Atualizado em 6 Janeiro, 2021

A Universidade de Coimbra, uma das mais velhinhas academias da Europa, continua a atrair estudantes (são quase 25 mil) e visitantes. São ruas, colégios, bibliotecas e corredores carregados de sabedoria: venha daí conhecê-los

Um grupo de turistas posa na escadaria da antiquíssima Faculdade de Direito, ao lado de um estudante, cujo negro trajar contrasta com as veneráveis cãs dos visitantes. Afável, o rapaz empresta a sua amada capa para a foto, explicando: “it only can be washed in the river or by the rain”.

O grupo sorri, complacente, porventura recordando a intensidade da juventude, quando todos os obstáculos parecem dantescos, os desgostos fulminantes e as paixões arrebatadoras.

Em tempos, também cumpri o ritual de transpor a Porta Férrea, olhar A Cabra de soslaio antes de ir pousar o olhar sobre o Mondego, para depois correr para uma qualquer sala decrépita e beber a sabedoria dos mestres. Também “olho para dentro”, introspectiva, quando se fala de Coimbra e digo orgulhosamente que a mais velha universidade portuguesa é património da humanidade.

A UNESCO só demorou um bocadinho a descobrir esta verdade de la Palisse… classificou-a em 2013, devido ao seu património material e imaterial único, fundamental na história da cultura científica europeia e mundial.

Visitar a cidade dos estudantes exige uma incursão aos segredos desta academia; percorrer a Universidade de Coimbra é mergulhar na história e nas tradições locais, de serenatas e guitarras portuguesas, de repúblicas e capas negras. Capas que os estrangeiros associam à saga Harry Potter mas que nós, portugueses, associamos à praxe, à ruidosa latada e à tradicional Queima das Fitas. Se visitar Coimbra nesses períodos, constatará que as tradições estudantis marcam o ritmo desta cidade plantada nas margens do Mondego.

#Dica: no dia do cortejo da Queima das Fitas, as visitas turísticas são suspensas

Leia Coimbra: guia completo (com mapa)

estudantes de Coimbra

Um bocadinho de história

Ao assinar o “Scientiae thesaurus mirabilis“, em 1290, o rei D. Dinis criava a Universidade mais antiga do país. O Estudo Geral criado por aquele rei visionário era composto por quatro faculdades: Teologia, Cânones, Leis e Medicina. Hoje, a Universidade de Coimbra ainda é uma referência nacional, na área do Direito e da Medicina.

Inicialmente localizada em Lisboa, foi transferida para Coimbra em 1308 para o hoje conhecido como Paço das Escolas. A academia foi saltando entre as duas cidades até D. João III fixar definitivamente a Universidade em Coimbra (1537). Daí a sua estátua imponente, no Paço das Escolas (núcleo 2).

Com a primeira grande expansão, a academia estendeu-se à baixa da cidade.  Chegaram a existir 27 colégios na Rua Sofia (núcleo 1); hoje mantêm-se apenas sete. A maior transformação aconteceu no século XVIII, com a criação da Biblioteca Joanina e a grande Reforma Pombalina (núcleo 3) no ensino.

Houve nova reforma académica durante o Estado Novo (núcleo 4), quando grande parte da zona residencial da Alta de Coimbra foi demolida para dar lugar a um complexo de edifícios onde hoje ficam muitas faculdades. É o caso da Faculdade de Medicina (hoje funciona num edifício mais moderno junto ao Hospital), e da Faculdade de Letras, onde estudei, cujos traços classicistas são bem visíveis nos portões de bronze, com alusões a grandes escritores:  Homero, Gil Vicente, Camões, Antero de Quental, Florbela Espanca, Cesário Verde, Eugénio de Castro, António Nobre e Fernando Pessoa.

Faculdade de Letras de Coimbra

Bilhete para visitar a Universidade de Coimbra

A Universidade de Coimbra cresceu muito para além do Paço das Escolas, onde ainda fica a reitoria, serviços administrativos e Faculdade de Direito. As actuais 8 faculdades estão distribuídas por três pólos distintos, sendo os núcleos 2 e 3 visitáveis pelos turistas. Mas nada o impede de espreitar outros espaços, se estiver em Coimbra nos dias úteis.

Existem vários programas disponíveis, incluindo visita guiada: escolha o que mais lhe convém no site oficial, consultando também horários e preços. Pode comprar as entradas em vários locais, sendo comum fazê-lo na Biblioteca Geral, em frente à Faculdade de Letras.

Nós optámos pelo bilhete que inclui a Biblioteca Joanina e, de mapa na mão, transpusemos a Porta Férrea em direcção ao antigo Paço Real. A visita depende de si, do seu interesse e tempo disponível. Lembre-se apenas que a visita à biblioteca tem hora marcada: as portas abrem a cada 20 minutos.

