Atualizado em 3 Outubro, 2021

O roteiro de hoje é cinzento, porque também de escuridão se faz a História da Humanidade. A República Checa não é excepção. Ao longo dos séculos, o país e a cidade tiveram a sua conta de dramas e convulsões.

A estátua de Jan Huss, na Praça da Cidade Velha, não deixa esquecer um passado intolerante para com a diferença. O famoso reformador da Boémia, precursor do movimento protestante e também prolífero autor (responsável pelo uso de acentos na língua checa), foi queimado vivo.

Das várias formas de crueldade humana é também testemunha o Museu da Tortura, recordando tempos medievos, quando hereges e bruxas eram não só queimados, mas também empalados, estripados, apedrejados e outros “ados” de causar pesadelos. Não visitei o dito museu, porque o horror já nos invade diariamente as casas, cada vez que assistimos às notícias. Não carece procurá-lo…

Se há lugares felizes na capital checa, a verdade é que alguns recantos exalam uma melancolia madura, uma espécie de sombra herdada de tempos soviéticos. Por exemplo, encontrei o último vestígio da monumentalidade comunista num parque perto da central ferroviária de Praga (Hlavní Nadraži). A estátua dos anos 60 recorda a “libertação” da cidade do jugo nazi, em 1945.

a estátua a Jan Huss, na Old Prague, recorda as sombras do passado

Não observei a escultura com o pormenor que quis, porque o lugar é frequentado por indigentes diversos mas, chegada ao hotel, fui pesquisar estranho objecto público. Encontrei o site de um português que morou em Praga e se apaixonou pela cidade (são dele, as imagens dos soldados que se beijam). Ele explica tudo exemplarmente:

A estátua representa um abraço e um beijo fraternal – muitos dirão, para além disso, com laivos de homossexualidade – entre um “libertador” soviético e um militar checo. Mas existe uma mensagem relativamente discreta no trabalho: o soviético ergue-se altivo, imperioso, claramente maior no sentido de escala, sendo abraçado a partir de baixo por uma figura de dimensões mais reduzidas, assumindo uma posição de subserviência feminina. A mensagem era evidente e reflectia uma realidade diplomática que se projectou durante décadas no relacionamento entre a União Soviética, e a teoricamente soberana Checoslováquia.

A Praça de S. Venceslau está também ligada a este passado dramático. Foi nesta longa alameda que a população se sublevou contra os militares soviéticos (1968), foi aqui que um universitário se imolou no ano a seguir, foi ainda aqui que caiu o comunismo, em 1989.

estátua do "libertador soviético"
© www.visitar-praga.com.pt

Mensagens de esperança

O peso da História fica, por fim, indelevelmente marcado na colina de Petrin com o memorial às vitimas do comunismo.To all victims, not only those who were jailed or executed but also those whose lives were ruined by totalitarian despotism“.

Há também uma tira de bronze que percorre o centro do memorial, que desfia o número estimado de pessoas afectadas pelo comunismo:

  • 205.486 presos
  • 170.938 forçados ao exílio
  • 4.500 mortos na prisão
  • 327 executados ao tentarem escapar
  • 248 executados

Apesar de tudo, este é um povo de convicções. Às sombras de Praga contrapõe-se um lugar de esperança. Em Malá Strana, o Muro de John Lennon prova a  força dos checos e a sua esperança num mundo pacífico.

A 8 de Dezembro de 1980, um grupo de jovens homenageou ali o compositor de Imagine, recém-assassinado. Um acto que implicava acusações de subversão e prisão. Apesar do policiamento e das limpezas constantes, a parede não voltou a ser branca e a própria Yoko Uno escreveu ali uma dedicatória.

Hoje, as mensagens (que continuam a ser “moderadas” pela Ordem de Malta que é proprietária do espaço) terão um espírito mais festivaleiro. Mas, no meio das garatujas, encontramos ainda mensagens de esperança: “never again” e “everyday is another chance“.

Muro de John Lennon

P.S. Apesar de macabro, este roteiro tem uma vantagem inegável:  é completamente gratuito. Se está a planear uma viagem à capital checa, não deixe de ler também Visitar Praga: 17 atracções imperdíveis.