Atualizado em 6 Janeiro, 2021

Milhões de pessoas estão isoladas em casa. O culpado é o Coronavírus, que já provocou 119 mil mortos e mais de 2 milhões de infectados em todo o mundo. Como se vive a pandemia, um pouco por todo o planeta?

Por aqui estamos isolados há mais de um mês, desde que o Coronavírus passou a abrir os noticiários televisivos em Portugal. Recentemente, o estado de emergência foi prolongado e as aulas continuarão a ser feitas à distância, para infelicidade do meu filho. Como tantos outros portugueses, estou em teletrabalho, apesar do desconforto provocado pelas obras no prédio ao lado.

Saí algumas vezes para ir às compras, sempre à hora de abertura do supermercado, porque há menos afluência. E fiz três ou quatro caminhadas, madrugadoras, com o meu filho, porque não temos jardim ou quintal. O sono do Pedro começava a ser afectado, apesar dos treinos matinais que inventamos na sala de estar…

Cancelámos a nossa viagem da Páscoa, não fizemos quaisquer outros planos de viagem até ao final do ano. Estamos a viver um dia de cada vez.

Para perceber como se vive a pandemia noutros azimutes, pedi ajuda a alguns bloggers de viagem amigos. Os seus relatos mostram que a situação é diversa, em diferentes pontos do planeta. E que o isolamento social é um desafio para todos os seres humanos.

isolamento por causa do Coronavírus
Aulas online cá em casa.

Polarização política no Brasil

Luciana Gorges, 45 anos, advogada e autora do blog Let’s Fly Away, está “confinada com o marido e duas gatas” há várias semanas. A empresa onde trabalha colocou toda a equipa em teletrabalho e a rotina mudou drasticamente. Por exemplo, assumiu tarefas domésticas que, normalmente, não fazia.

Se achou os primeiros dias um pouco tristes, depressa se habituou às circunstâncias: treina em casa, utiliza os serviços de entrega da farmácia e restaurante. Aliás, reconhece um lado positivo. O isolamento trouxe-lhe qualidade de vida, graças aos horários e à oportunidade de curtir a companhia do marido e das suas gatas.

Contudo, confessa, sente a falta de reunir a família e amigos, apesar dos encontros virtuais. Sendo uma pessoa “agitada”, o seu maior desafio é precisamente permanecer quieta: teve que cancelar a viagem à Austrália prevista para o início de Maio e não sabe quando poderá viajar de novo.

em isolamento no Rio de Janeiro
© Let’s Fly Away. Apanhar ar fresco na varanda (ou, como dizem os brasileiros, na sacada).

A Luciana sente que o Brasil vive um momento de polarização política muito grande, que se agravou com o Coronavírus. De um lado um Presidente contrário ao isolamento social, que entende que a pandemia é uma “gripezinha” e que a economia não pode parar. Do outro, o Ministro da Saúde e vários governadores, como o do Rio de Janeiro, onde a Luciana mora, que decretou o isolamento social.

Na cidade carioca, só trabalha fora de casa quem exerce trabalho essencial, o comércio está fechado (à excepção de supermercado, farmácia e pet shop), assim como as escolas. Na sua opinião, o apoio da população é alto mas, aos poucos, as pessoas estão a relaxar e voltam a sair à rua.

Conviver com as emoções em Bogotá, Colômbia

Analucía Rodriguez, 35 anos, está em Bogotá há pouco mais de um mês. A nómada digital e autora do blog Viajar para vivir, metade peruana, metade espanhola, vivia em Madrid (depois de passar por outros nove países) quando o surto da Covid-19 irrompeu nas nossas vidas.

Recebera uma proposta de trabalho em Bogotá e conseguiu sair de Espanha alguns dias antes da situação se agravar. Naquele dia, no final de Fevereiro, viajou com máscara. Não havia muitas pessoas no avião a fazê-lo, mas quis ser cautelosa.

Colômbia
© Viajar para Vivir. A última viagem da Analu, a Valle del Cocora (Colômbia)

Falando de uma maneira mais geral sobre a América Latina ou o Peru, sinto que há muitas pessoas que respeitam a quarentena e outras que não entendem a responsabilidade. O que me preocupa na América Latina é que não temos serviços públicos de saúde tão bons como os da Europa. Em princípio, o pico da curva será daqui a uma semana ou duas, e não sei se estamos realmente preparados para isso.

No seu dia-a-dia, tem dias bons e dias maus. A Analu é grata porque a sua família, tanto em Espanha como no Peru, estão bem e também porque tem um emprego numa empresa incrível, que dá “paz de espírito” aos funcionários e gere bem o home office. Naturalmente divertida e optimista, a Analu confessa que há momentos em que não quer sair da cama. “Enfrentamos uma crise global e é bom entender todas as nossas emoções e conviver com elas”.

