Atualizado em 6 Janeiro, 2021

Cafés históricos e doces conventuais dão um charme adicional a esta cidade repleta de tradições académicas e musicais. Está decidido: vamos cilindrar a dieta, mas em lugares com muita tradição (só para aliviar a consciência)

Arroz doce de Coimbra, queijadas, manjar branco, talhadas de príncipe…. A lista continua, imensa, minando a decisão de sermos controlados. O município organiza todos os anos, regra geral em Outubro, uma Mostra de Doçaria Conventual e Regional de Coimbra. Se visitarem a cidade dos estudantes nessa altura, só posso desejar-vos boa sorte.

Mas toda a região tem muita tradição doceira, por causa dos conventos que ali funcionaram durante séculos. Graças a isso, o distrito de Coimbra conseguiu ter alguns finalistas no concurso 7 Maravilhas Doces de Portugal: as arrufadas de Coimbra, os pastéis de Santa Clara (que estão para Coimbra como o pastel de Belém está para Lisboa), os pastéis de Tentúgal e o pudim das clarissas.

Era com doces que as freiras agradeciam os recitais poéticos nocturnos que estudantes, lentes, poetas e fadistas lhes dedicavam às portas dos conventos. Momentos peculiares de ligação entre a vida conventual e a Universidade, a doçaria e a poesia, que ficariam conhecidos como “Tardes dos Outeiros” ou “Abadessadas”.

Antero de Quental, João de Deus, António Castilho ou Almeida Garrett foram alguns dos sábios em busca do “mui gulloso doce” que as madres davam (nas palavras de Garrett). Na cidade há muitos cafés e pastelarias onde pode provar estes doces de deixar água na boca. Mas alguns são mais charmosos que outros.

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baixa de Coimbra

Cafés históricos de Coimbra

Uma cidade académica só podia ser, também, um lugar de tertúlias. Entre os lugares preferidos dos “tertulianos”, destaca-se o lindo Café de Santa Cruz, que faz parte da rota de cafés históricos de Portugal, artéria que liga toda a baixa, sob vários nomes, até à Pastelaria Briosa.

Café Santa Cruz (Praça 8 de Maio)

O edifício do século XVI serviu de igreja, até ser dessacralizado, e funcionar como armazém de ferragens, esquadra de polícia, casa funerária, estação de bombeiros (entre outras funções). A inauguração do luxuoso Café-Restaurante de Santa Cruz – a 8 de Maio de 1923 – seria notícia em todos os periódicos da altura.

Hoje, o espaço de estilo manuelino é um reflexo de outros tempos. Tempos quando havia tempo para folhear o jornal, ler um livro, discutir assuntos com gente interessante. O café responde a esta filosofia acolhendo vários eventos culturais que vão da música ao vivo, horas do conto, lançamento de livros, projecção de documentários… E ainda pode saborear os crúzios, doce de origem monástica que homenageia os monges de Santa Cruz, incluindo o primeiro rei de Portugal.

café Santa Cruz em Coimbra
interior do Café Santa Cruz

A Brasileira (Rua Ferreira Borges)

O café A Brasileira de Coimbra, tal como os homónimos de Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Sevilha, foi fundado pelo portuense Adriano Soares Teles do Vale no século XIX. Emigrado no Brasil, enriqueceu com o negócio do café, antes de regressar à pátria por motivos de saúde da esposa.

Aqui vendeu o café que produzia do outro lado do oceano. Se a fachada preserva as letras tradicionais, o interior foi todo renovado e com muito bom gosto. É um dos lugares mais simpáticos para um farto pequeno-almoço, ainda que as imagens do restaurante me tenham feito arrepender amargamente não ter almoçado por lá.

Pastelaria Briosa (Largo da Portagem, 5)

A Pastelaria Briosa, uma das mais antigas e conceituadas da cidade, faz doces irresistíveis desde 1955, ali na baixa de Coimbra, junto à emblemática estátua do “mata frades”. Logo na montra se percebe porque foi reconhecida com o prémio da Confraria da Panela ao Lume – pela excelência que coloca na doçaria tradicional  A fila à porta não engana ninguém. Tomámos ali um pequeno-almoço principesco, com direito a alguns dos doces conventuais, e ainda trouxemos um carregamento deles para casa.

Entre o Café Santa-Cruz e a Briosa há outro lugar tradicional, o Café Nicola, que funciona na Rua Ferreira Borges desde 1939. Infelizmente, analisada a sua ementa, revela-se demasiado cara para a ementa que oferece, com pratos pouco tradicionais. Fiquei um pouco decepcionada.

Café A Brasileira de Coimbra
© A Brasileira
pastelaria Briosa

Doces de Coimbra (e onde os encontrar)

Vamos lá falar de doces conventuais, que é o mesmo que falar da abençoada trilogia “gemas de ovos, açúcar e amêndoas”. Diz-se até que, em tempos, Portugal terá sido o maior produtor de ovos do mundo e o maior exportador de claras. Quanto ao açúcar, substituiu o mel a partir dos séculos XV e XVI, graças à produção da cana-de-açúcar do Brasil.

O “savoir-faire” das freiras está historicamente documentado, com receituários vastos e complexos. Uma doce herança que nos deixaram e que lhes estragou a vida com muitos problemas dentários (segundo investigações recentes). Afinal, o açúcar era usado até como remédio.

