Atualizado em 25 Fevereiro, 2021
O embondeiro estava lá, esplêndido, imóvel, centenário, imponente. São muitos adjectivos, eu sei. Mas perante ele nada pensei, nada verbalizei, ele remeteu-me ao silêncio do respeito.
Os sobas dizem que os embondeiros já nascem velhos e talvez tenham razão. No meio da savana contemplam o mundo com o vagar da experiência, económicos em gestos: não se agitam ao vento e só têm folhas na altura devida.
Florescem apenas durante uma noite no ano inteiro, porque têm tempo, têm muito tempo. A sua vida pode chegar aos seis mil anos, só a sequóia e o cedro japonês os batem em longevidade. De certa forma, são árvores da Criação: nasceram com o mundo, já velhas e sábias. Lá diz o provérbio “a Sabedoria é como o tronco do embondeiro. Uma só pessoa não o consegue abarcar”.
Embondeiro, imbondeiro ou baobá – podem ser chamados de forma diferente em Angola, Moçambique, Senegal (é o símbolo nacional), Madagáscar ou mesmo no Brasil, para onde foram levados pelos escravos. Mas onde estejam, marcam a paisagem e inspiram lendas.
Uma dessas estórias conta que se um morto for sepultado dentro de um embondeiro, a sua alma viverá enquanto a planta existir.
Outra lenda africana conta que o embondeiro, por ter inveja das outras árvores, foi castigado pelos deuses e posto de cabeça para baixo. Os árabes contam algo parecido, dizem que o “Diabo desenterrou o embondeiro, enfiou os ramos na terra e deixou as raízes no ar”.
Olhando para ele, compreendo o porquê destas estórias. O tronco bojudo, os galhos retorcidos que mais parecem raízes, os frutos secos que pendem enormes, o contraste da árvore com os tons do pôr do sol que evoca um teatro de sombras…
Este tronco é abençoado, pode armazenar milhares de litros de água, daí resistir a grandes períodos de seca. Pode servir de abrigo, de loja, celeiro e até de sepultura. O conto O embondeiro que sonhava pássaros fala precisamente de João Passarinheiro, um ancião vendedor de pássaros, que morava num embondeiro.
“A residência dele era um embondeiro, o vago buraco no tronco. (…) Os portugueses se interrogavam: onde desencantava ele tão maravilhosas criaturas? Onde, se eles tinham já desbravado os mais extensos matos?” (Mia Couto, 1990, p. 63).
Na narrativa de Mia Couto, o embondeiro – metáfora da resistência contra a força colonizadora – serve de abrigo às personagens fatigadas.
Fabulações dizem vocês. O documentário A Guerra da Água (1995), de Licínio Azevedo, rodado em Moçambique prova que, de facto, os embondeiros são usados como abrigo em várias situações.
Podia falar das maravilhosas propriedades (medicinais e afrodisíacas) da múcua, o fruto do embondeiro, que é a nova descoberta da medicina ocidental. Haverá mais de 80 investigações em curso para estudar as muitas propriedades desta árvore que habita a paisagem, a história e a mitologia do continente africano.
Mas a magia desta árvore reside na sua narrativa. Ela sussurra-nos África, aquela dos mercados coloridos e barulhentos, dos panos de cores garridas, das mães que transportam crianças nas costas. Conta-nos daquela África de sol escaldante e chuvas torrenciais, de terra vermelha e casas de adobe, em perfeita harmonia com a natureza. Ela mostra-nos aqueloutra África com crianças de sorrisos abertos e olhos esperançosos.
“Quando se passa parece que se evola do vegetal gigante uma aura tranquila e protectora. Como se nos visse e nos cedesse um mínimo da sua alma de tempo” (Glória de Sant’Anna, Ao ritmo da memória).