Um dia antes de serem enviados para teletrabalho, tinha comprado voos para Medellín, que cancelou. Ainda não era quarentena obrigatória, mas as viagens não eram recomendadas. Tinha planeado escapadinhas na Colômbia, Costa Rica e Caribe, e também queria ir ao Peru ver a família. Mas, por enquanto, “a prioridade é cuidar de nós mesmos e dos outros. As viagens regressarão”.

Recolher obrigatório em Ouarzazarte, Marrocos

João Leitão, 39 anos, ouviu falar da Covid-19 quando esta ganhou proporções mediáticas, no regresso de uma blogtrip à Tailândia. Mas prestou realmente atenção ao assunto durante a viagem à Síria. No regresso, via Paris, a situação agravara-se e permaneceu isolado três dias na capital francesa.

Já em casa, viu Marrocos tomar medidas drásticas. Uma nação que vive para a sociabilidade do seu povo, onde culturalmente é normal grandes aglomerados de pessoas e um contacto físico muito forte, forçou-se a um distanciamento social.

Em Marrocos está tudo fechado: aeroportos, fronteiras, escolas, hammams, cafés, restaurantes, mesquitas. Não há transportes entre cidades. Aos 10 casos positivos de Coronavírus, fecharam as escolas. Aos 38 casos fecharam as fronteiras.

Aos 74 casos foi declarado estado de emergência sanitária, com veículos blindados e policiamento para controlar quem sai à rua. Só é possível sair de casa com uma licença de circulação, que tem de ser carimbada e assinada pelas autoridades locais. Este papel só é dado a um membro de cada família. Ou seja, só uma pessoa por agregado familiar pode sair e com devida causa.

Coronavírus em Marrocos
© João Leitão Viagens. As ruas desertas de Ouarzazarte.

Marrocos foi o primeiro país no mundo a institucionalizar o tratamento à Covid-19 com cloroquina, o famoso ingrediente dos “comprimidos da malária”. E, quando viu que não tinha material suficiente, enviou quatro aviões à China para abastecimento.

Mais. Não só tornou o uso de máscaras obrigatório (a 7 de Abril), como passou a produzir cerca de 5 milhões de máscaras diárias, suficiente para uso interno e para exportar para a Europa. O ensino online e na TV foi imposto eficaz e rapidamente: foram oferecidos telemóveis com acesso à Internet aos alunos que necessitavam.

O blogger português concorda com as medidas de combate à pandemia, bem como com o prolongamento do estado de emergência previsto, até 20 de Maio. Isto apesar dos transtornos económicos que a situação lhe provoca: o seu hotel em Marrocos e a sua agência de viagens estão fechados. Isto provocou um caos logístico, resultante de centenas de anulações. “A minha irmã Rita demorou quase três semanas a devolver o dinheiro de todos os clientes que tinham reservado connosco. ”

Com o cancelamento da BTL de Lisboa e da  WTM London, bem como de todos os seus tours em Marrocos e projectos de viagem de grupo ao Irão, Uzbequistão e à Síria (no âmbito da sua agência), ficou com um pouco mais de tempo para actualizar o blog de viagens. Até porque a esposa, com o escritório temporariamente fechado, e a partir do material enviado via Internet pela escola, assumiu o papel de professora de árabe e francês do filho.

Isolamento em ouarzazate
© João Leitão Viagens.  Uma tranquilidade inusual junto do kasbah Taourirt.

Incerteza em Barcelona, Espanha

Gabriela Torrezani, brasileira de 28 anos e co-autora do blog Estrangeira, mora em Espanha há três anos. Tudo mudou em Barcelona, por causa da pandemia: todas as escolas e universidades estão fechadas, bem como empresas e lojas. Os únicos serviços abertos são os supermercados, padarias, farmácias e hospitais. Só se pode sair para ir a um desses estabelecimentos próximos de casa. A polícia multa quem fica apenas a passear: até levar o cão à rua tem que ser rápido.

Pessoalmente, os meus desafios são ficar sem tomar sol, porque meu apartamento é muito pequeno e não tem balcão. E viver com a incerteza do que vai acontecer daqui para frente. Além das notícias de muitas mortes diárias pelo coronavírus, a Espanha já está entrando em uma crise econômica assustadora. Todos os meus conhecidos aqui ou já perderam o emprego, ou estão com muito medo pela possibilidade real de perder.