Palácio Real

Foto da praxe tirada, depois do grupo de veneráveis estrangeiros libertar a escadaria, percorremos a Via Latina, a longa varanda do século XVIII, onde os estudantes se reuniam depois das aulas. Este edifício tem muiiiiita história. Foi alcáçova durante o domínio muçulmano, a primeira residência real portuguesa, e passou para as mãos da Universidade em 1544. Das salas abertas ao público, destaca-se a Sala dos Grandes Actos, onde esteve o trono e se coroaram reis: D. João Mestre de Avis foi proclamado rei de Portugal aqui.

Nesta sala vermelha e doirada realizam-se as cerimónias académicas mais importantes, como a de abertura do ano lectivo. Também é aqui que os estudantes defendem as suas teses de doutoramento, perante o júri que ainda se apresenta nas roupas académicas clássicas, e solicitam as insígnias doutorais (borla e capelo, chapéu e capa).

Telas enfeitam as paredes da sala, popularmente conhecida como Sala dos Capelos: estão ali todos os reis e rainhas de Portugal, à excepção da dinastia filipina (espanhóis). Os quadros dos dois últimos monarcas foram alvejados em 1910 por um grupo de estudantes radicais, que exigia a extinção da Faculdade de Direito, e ainda têm marcas dos tiros.

Para além da Sala dos Capelos, é possível visitar o antigo quarto real, conhecido como Sala do Exame Privado (provas dos licenciados realizadas ao anoitecer e de porta fechada, até à reforma pombalina), a Sala das Armas (com armas da extinta Guarda Real Académica) e a Sala Amarela, com retratos de todos os reitores da Universidade de Coimbra, cuja cor homenageia a Medicina.

Paço das Escolas

Torre do relógio e a sua “cabra”

Numa das pontas da Via Latina fica a torre do relógio (do século XVIII, substituindo uma anterior), que regulou a vida académica durante séculos, através dos seus sinos. O mais famoso, que empresta nome à torre, é a Cabra, mas também existe o Cabrão e o Balão, que toca apenas por ocasião de doutoramentos e épocas festivas.

A Torre de 34 metros pode ser visitada no Verão, mediante um valor extra, e oferece uma linda vista panorâmica. Só é preciso vencer mais de 200 degraus, aventura que não é recomendada a claustrofóbicos ou pessoas com baixa mobilidade.

Capela de S. Miguel

Batemos à porta monumental para nos darem acesso à pequena capela dedicada ao arcanjo protector do primeiro rei de Portugal. De oratório privativo da realeza (século XII), foi transformado pela mão do Venturoso D. Manuel.

Daí a decoração manuelina, com esferas armilares, cruzes de Cristo e motivos náuticos. Mas existem elementos posteriores como sejam os azulejos, o grande retábulo em talha doirada e o tecto, com as insígnias da universidade, os emblemas das quatro faculdades originais e o brasão real, rodeado por três arcanjos. Para além do tecto, a academia está representada neste singelo templo num dos altares laterais dedicado a N. Senhora da Luz (padroeira da comunidade académica).

A Capela ainda abre para a missa dominical e outros actos religiosos, como casamentos de pessoas ligadas à Universidade, para além de concertos. O grandioso órgão do século XVIII, com mais de 2.000 tubos, decorado com motivos orientais e talha doirada, é protagonista em muitos desses momentos artísticos. Destinava-se a uma igreja muito maior, daí ser tão desproporcionado para o espaço.

Capela de S. Miguel

Biblioteca Joanina e Prisão Académica

Lançámo-nos nas escadas de Minerva em direcção à entrada da Biblioteca Joanina, feita pela Prisão Académica, espaço medieval utilizado para punir professores, funcionários e alunos, até 1834.  A porta abre a cada 20 minutos, para um grupo de 60 pessoas, no sentido de preservar a biblioteca. Também não é permitido filmar ou fotografar no interior, suponho que para evitar os danos causados por flashes.

Nos primeiros pisos é possível ver as antigas celas e o antigo depósito de livros, antes de adentrarmos nos segredos de uma das mais belas bibliotecas do mundo. Infelizmente, só temos 10 minutos para caminharmos pelas três salas.

Esta obra-prima do barroco foi criada por D. João V, sendo rebaptizada de Biblioteca Joanina em homenagem ao patrono. O retrato do monarca, amante do ouro e da ostentação, destaca-se ao fundo da última sala, perfeitamente alinhado com as portas. Durante o seu reinado patrocinou outros projectos impressionantes, como o Palácio Nacional de Mafra e o Aqueduto de Lisboa, graças ao ouro que vinha do Brasil.

Com as máquinas fotográficas e telemóveis guardados, o tempo é simplesmente gasto em deslumbre, absorvendo os detalhes das estantes de carvalho forradas a folha de ouro, das pinturas, das cores, da riqueza bibliográfica. A colecção vai do século XVI ao século XVIII e inclui edições raríssimas.

Os livros são protegidos dos insectos e das traças por um batalhão de morcegos, tal como acontece na biblioteca do Palácio de Mafra. É por isso que as mesas são cuidadosamente cobertas durante a noite: os excrementos são corrosivos.

Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra
© Visitportugal

Museu da Ciência

Deixámos para trás o Paço das Escolas, transpondo novamente a Porta Férrea e seguindo pelo núcleo 4 até à estátua de D. Dinis. Virámos então à esquerda, até aos antigos Colégio de Jesus e Laboratório Chimico, transformados no Museu da Ciência de Coimbra (incluído no bilhete).

O Marquês de Pombal, que fez de tudo para resgatar o ensino das garras da Igreja e promover a observação científica, converteu o antigo colégio dos jesuítas num gabinete de História Natural e de Física Experimental. Ali, os investigadores enriqueceram a colecção de zoologia, geologia, mineralogia e paleontologia.

As seis salas contam hoje com centenas de esqueletos, desenhos e animais taxidermizados de Portugal, mas também do mar ou resultantes de expedições a África e à Amazónia. O ponto alto da visita, para o Pedro, foi o esqueleto da baleia com mais de 20 metros.

Mandou construir também o Laboratório Chimico, do outro lado da rua, para ensino de Química Experimental. Neste espaço existe hoje uma exposição interactiva sobre os “Segredos da Luz e da Matéria”. Ali podemos ver como funcionava o ensino de Química, realizar experiências, observar instrumentos científicos que eram a vanguarda da investigação europeia da altura, enfim, sentir a evolução da ciência tendo a luz como fio condutor.

Museu da Ciência de Coimbra

Jardim Botânico de Coimbra

A visita à Universidade não fica completa sem um passeio pelo Jardim Botânico. Ainda que a entrada seja gratuita, ele faz parte do complexo da Universidade e do conjunto classificado como Património Mundial da Humanidade. Uma vez mais, graças ao Marquês de Pombal que, na reformulação do ensino da Universidade de Coimbra, quis apostar nos estudos científicos.

História, ciência e natureza encontram-se nos 13 hectares do Jardim Botânico, um pulmão de tranquilidade no meio da cidade, que se estende da Alta de Coimbra até ao rio Mondego. O objectivo da sua criação foi não só apoiar o ensino, mas também a investigação e promover a conservação da biodiversidade.

O quadrado central foi a primeira zona a ficar concluída no século XVIII: possui estufas, a mata, as Escolas Sistemáticas e Médica, e 150 canteiros destinados ao estudo botânico. Se não tiver muito tempo, faça uma pequena caminhada neste que é considerado o coração do jardim, lindo em todas as estações do ano.

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

Outros pontos de interesse

A Rua de Sofia (núcleo 1), que remete para ciência e sabedoria, foi rasgada no século XVI, com invulgar amplitude para a época (possivelmente foi uma das maiores ruas europeias da época). Desenhada a partir do modelo da Sorbonne, em Paris, o objectivo era acolher os colégios da Universidade e, durante séculos, esta artéria nobre foi rodeada por bairros estudantis.

Ali foram erguidos sete colégios, e respectivas igrejas: os colégios do Carmo, da Graça, de São Pedro, de São Tomás, de São Bernardo e de São Boaventura, e o Colégio das Artes. Graças à classificação da UNESCO, muitos dos edifícios estão a ser renovados, pelo que vale a pena explorar este perímetro desconhecido da esmagadora maioria dos turistas.

É o caso do Antigo Colégio das Artes que viu o pátio principal e algumas secções serem recuperadas, recebendo o Centro de Artes Visuais (2003), ou o Colégio de S. Tomás de Aquino, comprado pelo Ministério da Justiça em 1928, que hoje acolhe o Palácio da Justiça e o Tribunal da Relação de Coimbra.

É ainda o caso do Colégio de Nossa Senhora da Graça, que funcionou como quartel no século XIX, manteve-se na posse do Exército até 1998, mas foi adquirido pela universidade em 2004. Após renovação, acolheu duas unidades de investigação: o Centro de Documentação 25 de Abril e o Centro de Estudos Sociais.

Colégio de Santo Agostinho

Mas, para mim, a jóia deste conjunto é o sóbrio Colégio de S. Agostinho, doado à Santa Casa da Misericórdia no século XIX. Após um violento incêndio em 1967, foi renovado e hoje acolhe a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Ali fica o mais belo claustro de Coimbra. Entre, misture-se com os universitários, tome um café…

Se ainda lhe sobra tempo, há mais espaços relacionados com a Universidade de Coimbra para conhecer na cidade. Por exemplo, o Colégio de S. Jerónimo que, desde 1987, acolhe o primeiro museu português dedicado à vida académica, criado em 1951 a partir de uma exposição realizada pela Associação Académica e pela Comissão Central da Queima das Fitas do ano anterior.

Outros programas na região: Excursão às Aldeias do Xisto da Serra da Lousã

Excursão de 8 Horas aos Melhores Locais e Iguarias (inclui Montemor-o-Velho e Figueira da Foz)