Atualizado em 25 Maio, 2023

Yamassoukro é uma cidade utópica, fruto da vontade do primeiro presidente da Costa do Marfim, que chegou ao poder após a independência dos franceses. Um sonho que não chegou a ser concluído

Yamoussoukro é uma cidade surrealista, cortada por largas avenidas de quatro vias, ao estilo europeu. As grandes artérias são ladeadas por hortas, lagos artificiais e meia dúzia de edifícios isolados. Aliás, a natureza vem reclamando, paulatinamente, os troços de estrada não concluídos.

Félix Houphouët-Boigny, o primeiro presidente da Costa do Marfim independente, decidiu, em 1983, fazer de Yamoussoukro a capital do país. Vai daí iniciou um ambicioso plano para transformar a sua aldeia natal numa cidade magnificente, começando pela construcção de uma gigante igreja cristã.

Inspirada na Basílica de São Pedro, no Vaticano, o templo sintetiza a era Houphouët-Boigny, que tinha uma visão grandiosa para o futuro da Costa do Marfim. No entanto, a sua morte interrompeu a transformação de Yamassoukro, que está longe de ser a cidade modelo que o velho (como é carinhosamente recordado) sonhou.

Na verdade, Yamoussoukro é a capital formal da Costa do Marfim. Contudo, não tem embaixadas, ministérios ou parlamento: todas as instituições políticas e administrativas permanecem em Abidjan, a verdadeira capital política e económica do país.

Yamassoukro é uma cidade pequena (a quinta, a nível nacional) mas, ainda assim, merece uma breve visita, para melhor compreender a realidade histórica do país e a visão utópica por detrás dos seus edifícios.

Ao lado das grandes avenidas, a paz rural.

Basílica de Nossa Senhora da Paz

Yamoussoukro é anunciada pela Basílica de Notre Dame de la Paix, reconhecida pelo Guiness como o maior edifício cristão do mundo em altura e superfície construída. Parece que suplanta a Basílica de São Pedro graças à cruz do topo, apesar do pedido do Papa para tal não acontecer. Diga-se, no entanto, que o título é disputado por vários templos, sob diferentes critérios: capacidade, área, volume, etc.

Construído em cerca de três anos, o sumptuoso templo ostenta números impressionantes. Uma área de 30 mil metros quadrados (apesar desta área incluir dois edifícios residenciais), 158 metros de altura e capacidade para 18 mil fiéis no interior, aos quais acrescem 300 mil no exterior, embora estes se resumam, normalmente, a algumas centenas.

A igreja terá enchido uma única vez, a 7 de fevereiro de 1994, para o funeral de Houphouët-Boigny. Afinal, apenas 17% da população se identifica como católica, a principal religião é a muçulmana e o presidente até encomendou a construção de uma mesquita na cidade, ainda que de dimensões muito mais modestas.

No interior da basílica destaca-se uma colecção assombrosa de vitrais, um dos quais dedicado ao fundador, muito mármore importado de Itália, uma réplica da Pietà feita por um artista local, uma cúpula gigante e assentos em madeira com ar-condicionado individual.

O Papa João Paulo II consagrou a Igreja em 1990, na condição de se construir um hospital nas proximidades da basílica, erguida no meio de nenhures. O hospital existe mas é privado, o que o torna inútil para a esmagadora maioria da população.

#dica: os estrangeiros pagam 2000 XFO (cerca de 3€) pela visita-guiada à basílica, mais 500 XFO para estacionar o carro no recinto.

Para usar uma câmara fotográfica (no exterior) é necessário pagar 5000 XFO (7,5€).

Outros edifícios ambiciosos em Yamassoukro

A grandiosidade de Yamassoukro não se esgota na sua Basílica. Entre 1971 e 1982, a futura capital drenou grande parte do orçamento nacional, para concretizar um plano monumental de urbanização, de linhas retilíneas. Isto incluiu a construção de um palácio presidencial, em estilo contemporâneo, que não pode ser visitado, estando protegido por um muro alto que se estende por 22 km.

Perto do palácio ficam três lagos artificiais com crocodilos – o Lac aux Caimans – que inspiraram um conto de V.S. Naipaul “Os Crocodilos de Yamoussoukro” (1984). Na obra, o Nobel da Literatura britânico evoca a “megalomania” de Houphouët-Boigny, ao que o presidente terá replicado qualquer coisa como: “os nossos detratores ainda querem que vivamos em cabanas de palha. Mas todos os franceses hoje se orgulham de ter o Palácio de Versalhes”.