A Gabriela e a esposa ponderam mesmo regressar ao Brasil, já que o seu blog – que é a sua fonte de rendimento – está 100% parado por causa do Coronavírus. “Se demorar demais para voltar e/ou não arranjarmos emprego fixo, será impossível continuar aqui pois não temos nenhuma rede de apoio, infelizmente”.

Neste contexto de incerteza, o cancelamento da viagem a Milão em Maio, para participar na convenção da IGLTA – International Gay and Lesbian Travel Association, é a menor das suas preocupações.

Última viagem antes da pandemia
© Estrangeira. A última viagem das meninas foi a Roterdão.

O desafio de reconstruir Itália

Adelaide Pereira, 54 anos, autora do blog Turista Imperfeito, chegou a Itália há 30 anos para estudar. Primeiro morou em Pádua, depois mudou-se para Milão, onde ainda reside. Está, portanto, no centro da região mais atingida pelo Coronavírus em território italiano.

Quando o surto atingiu o país, acabara de chegar de viagem do Brasil, e ainda não tinha marcado as viagens de Primavera e Verão. Achou arriscado, já que o turismo estava suspenso em Itália e o risco já era grande no estrangeiro.

Praticamente tudo mudou por causa da pandemia, afirma a blogger brasileira. Toda a circulação está proibida, a não ser por exigências de trabalho, motivos de saúde ou outra necessidade comprovada. Os bares, restaurantes e comércio estão fechados, à excepção de supermercados (com limitação do número de clientes), revenda de alimentos em geral, bancas de revistas e farmácias. Estão proibidas as missas, mesmo para a celebração de casamentos, os museus e outras atracções turísticas estão encerrados.

Estamos na modalidade smart working, porque 95% dos escritórios estão fechados. Ficaram abertas somente atividades essenciais, hospitais e alguns órgãos públicos.

O impacto social e económico vai ser muito grande. O governo está distribuindo uma renda mínima para quem não pode trabalhar, por causa da quarentena (por exemplo, donos de lojas ou quem foi demitido). O maior desafio será depois, quando chegar a hora de reconstruir o país.

Estar em quarentena há mais de um mês num apartamento, com apenas uma pequena varanda, não é fácil. Mas tem consciência que é o mais certo a fazer. Passa o dia a trabalhar e, aos fins-de-semana, tenta manter-se ocupada com pequenas tarefas domésticas e reúne-se com os amigos via Whatsapp.

O principal desafio é tentar viver uma vida normal, apesar do isolamento social. “Precisamos parar agora, para voltarmos à normalidade o mais rapidamente possível. Quanto mais pessoas circulam, mais demora o fim do contágio”.

ruas desertas em Itália
© Turista Imperfeito. As ruas desertas de Milão, captadas pela Adelaide.

Escolas abertas em New South Wales, Austrália

A portuguesa Sofia Machado, 37 anos e autora do blog Sofia na Austrália, gostaria de estar simplesmente em isolamento social com os seus dois filhos pequenos. Mas não pode. Isto porque é fundadora da escola “Nature Explorers” e, infelizmente, o Governo decidiu manter as escolas abertas no país.

O Estado decidiu que a minha escola tem que ser grátis e estar aberta, para as famílias que querem levar os miúdos. Resumindo, nas últimas duas semanas tivemos apenas quatro crianças, mas tenho que pagar a 17 professores!

A sua principal preocupação é garantir que nenhum elemento da sua equipa é despedido. Quanto aos filhos, vai garantir-lhes homeschool, mantendo o seu trabalho em prol da escola à noite. Aliás, teve o cuidado de perguntar ao filho mais velho, Noah, como seria a sua escola de sonho e está a planear as actividades diárias da família em função disso (adorei esta Wonder School).

O marido, responsável por uma secção do hospital local, também não pode ficar em isolamento. Felizmente, a casa da família está rodeada de Natureza, o que permite às crianças viverem estes dias com uma relativa liberdade. Até porque, em New South Wales, as medidas de prevenção são “moderadas”, ao contrário do que se passa em Sidney, onde foi decretado isolamento social completo. Cada região tem liberdade para implementar medidas específicas à sua situação e densidade populacional.

Depois de um início de ano dramático, com os devastadores incêndios, a pandemia veio agravar a situação económica do “lucky country”, com o comércio encerrado e a proibição de entrada a não residentes.

Acredito que esta geração não esquecerá estes dias estranhos que vivemos. Como é que vocês, queridos leitores, estão a viver esta pandemia? Deixem o vosso testemunho, desabafo ou simples palavras de esperança. E espreitem as nossas sugestões de leitura em Livros para viajar sem sair de casa, se precisarem de fugir, ainda que momentaneamente, à realidade.