Atualizado em 8 Março, 2024

A marca de porcelana Vista Alegre comemorou 200 anos e perpetua as suas histórias em Ílhavo. O museu, mas também a capela e o hotel fazem parte das memórias especiais desta fábrica que elevou a porcelana ao patamar de obra de arte

A cidadezinha de Ílhavo, sub-região de Aveiro encravada à beira-mar, não é um destino turístico badalado. Falta-lhe, porventura, o charme da Ericeira ou da Nazaré. Ainda assim, esconde alguns recantos que justificam uma visita, de que são exemplo o museu da Vista Alegre e a praia da Costa Nova.

Fundada em 1824, a Vista Alegre será a mais antiga fábrica de porcelana da península ibérica, transformando-se numa marca mundialmente famosa, que já esteve em exposição no MET – Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque) e no Palácio Real de Milão e cuja louça/porcelana fez parte da infância de muitos de nós.

Uma antiguidade, e tradição, que inspirou um museu. O espaço conta a história do seu fundador, da evolução da fábrica e das suas coleções ao longo de 200 anos.

Dominada por um imponente palacete que serviu de residência a sete gerações da família Pinto Basto, a propriedade é quase uma cidade, com os seus magníficos jardins, uma capela barroca em honra da padroeira da Vista Alegre, e ainda o Bairro Operário, mandado erigir para habitação dos operários e artistas e que contava com teatro, refeitório e creche.

O complexo foi adquirido pelo grupo Visabeira, em 2008, altura em que ganhou uma unidade hoteleira de cinco estrelas, o Montebelo Vista Alegre Ílhavo Hotel. Integrado numa paisagem que abrange a Ria de Aveiro, o hotel de 162 quartos está dividido em três zonas de alojamento, cada uma com características e ambiente próprios, com destaque para o palacete reconvertido.

Revisitámos a região há pouco tempo – recorde Aveiro, terra de moliceiros, ovos moles e sal – e fomos, finalmente, conhecer o museu da Vista Alegre. Não é necessário reservar a visita previamente, basta dirigir-se à bilheteira junto de um dos impressionantes fornos (os hóspedes do hotel têm entrada gratuita).

forno para cozer a porcelana
Interior do primeiro forno da fábrica da Vista Alegre.

#Curiosidade: o primeiro serviço de jantar completo para a Casa Real foi produzido em 1852, após a visita de D. Fernando II à Fábrica da Vista Alegre.

Breve história da Vista Alegre

A Fábrica da Vista Alegre foi a primeira unidade industrial dedicada à produção de porcelana em Portugal, resultado da persistência e ousadia do seu fundador: o liberal e ilustre José Ferreira Pinto Basto.

Talvez naquilo que foi o primeiro exemplo de livre iniciativa em Portugal, o audacioso comerciante começou por adquirir a Quinta da Ermida (1812), perto de Ílhavo, e depois a capela e terrenos envolventes (1816), onde viria a construir a Fábrica da Vista Alegre. Cinco anos após receber a licença régia necessária e começar a trabalhar, a Vista Alegre ganhou o título de Fábrica Real, em reconhecimento do seu talento artístico e sucesso industrial.

A fábrica começou por produzir vidrarias e cerâmicas “pó de pedra”, mas, em 1880, passou a dedicar-se exclusivamente à porcelana (voltaria a produzir vidro/cristal no início do século XXI, depois da fusão com a Atlantis). Para isso muito contribuiu a visita do filho do fundador à Fábrica de Porcelana de Sèvres, em França.

Mestres artesãos internacionais, avanços tecnológicos e aperfeiçoamento da produção permitiram à marca participar na Exposição Universal do Crystal Palace (Londres, 1851) e na Exposição Universal de Paris (1867), alcançando reconhecimento internacional.

Após um período delicado, no início do século XX, a empresa registou um renascimento, financeiro e artístico, incorporando estilos modernos como a art déco, que permitiram uma posição de liderança entre os fabricantes europeus e a entrada em novos mercados.

Iniciou-se também uma tradição de produção de peças exclusivas – recorde-se o serviço de jantar produzido para a mítica rainha inglesa, D. Isabel II – e de colaboração com artistas contemporâneos (adoro as peças assinadas por Cargaleiro). A coleção do Museu Vista Alegre, entretanto inaugurado em 1964, testemunham a longa e rica história da empresa.

peças do museu Vista Alegre

#Curiosidade: em 1985 nasceu o Clube de Colecionadores da Vista Alegre, então limitado a 2500 associados, refletindo a importância artística da marca.

Museu Vista Alegre, viagem ao mundo da porcelana

O museu da Vista Alegre ocupa os antigos edifícios da fábrica, entretanto renovados, acolhendo um espólio com mais de 30 mil peças, entre porcelana, documentos e desenhos, tornando-se um dos mais completos espólios museológicos do género.

