedral do mundo, e a Fundação Félix Houphouët-Boigny.
Onde ficar: no Hotel President, inaugurado nos anos 70, altura em que devia ser magnífico. Apesar de carecer de manutenção, é a melhor opção de alojamento em Yamassoukro.
8 Comentários
Que triste a situação ambiental da Costa do Marfim. Infelizmente, isso aconteceu (e ainda acontece) com muitos países, não só africanos como latino-americanos. Fiquei especialmente impressionada com a história dos crocodilos hahaha esse dá até medo de encontrar pessoalmente!
Seria incrível se fossem todos livres e livres de mau tratos 🙁
Se um dia for à Costa do marfim vou querer ver os hipopótamos, acho eles fascinantes
Senti o mesmo em Angola, apesar de ser África não existem assim tantos animais selvagens e livres e os que existem incomodam a população quando invadem aldeias.
Ainda fiquei mais impressionada ao ouvir num evento que a maioria dos turistas vê nos Safaris os mesmos animais “sinalizados”.
Talvez sejam falsas expectativas nossas criadas pelos filmes e documentários e até alguma indiferença em querer saber a verdade.
Tenho bastantes reservas quando penso nos santuários de elefantes onde podes meter-te com o bicho e dar-lhe banho, mexer e posar para selfies. Mas também acredito que sem este show off não se consiga sustentar o trabalho de preservação.
Nossa, não fazia ideia que Costa do Marfim tinha o maior nível de biodiversidade da África Ocidental, mas também uma das maiores taxas de desmatamento do mundo! A gente aqui no Brasil sabe muito pouco sobre os países africanos e realmente a imagem que a maioria tem aqui é de ver os grandes animais facilmente… Que triste, principalmente no caso dos elefantes, pela influência no nome do país;;; Agora morcegos e crocodilos eu vou é fugir! Não quero ver/chegar perto não hahahaa.
Muito interessante seu artigo sobre os animais na Costa do Marfim. Eu fui em uma fazenda de elefantes na Tailândia somente porque eles cuidavam de elefantes que foram mal tratados para reinserir a natureza. As pessoas e lugares deveriam ser mais conscientes.
Fazer um safári na África está nos meus planos, mas ainda não decidi onde. Infelizmente é um tipo de turismo explorado de forma errada em muitos destinos ainda. Nunca tinha visto nada sobre esse tipo de turismo na Costa do Marfim. Mas olha, crocodilo e morcego não ver nem de muito longe hehehehe.
Que triste saber de tanto desmatamento e extinção de animais na Costa do Marfim. Infelizmente, isso não é uma exclusividade do país. Gostei muito das suas experiências, mas confesso que teria um pouco de receio com os hipopótamos, por conta da fama que são meio agressivos. Parabéns pela coragem!
Não foi de ânimo leve que fizemos esse passeio com os hipopótamos. Não nos sentimos inseguros em nenhum momento, por outro lado, ficámos tão longe que precisava de outra lente para tirar uma boa fotografia aos animais