Nesta espécie de fosso medieval que protege o palácio, existe um número indeterminado de crocodilos do Nilo (há quem fale em mais de três mil)  que para os Baoulè, etnia a que pertenceria o pai do presidente, simbolizam poder e virilidade.

Cada crocodilo recebia um posto militar, atribuição feita com base na ferocidade, no tamanho e na força do animal: há por lá capitães, comandantes, chefes do Estado-maior… Infelizmente, os possantes bichos já mataram várias pessoas, incluindo um dos tratadores. Outra preocupação é que as crias facilmente escapam para os canais de drenagem da cidade, especialmente na época das chuvas.

Inclua-se ainda o palácio que acolhe a Fundação Félix Houphouët-Boigny, na origem da Conferência de Paz realizada sob os auspícios da UNESCO em 1973, com chão de mármore e grandes candelabros. No Quartier Millionnaire, encontra o melhor hotel da cidade: o President Hotel, mais um ambicioso projecto do pai da nação.

Os crocodilos podem pesar quase uma tonelada.

O que visitar perto de Yamassoukro

Ainda não conheço bem a região, mas poderá conjugar a visita a Yamassoukro com o Parque Nacional de Marahoué, a cerca de duas horas da capital. Fundado em 1968 com cerca de mil km2, o parque era refúgio para uma infinidade de espécies endémicas como o duiker, o búfalo africano, o colobus vermelho e dezenas de espécies de pássaros.

Infelizmente, pelo que li, nas últimas décadas, grande parte do parque foi danificado devido a desmatamento, caça e construção ilegal. Tanto que a maioria dos elefantes africanos, o emblema nacional, foi colocada noutras reservas para evitar conflitos com os agricultores (os chimpanzés foram completamente erradicados da área). Visitar o parque de Marahoué é, provavelmente, a melhor maneira de ajudar a preservá-lo.

No sentido oposto, encontra a reserva Abokouamékro, criada em 1986 pelo presidente Houphouët-Boigny com objectivos turísticos e lar de rinocerontes, búfalos, antílopes e outras espécies.

A caminho da reserva, a cerca de 30 km a Norte de Yamassoukro, fica Bomizambo, que merece igualmente uma visita. A pequena aldeia é lar dos tecelões Bomi, verdadeiros artistas que fabricam uma linda herança artesanal da Costa do Marfim: os pagnes do povo Baoulé, um dos mais belos tecidos africanos.

Um formigueiro gigante perto do Hotel President, em Yamassoukro.

Dicas úteis

Como chegar

A cidade de Yamassoukro fica a cerca de 230 km de Abidjan, à qual está ligada por uma auto-estrada (Auto-route A3) em estado razoável, que exige pagamento de portagem em dois momentos. A viagem poderá demorar 2h30 a 3h00, dependendo do trânsito à saída de Abidjan.

A capital é servida por um aeroporto – mais uma peça do ambicioso plano do antigo presidente – que recebia voos domésticos, mas que tem estado inativo, desde a inauguração da autoestrada. Existe pelo menos uma empresa que faz a ligação de autocarro entre Abidjan e Yamassoukro: a Union des transporteurs de Bouaké (UTB).

Onde ficar alojado

A oferta de alojamento não é grande na cidade de Yamassoukro e é praticamente nula na plataforma do Booking. O mais consensual é o Hotel President, onde ficámos, um grande hotel dos anos 70 que deve ter sido grandioso aquando a inauguração, mas que carece de urgente renovação.

Nós ficámos na torre, mas os quartos familiares estão no edifício em frente, junto à piscina. O pequeno-almoço é medíocre, para o preço cobrado, mas a piscina é simpática.

Comer em Yamassoukro

Nós jantámos no hotel, que serve refeições despretensiosas no seu restaurante Le Bandama (o Panoramique, no último andar, estava fechado), sobretudo grelhados e outros pratos locais, a preços simpáticos. Mas o mais elogiado – pelo menos entre os expatriados – é o restaurante italiano Chez Mario. Quando regressar à cidade, vou experimentar.

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