Atualizado em 16 Abril, 2021

Protegido do mundo, junto à fronteira luso-espanhola, Monfortinho (e as suas termas) oferecem dias de repouso absoluto

O olhar espraia-se na lonjura da campina, interrompida, aqui e ali, por ilhas de pedras graníticas. As árvores ladeiam a estrada, por alguns quilómetros, sombreando-a. Parecem uma guarda de honra. E de novo o olhar se estende na paisagem raiana que alterna olivais e montados de sobreiros, imponentes, com copas fartas. Com o rádio desligado, melhor se aprecia a calma do caminho. Apenas se ouve o vento que sustenta as grandes asas das cegonhas.

A distância – cerca de 300 quilómetros de Lisboa e do Porto – foi encurtada com a A23. A estrada que liga Castelo Branco àquela localidade (N 240) também permite uma condução tranquila. Passadas duas ou três aldeias, entra-se num mundo à parte – as Termas de Monfortinho.

Tranquilidade é o melhor que esta região beirã tem para oferecer. Uns dias, talvez um fim-de-semana prolongado, para se voltar à rotina rejuvenescido e com uma pele muito mais sedosa.

“Os ouvidos do homem são sensíveis a três coisas: o tilintar do oiro, o murmúrio das águas e a voz da mulher amada” diz um provérbio árabe. Hoje o oiro, sob a forma de prosaicos cartões de plástico, dificilmente tilinta. Mas ainda é possível partilhar o cântico das águas com outro ser humano. Em Monfortinho, pode ainda acrescentar-se um outro prazer, raro: o som do silêncio.

Fonte de água termal
© Companhia das Águas da Fonte Santa de Monfortinho

O murmúrio das águas

O que murmuram estas águas? Descritas como milagrosas desde há séculos – começaram a ser exploradas pelos romanos – as águas termais são pouco mineralizadas e apresentam um dos mais elevados teores de sílica do país (a sílica tem propriedades cicatrizantes). Extraídas entre os 27º e 30ºC, as águas proporcionam, além da indiscutível utilidade medicinal, momentos de relaxamento e bem-estar. E são cada vez mais procuradas por isso.

O balneário termal foi completamente remodelado no final dos anos 90, transformando-se num dos mais bem equipados da Europa. Em frente ao edifício repousa ainda o busto de José Gardete Martins – o médico que, em 1907, criou a Companhia das Águas da Fonte Santa de Monfortinho, hoje controlada pelo grupo Espírito Santo.

Depois da consulta médica, obrigatória, o visitante recebe um cartão magnético ligado ao sistema informático do balneário. Aí consta a terapêutica prescrita, a duração, horário e local de cada sessão. O cartão abre a porta certa, à hora programada.

© Companhia das Águas da Fonte Santa de Monfortinho

Porque não começar com um banho de hidromassagem computorizado? Assim que a banheira está pronta, a técnica desaparece discretamente. A água, com uma cor azulada que sobressai no padrão de mosaicos das paredes, convida ao abandono.

Entre o revigorante jacto de água do duche escocês e a próxima sessão, há tempo para descansar na sala de repouso. É uma sala ampla. A luz jorra dos grandes janelões. Algumas pessoas lêem, estendidas nas espreguiçadeiras, outras fazem exercícios simples de meditação. A música suave, a vista exuberante e a carícia do sol conjugam-se para as fazer pairar nesse limbo entre o sono e a vigília, aconchegadas no roupão.

Se os tratamentos experimentados ainda não surtiram efeito, isso muda com a massagem do duche Vichy. Só quando os massagistas fazem a sua dança, a quatro mãos, o corpo revela o seu verdadeiro estado de tensão…

Repouso familiar

Ficamos no Hotel Fonte Santa, onde se acorda sem pressas. Aberta a janela para um novo dia, sente-se no ar o cheiro da giesta e do rosmaninho, que pintam os montes de amarelo e lilás. Tudo concorre para a doçura da manhã: o chilrear próximo dos pássaros, o ar que invade os pulmões, o verde da paisagem, quase intocada. As cordilheiras que se vêem da janela são espanholas. O rio Erges, na sua corrida para o Tejo, separa os dois países.

Muitos hóspedes descem para o pequeno-almoço a cantarolar. Café com leite, torradas, bolos, cereais, sumo de laranja natural, frutas. Há variedade para todos os gostos, ao som de algumas notas, soltas, que uma criança vai tirando do piano. Perto da janela, com vista para a piscina, desfruta-se de uma radiante manhã de Domingo.

É confortável descer do quarto em roupão, directamente para o Instituto de Hidroterapia e entregar-se aos cuidados das técnicas. Por exemplo da Cristina (rosto ameninado, pintalgado de sardas) que faz maravilhosas massagens relaxantes. O Instituto tem piscina de água quente, jacuzzi, banho turco, sauna. Além de programas de relaxamento, disponibiliza vários tratamentos de beleza: do envolvimento em lamas à limpeza de pele, do solário à hidro-pressoterapia. Só falta mesmo o toque das milagrosas águas das termas.

© Companhia das Águas da Fonte Santa de Monfortinho

O som do silêncio

O tempo, quente, convida ao passeio. A quatro quilómetros, no Clube de Pesca e Caça, também é possível alugar uma canoa ou uma gaivota. Os patos protestam ruidosamente a intrusão na albufeira e viram as costas, indignados, aos turistas que lhes tiram fotografias. O seu grasnar vai esmorecendo e de novo volta o silêncio. Um silêncio de carros, de buzinas, de bulício. Um silêncio que os sons da natureza não estragam.

Espécies como o tordo, a perdiz, a codorniz, a lebre, o coelho-bravo, o gamo, o muflão, o javali ou o veado, relativamente abundantes nestas paragens, atraem sazonalmente os caçadores. O baixo índice de poluição também faz deste um local privilegiado para a pesca desportiva.

Subindo para o restaurante, não é difícil escolher uma mesa. Quase todas têm uma vista fantástica. E ali pousarão carnes tenras de caça, servidas com brócolos e cogumelos silvestres. No caminho de volta, abrem-se os vidros do carro e recuperam-se os sons da noite – grilos, pássaros, patos de regresso a casa. Benzido pela natureza, pelo jantar, pelo doce silêncio, o corpo atinge o pleno bem-estar.

© Companhia das Águas da Fonte Santa de Monfortinho

*** Esta reportagem foi publicada na revista Visão (uma espécie de Times portuguesa), num suplemento chamado “Férias Saudáveis”, nos idos de 2005. Como fui acompanhada de um fotógrafo profissional da revista, tenho poucas imagens minhas. Perto das Termas de Monfortinho, ficam as aldeias histórias de Idanha-a-Velha, Monsanto e Penha Garcia, que podem conjugar com esta visita.