Desde logo somos atraídos pelo primeiro forno de queima da porcelana, um colosso que levava até sete dias de combustão. Os operários tinham que se revezar na alimentação do fogo, processo que hoje desceu para menos de oito horas nos fornos modernos.

As salas sucedem-se, depois, revelando história da fábrica, a evolução estética da produção de porcelana e o seu significado na sociedade portuguesa dos séculos XIX e XX. Uma história que se conta com orgulho e detalhe, incluindo muitos esboços em papel das, cada vez mais delicadas, peças de porcelana. Os esquissos revelam um trabalho criativo minucioso: fiquei particularmente fascinada com os desenhos para a coleção de pratos inspirada nos Lusíadas.

Há ali loiça com as armas reais, mas também as peças contemporâneas, resultado de parcerias artísticas de que são exemplo peças assinadas pela artista plástica Joana de Vasconcelos, pelo designer industrial egípcio Karim Rashid, por Roberto Chichorro, Christian Lacroix, entre muitos outros.

Antes de seguir para a loja, suba ao atelier no primeiro andar. Ali, na Oficina de Pintura Manual da Fábrica da Vista Alegre, poderá ver ao vivo a delicada pintura em cerâmica. Se o trabalho dos artistas não o inibirem, considere “pôr a mão na massa” – o museu organiza workshops de cerâmica, oficinas de pintura e olaria.

Pode saber mais sobre as atividades programadas no site oficial do museu Vista Alegre, sendo necessário inscrição prévia.

#Curiosidade:fundados em 1880, os Bombeiros de Vista Alegre são os mais antigos bombeiros privados de Portugal. Alguns dos seus objetos estão expostos no Museu da Vista Alegre, como extintores de tetracloreto de carbono ou um dos carros de bombeiros mais antigos do país.

Capela de Nossa Senhora da Penha de França

A poucos metros do hotel está uma construção de 1699 da qual se diz ter encantado o fundador da Vista Alegre, fazendo-o crer que ali seria o local certo para implantação da fábrica de porcelanas: a Capela.

Monumento Nacional desde 1910, a capela foi mandada construir em finais do século XVII pelo Bispo D. Manuel de Moura Manuel. A imponente fachada acolhe a imagem em pedra da Nossa Senhora da Penha de França, santa que terá surgido na província de Salamanca e padroeira da Vista Alegre.

Mas é o interior que deslumbra os visitantes, com azulejos seiscentistas, retábulos em mármore e talha dourada, o mausoléu episcopal de D. Manuel de Moura Manuel (uma das obras tumulares mais luxuosas da região), todo trabalhado em pedra ançã com riquíssimos detalhes.  Vale a pena destacar também os belíssimos afrescos na abóbada do templo, que representam a Árvore de Jessé.

A capela não é uma mera atração turística, continua-se a celebrar missa ali e, no final de junho, celebra-se a festa Vista Alegre em honra da sua padroeira. A festa é religiosa, tem missa campal e procissão, mas inclui também concertos  e atividades associadas à comunidade operária, visitas ao bairro, jogos tradicionais e uma “venda de oportunidades”, que atrai muita gente.

capela Nossa Senhora da Penha de França

#Curiosidade: a família Pinto Basto não foi apenas pioneira na indústria da porcelana, mas teve um papel fundamental na introdução do futebol em Portugal (os bisnetos do fundador). O clube de futebol da Vista Alegre ainda hoje funciona.

Como chegar

Ílhavo fica a 250 km ao norte de Lisboa (siga pela A8 e A17, apanhando a saída nº 13 e seguindo pela EN109) e a 82 km do Porto (A1 e A25, apanhando a saída 2 em direção a Gafanha da Nazaré). A estação de comboios mais próxima fica em Aveiro, a cerca de 9 km, e o centro de Ílhavo a cerca de 2,5 km.

Não é fácil chegar ao museu de transportes públicos, pelo que se sugere chegar de carro, colocando no navegador as seguintes coordenadas de GPS: 40°35’22.27” N 8°41’00.84” W. Há muitos lugares de estacionamento, gratuitos, à porta do museu.

E não se venha embora sem espreitar os três outlets: a Loja da Vista Alegre, A Loja da Fábrica e a Loja Bordallo Pinheiro. 

peça de porcelana do museu Vista Alegre

#Curiosidade: a pasta de porcelana é composta pela mistura (em proporções variáveis) de caulino, quartzo e feldspato. O caulino é o responsável pela brancura das peças.

Este artigo integra o projeto coletivo 8on8, que une diversos blogs sob um único tema, no dia 8 de cada mês. Outros participantes neste tema “A minha experiência em…” são: