Atualizado em 6 Janeiro, 2021

Há muitos, muitos séculos, este era o fim do mundo conhecido. Para lá destas escarpas, apenas perigos e tormentas… Chegamos a Sagres, onde mar e oceano, história e mito se fundem em perfeita harmonia

Em Sagres, o vento atinge-nos de todos os lados, impregnando a roupa de maresia. Mesmo num típico dia de Verão como hoje, de céu limpo e inteiro, é de esperar esta ventania aqui. Circunstância que, de resto, atrai muitos surfistas às praias locais.

Apesar disso, a vila mantém a sua simplicidade – ao contrário do resto da costa algarvia – graças a leis de protecção especial que impedem a construção e a oferta turística exagerada. Porquê? Porque está em território do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde se aplicam directivas europeias para protecção da fauna e da flora.

Sagres foi fundada pelo Infante D. Henrique, o pai e mentor da aventura marítima portuguesa no século XV. Diz a lenda, que o príncipe criou aqui a maior escola náutica do mundo; fazendo com que Portugal parisse tantos navegadores excepcionais.

Mas o mito é ainda mais profundo e transporta-nos até à antiguidade clássica. Segundo sábios como Plínio e Estrabão, os peregrinos viriam a este “promontorium sacrum” para prestar culto a Saturno e Hércules, divindades com forte conotação marítima.

rosa dos ventos
Vestígios de uma rosa dos ventos
entrada da fortaleza

Entramos na fortaleza de Sagres e a fábula envolve-nos, misturada com a brisa deste mar que se impõe, gigante, de cada quadrante da paisagem. O azul forte das águas e o céu cerúleo contrastam com a brancura caiada dos edifícios.

O forte foi igualmente obra do infante, contra o reino de terror instalado pelos piratas neste cruzamento entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Até o corsário Francis Drake por aqui pirateou. A ponta escarpada revelou-se um ponto de defesa estratégico e, finalmente, as embarcações gozaram de uma relativa segurança enquanto esperavam por ventos favoráveis à navegação.

Do alto de um torreão, observamos melhor a rosa-dos-ventos em pedra, descoberta e desenterrada já no século XX. Mais adiante, a réplica do padrão dos descobrimentos e o farol não deixam esquecer que aqui o mar é rei e senhor. Como se fosse possível. A imensidão das ondas rodeia-nos!

Umas esculturas voluptuosas (do artista Karl Heinz Stock) dão cor ao espaço austero. Chamam-se “Graces” e são todas diferentes, coloridas, sensuais e femininas. Sou um pouco purista em relação aos monumentos históricos mas, de alguma forma, o forte de Sagres pareceu-me o cenário perfeito para aquele conjunto de esculturas que evocam o ancestral culto da fertilidade.

farol em Sagres

Tomamos o caminho amarelo, qual Dorothy no seu caminho de tijolos, fazendo o longo percurso devagar. Enchemos os pulmões com ar carregado de sal: o vento e o sal acalmam anseios. Estava a precisar de uns dias de pausa, longe de tudo, completamente offline.

Alguns canhões permanecem por ali adormecidos, já nada ameaçadores. O nosso olhar não se digna a dar-lhes uma segunda oportunidade porque o apelo do mar é muito forte, atrai-nos uma e outra vez. Dali, conseguimos avistar o farol de S. Vicente, a ponta mais sudoeste de todo o continente europeu.

São quase horas de comer mas, antes de deixarmos esta magnífica edificação de arquitectura militar (monumento nacional desde 1910), damos um saltinho à singela igreja, também do século XV. E abraçamos a paisagem uma última vez.

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escultura no interior da fortaleza

Almoço: não é defeito, é feitio

Despedimo-nos da pequena e genuína Sagres para rumar a Vila do Bispo, a cerca de 8 km, onde nos esperam umas lulas para o almoço. Encontrámos o restaurante Correia (foi-nos muito recomendado) com facilidade na Rua 1º de Maio. Apesar da fama, a primeira impressão da casa foi decepcionante. A porta fechada até às 13h00!!??

A D. Elisa (Dilita para os habitués) lá abre o restaurante e prepara uma mesa, com todos os vagares. A senhora tem um feitio muito especial, não gosta que os turistas escolham mesa e se sentem sozinhos. Afinal estão em casa dela!

O menu não tem muitas opções, as especialidades são o arroz de peixe ou de polvo, as lulas à Correia e os percebes – uma espécie de molusco, que é servido como entrada. Ali se pode ler, a título de aviso, que os pedidos podem demorar até 50 minutos. Têm pressa? Pois podem ir a outro lado! – lança a D. Elisa, afoita.

Enquanto esperamos pelo almoço, ao sabor de uns camarões, observo a casa com mais atenção. A decoração é do mais kitsch, azulejos diferentes em cada parede, quadras populares um pouco por todo o lado, cartazes de espectáculos na montra.

almoço na Vila do Bispo

As lulas lá chegam numa panela, como se estivéssemos em casa, que a D. Elisa pousa directamente sobre a toalha. Tenras q.b. e servidas com batata cozida com casca (felizmente já descascadas), as lulas realmente são saborosas. No final da refeição, a pequena senhora volta e levanta uns pratos. Atira um “O que mais faz falta?” mas afasta-se antes de conseguirmos responder.

Regressa algum tempo depois, diz que há arroz doce, torta de amêndoa e tarde de alfarroba para sobremesa. Como não escolhemos prontamente, foge-nos novamente e regressa com uma fatia de torta de amêndoa, que acompanhamos com o café. Fiquei um tanto confusa com o restaurante e com a anfitriã. Mas acho que gostei. Foi… diferente! E foi de barriga cheia que regressámos ao norte do país, depois da pausa pelos Algarves. [Actualização: em Agosto de 2019 noticiou-se que o famoso restaurante Correia vai fechar]

Dicas úteis

Como chegar: Sagres fica a cerca de 600 km do Porto, 320 km de Lisboa e 160 km do aeroporto de Faro. Do Norte, apanhar a A1 sempre em direcção ao Sul e depois apanhar a saída para A10 em direcção a Benavente/Algarve. Seguir pela saída 15 para a  A22 em direcção a Lagos/Portimão/Albufeira. Siga depois pela saída 1 em direcção a N125/Lagos/Vila do Bispo e depois pela N268. De Lisboa,é só eliminar a primeira parte do trajecto.

paisagem em Sagres

Onde ficar: se o seu bolso permitir, o Martinhal Sagres Beach Family Resort Hotel é um hotel fantástico para ficar em família. Para além de ter vista para o mar, fica a 3 km do porto de pesca de Sagres. Possui umas villas com terraços e varandas privadas lindas e 5 piscinas. Uma opção mais económica será o Sagres Sun Stay – Surf Camp & Hostel, a 1,5 km da Praia da Mareta. No entanto, este hostel não recebe crianças, pelo que não é a melhor opção para quem viaja em família.

O que fazer: a região de Sagres é muito procurada pelos amantes de surf. Não muito longe, a Praia da Arrifana (uma das 7 praias maravilha do país) é igualmente procurada pelo mesmo motivo. Um passeio que eu recomendo vivamente é um cruzeiro até às Grutas de Benagil (saída de Portimão ou de Albufeira). Inclui paragem para nadar numa praia paradisíaca e até pode ver golfinhos.

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