Atualizado em 20 Abril, 2021

“Picado do génio e das bexigas”, descreveu Bordalo Pinheiro. Mas a eloquência disfarça a falta de atractivos. Pelo menos no caso de Camilo resultou.

Os tons dourados, outonais, emprestam uma doçura nostálgica a esta tarde de Sábado. Atravessamos o grande portão. A casa minhota desenha-se ao fundo de um caminho tranquilo, sombreado pelas vides carregadas. As uvas pendem, à espera da vindima que se avizinha. Apesar do génio literário ter morrido há 151 anos, ainda se apanham as uvas, certamente para fazer um belo vinho verde.

Faltam uns minutos para a próxima visita guiada (gratuita), pelo que nos quedamos pelo quintal, a admirar a paisagem. O horizonte é cortado pelo Monte Córdova, que Camilo Castelo Branco menciona numa das suas obras, colocando ali uma bruxa. Uma “bruxa de Córdova” apimenta logo um enredo, não concordam?

Em frente à casa, a “acácia de Jorge” mantém-se imponente, indiferente ao passar do tempo e ao incêndio que destruiu o edifício. Era o lugar predilecto do filho demente (por ter lido as obras de Teófilo Braga, dizia Camilo, que nutria um salutar ódio de estimação por aquele seu contemporâneo). Jorge refugiava-se ali para tocar flauta, apesar dos espinhos afiados.

caminhada camiliana
© Município de Famalicão. 

Estamos em S. Miguel de Seide, concelho de Famalicão (distrito de Braga), onde o escritor viveu cerca de 27 anos e escreveu algumas das mais belas páginas de literatura portuguesa. Onde acabaria por morrer, pela sua própria mão. “O suicídio não é uma coragem vulgar. Suicidam-se os que se desprezam a si e ao mundo”, escrevera algures Camilo, antecipando o tiro de pistola que o libertou da cegueira (causada pela sífilis) e dos problemas financeiros.

A cadeira onde se suicidou ainda baloiça na sala de visitas. Uma mesa de jogo bastante puída, o piano que Ana Plácido tocava, as fotografias dos filhos nas paredes, enfeitadas também com alguns desenhos do filho louco, tudo congelou no tempo.

Mas o lugar mais importante da casa fica no piso de cima. Eis a mesa onde escreveu a maior parte dos seus livros, muitas vezes de pé. Camilo Castelo Branco foi o primeiro português a viver da escrita, talvez por isso a sua produção tenha sido tão fecunda (mais de 260 obras).

As estantes envidraçadas protegem o que restou da sua biblioteca pessoal, depois de ter vendido mais de quatro mil obras, por falta de dinheiro. “Cada livro que vendo é como um punhal no peito”. Como eu o entendo!

Da janela do seu quarto, a paisagem minhota irrompe, verde e festiva, apesar do Outono que se anuncia. Mas a cor foge, assim que se fecha a janela. A casa sossega, suspira, recordando uma família enamorada pelo infortúnio. Saímos pela adega, com um último olhar alcoviteiro sobre a vida doméstica de Camilo e Ana: uns botins da dona da casa, as famosas lunetas do escritor, umas luvas brancas, uma pistola…

Dicas úteis

A Casa de Camilo, no concelho de V. N. Famalicão, não é muito fácil de encontrar. Pela autoestrada A7, em direcção a Guimarães, apanhar a saída 6 (Seide) e depois a Estrada Municipal M573. Ou coloquem as coordenadas no GPS (N 41 23.816′ / W 008 27.816′) e façam figas. Fica a cerca de 20 km de Guimarães, a 33  km de Braga e a 55 km do Porto.

A autarquia tem promovido várias actividades  inspiradas no escritor, nomeadamente a “Caminhada Camiliana”.

Horário: terça-sexta 10h00-17h30, sáb. e dom. 10h30-12h30 e 14h30-17h30 (encerra à segunda-feira e feriados). A entrada é gratuita.