Atualizado em 3 Outubro, 2021

Hoje desvendamos outra Praga, berço de importantes personagens históricas, que influenciaram o mundo da literatura e da arte. Hoje falamos da cidade que inspirou Kafka, Neruda, Venceslau, Mucha e outros génios

Noutro post sobre a capital checa, falei-vos da monumentalidade desta cidade da Europa Central, que parece saída dos contos de fadas, com castelos pontiagudos, estátuas surpreendentes, catedrais góticas, marionetas artesanais, cemitérios milenares e ruelas sombrias.

Mas Praga ofereceu muito ao mundo, como veremos.

O primeiro nome que nos assalta quando falamos dos filhos da cidade é, claro está, Franz Kafka (1883-1924). Com todo o mérito, porque o escritor judeu está no Olimpo da Literatura mundial. Recordo-me quando o descobri, há meia vida atrás, do profundo abalo que a sua escrita me provocou. O mundo kafkaniano é de pesadelo, absurdo e paranóia. Acho que vou esconder a Metamorfose do meu filho até ele atingir a maioridade.

Já adivinharam! Este ratinho dos livros seguiu o rasto de Kafka em Praga. O local onde nasceu, onde hoje funciona um café; as casas onde morou – ele mudou frequentemente de residência, em busca de inspiração, ou simplesmente porque era um desajustado que não se sentia bem em lado nenhum, que estranhava a própria pele. E ainda, a estátua que ergueram em sua homenagem no bairro judaico (Josefov); o Café Louvre onde tertuliava (o verbo não existe, mas devia) e o recente Museu Kafka.

lugares por onde Kafka passou

O dito Museu, que abriu ao público em 2005, recebe-nos com uma instalação provocatória: dois homens urinam sobre o mapa da República Checa (foto de entrada).

No interior, encontramos a maior parte das primeiras edições do autor, manuscritos e diários, a famosa carta ao seu pai autoritário (nota: considerar lê-la ao Pedro, quando se queixar da tirania dos pais). Há também desenhos, instalações 3D e uma banda sonora especialmente pensada para este espaço sombrio e tétrico. O som dos corvos foi introduzido, penso, porque Kafka em checo significa corvo, que era também o símbolo da empresa da família.

Na verdade, há vestígios dele um pouco por toda a cidade, porque nasceu em Josefov, estudou perto da Praça da Cidade Velha, morou em Malá Strana, na viela dourada do castelo (onde escreveu precisamente O Castelo) e outros lugares. A sua escrita reflecte todo o seu percurso.

O Processo é, como sabem, inspirado no julgamento de um jovem checo, de origem judaica, acusado da morte de uma criança católica, embora alguns teóricos malucos vejam ali alegorias sobre o pecado original.

Sinagoga de Praga, do bairro onde Kafka morou
O Bairro Judaico (Josefov) é uma das zonas mais nobres da cidade.
interior do museu Kafka
O sombrio interior do Museu Kafka assustou o pequeno explorador.

Outros filhos ilustres

Mas nem só de Kafka vive Praga. A Rua Nerudova, por exemplo, honra o jornalista, intelectual e escritor Neruda. Não, não é o chileno. Pensam que este checo se inspirou no famoso Pablo Neruda? Foi o contrário.

O nobilíssimo criador do carteiro nasceu Neftalí Ricardo Reyes Basoalto e criou o pseudónimo artístico na adolescência, inspirado no checo Jan Neruda (1834-1891), um dos membros mais destacados do realismo checo e da “escola de Maio”, autor dos Contos do Pequeno Bairro.

Outro grande artista checo, que viveu em Praga e aqui deixou a sua marca foi Alphonse Mucha, o expoente máximo da Art Noveau.

Falar de Praga é falar também de S. Venceslau, rei e santo padroeiro cujo túmulo repousa na Catedral de S. Vito. Sobre este monarca canonizado importa referir a estátua equestre na Praça de S. Venceslau, em frente ao Museu Nacional que, pela sua imponência, muitos julgam que é o Parlamento.

estátua de Jan Neruda
A estátua de Jan Neruda emoldurada pelo arvoredo da Colina de Petrin.

A estátua é ponto de encontro de centenas de praguenses e, diz a tradição, uma relação terá um futuro feliz se começar junto à cauda do cavalo. Portanto, se um rapaz convidar uma rapariga para se encontrar com ele aqui, está a fazer uma declaração tão eloquente quanto silenciosa!

Mas este post não ficaria completo se não referisse uma personagem mais contemporânea, que não é de Praga mas de todo o país. Trata-se da simpática e omnipresente toupeira criada pelo cartoonista Zdenek Miler, em 1956. As histórias desta Krtek ou Krteček foram traduzidas para mais de 20 línguas e transformaram-se nos desenhos animados checos mais populares de todos os tempos.

Escusado será dizer que o Pedro adorou o bicho. Para o pequeno explorador, esta é a mais ilustre de todas as personagens checas.

a famosa toupeira checa

P.S. – Podem incluir neste roteiro o New Jewish Cemetery (Nový židovský hřbitov) onde Kafka está sepultado, ainda que fique um pouco fora de mão. Eu nem o velho cemitério judaico consegui visitar, desencorajada pela fila para comprar bilhetes debaixo de chuva.