Pastéis de Santa Clara

O famoso pastel em meia lua, de massa fina, recheado com doce de ovos e amêndoas, é a mais célebre invenção do mosteiro de Santa Clara-a-Velha. O convento gozava de protecção régia: as freiras viviam de uma forma faustosa, nada de acordo com os preceitos da Ordem Franciscana à qual pertenciam. Só para os seus trabalhos de doçaria, chegavam a receber 8 arrobas de açúcar por ano.

O pastel começou por ser vendido à porta do mosteiro durante as Festas da Rainha Santa (padroeira da cidade), depois passaram a ser comercializados na Confeitaria “Mijadinhas”. Hoje podem ser apreciados em vários lugares (mesmo fora de Coimbra). Eu comi este doce na Briosa.

Pudim das Clarissas

Outra alegria deixada pelas clarissas, o pudim (feito de gemas, açúcar e calda de açúcar aromatizada com laranja) foi um dos finalistas do distrito de Coimbra no concurso 7 Maravilhas Doces de Portugal, na categoria “doces de colher e à fatia”. Podem apreciar esta bomba calórica igualmente na pastelaria Briosa. Mas li em vários lugares que o Restaurante Cordel Maneirista é uma referência: o seu pudim já conquistou a medalha de Ouro e a medalha “Melhor dos Melhores” no Concurso de Doçaria Conventual e Tradicional de Coimbra.

pastéis de Santa Clara
© Município de Coimbra

Manjar branco (ou maminha de freira)

Diz-se que a receita surgiu “pelas mãos” de um médico que recomendava o manjar como uma refeição mais leve para facilitar a digestão. Mas o doce foi popularizado pelo Convento de Celas, que lhe deu o formato de uma “maminha”. Para além da forma, o doce surpreende também pelos ingredientes: peito de frango, farinha de arroz e flor de laranjeira. É servido em bases feitas em barro vermelho e pode ser apreciado n’ A Brasileira ou na Briosa. Eu não cheguei a provar.

Arrufada de Coimbra

Este pão doce é típico dos dias de festa e estava presente em todas as mesas: de conventos a casas abastadas ou humildes. Originário do Convento de Sant’Ana, o bolo seco duplamente fermentado expandiu-se para além dos muros do Convento, graças às “vendedeiras de Arrufadas”, que apregoavam o bolo nas ruas da Baixa e na Estação Velha. Pode encontrar arrufada, entre outros locais, na Pastelaria Penta (Rua da Sofia) e na Pastelaria Briosa, cuja arrufada venceu a medalha “Melhor dos Melhores” no Concurso Nacional da Doçaria Conventual Portuguesa, em 2014.

arrufadas de Coimbra

Para além dos doces acima, típicos da cidade, há ainda outros provenientes de conventos um pouco mais distantes, mas que pertencem ao distrito de Coimbra. Encontra-os facilmente.

Pastéis de Tentúgal

Inicialmente conhecidos como “Palitos Folhados”, terão sido criados por uma freira carmelita no século XVI, para oferecer às crianças da aldeia, por altura do Natal. O pastel de ingredientes “pobres” – cujo recheio de ovos é envolvido por um folhado finíssimo e estaladiço – tornou-se o maior símbolo de Tentúgal.

Após o encerramento do Convento de N. Senhora do Carmo, no século XIX, os pastéis passaram a ser vendidos na única hospedaria entre Coimbra e a Figueira da Foz. Vários poetas, professores e estudantes da Universidade de Coimbra (incluindo António Nobre) contribuíram para a sua fama, porque os levavam para as suas terras, quando terminavam os estudos. Pode comer pastéis de Tentúgal em vários locais do país, em Coimbra, encontra-os na Briosa e em muitos outros lugares.

Nevadas de Penacova

Gosto muito mais do nome anterior destes queques criados no mosteiro de Lorvão (e depois levados para Penacova por uma criada das freiras): “Palermos Cobertos”. A cobertura rígida de açúcar esconde uma massa fofa e a surpresa do recheio de ovos cremoso no interior. Comprei nevadas na pastelaria Briosa, mas achei-as demasiado doces. E olhem que para eu dizer isto…

doces conventuais de Coimbra

Pastéis de Lorvão

Uma das famosas criações do Mosteiro de Santa Maria do Lorvão, os pastéis contêm amêndoa e canela. Para além destes pastéis húmidos, tipo queijada, o receituário das monjas laurbanenses inclui doces de colher e bolos ricos, como beijinhos de freira, bolo podre de Lorvão, cavacas de Lorvão e bolo das Infantas.

Os afamados pastéis do Lorvão conquistaram-me completamente (os meus preferidos, entre todos os doces que comi em Coimbra), tal como o tinham feito ao General Wellington, durante a sua estadia no mosteiro por altura das Invasões Francesas. Comprei-os na pastelaria Briosa, em Coimbra.

Estes são apenas alguns dos doces conventuais da região de Coimbra que conheci durante a minha visita à cidade. Mas este post não pretende ser um tratado gastronómico ou sequer uma lista exaustiva. Há por lá muito mais para provar, de versões de barrigas de freira a cavacas (que em Coimbra são altas, como que a pedirem fruta ou gelado), passando pelas escarpiadas de Condeixa e pelas queijadas de Pereira.

Vocês já provaram algumas destas iguarias?