Os embondeiros são cada vez menos em Luanda, onde cada metro quadrado é requisitado para a construção. Persistem alguns em condomínios fechados. Mas é fora da capital que estas árvores majestosas se revelam em todo o esplendor. Nos arredores, recordo a floresta de embondeiros a caminho do santuário de Muxima e também as árvores que contrastam com a terra vermelha do Parque do Kissama.
Podem acompanhar as minhas aventuras, em Angola ou qualquer outra parte do mundo, na nossa página do Facebook ou na conta do Instagram.
32 Comentários
Espetaculares esses baobás… São idosos. Merecem respeito.
Ter oportunidade de estar diante de uma árvore linda assim, sagrada, nos enche de alegria! Que beleza! Valeu muito! bjs, chica
E poder abraçá-la. É um privilégio!
Este post encanta-me de especial forma. Acho os embondeiros mágicos. Eu que gosto tanto de árvores, de as abraçar, acariciar e ouvir sussurrar o que aprendem…. imagina então o que um embondeiro com tantos anos nos tem a ensinar.
Um beijo grande.
São poucos os baobás (assim, nomeamos aqui) que encontramos no Ceará. Há um belíssimo, no nosso Passeio Público, de quase duzentos anos: preservado e famoso, fazendo parte da história do lugar. Compartilhei no facebook, na minha linha do tempo, essa sua postagem e anexei o "nosso baobá" nos comentários. Agora, depois da despedida de Angola, o que virá? Estaremos no aguardo! Um abraço, Ruthia…
Minha querida, eu tenho acompanhado as suas partilhas do meus posts no facebook. Muito obrigada pelo carinho.
Depois de Angola? Poupar dinheiro para a próxima viagem, hehe. Nos entretantos, jornadas aqui por Portugal, que tem recantos belíssimos.
Beijinhos, Lúcia
O que eu aprendi contigo sobre o embondeiro…
Não sabia que durava tantos anos, por exemplo.
Magnífico post.
Bom resto de semana, querida amiga Ruthia.
Beijo.
Passando pra ver as novidades e te desejar um ótimo dia 🙂
Amo viajar com vc e conhecer coisas novas, aprender coisas que nem tinha ideia, como essa árvore que dura milhares de anos. Parabéns pelo post!
beijinhos ;*
http://noostillo.blogspot.com.br/
Boa tarde é impressionante as longevidade das árvores que nasceram com o mundo, gostava de apreciar as mesma ao vivo, quem sabe se um dia vou conseguir?
AG
Lá dizia o poeta que o sonho comanda a vida. Porque não? África não fica assim tão longe 😉
então voltas para casa?! Sei que saudades já estão instaladas em teu peito, tanto do amor, quanto desta terra que te cativou e a Pedrinho também!
Não sabia tanto sobre o embondeiro, obrigada pela aula, como sempre rica em história e cultura!
Um grande abraço amiga querida, aguardando postagens sobre tua chegada e o frio inverno – que já se encontra quase pela metade – que se instalou na Europa…. bjs com saudades
tititi da dri
Algumas coisas eu já sabia sobre o embondeiro, mas outras desconhecia completamente apesar de ter vivido em Angola e Moçambique.
Um abraço
Ruthia,
A crónica está tão bem elaborada que, quase sem darmos conta, o embondeiro começa a fixar-se em (interiores) territórios de efabulações, de coisas fantásticas, de espectador privilegiado de possíveis milagres…
Anda por aí boa onda!
Um beijinho 🙂
Milagre é uma palavra que se adequa aos embondeiros. Não sei explicar porquê
Ruthia,
Acho que somente quem já viu de perto sabe o quanto é magnífica. Eu gostaria muito de andar ao redor de uma delas. Deve ser espetacular.
Bjs
Com a excepção da menção n'O Principezinho, nada sabia sobre o embondeiro. Portanto, gostei de ler, achei lindo!
Bjhos
Estive em Angola 26 meses e havia uma mara que lhe chamavam a mata do elefante havia lá embodeiros que era preciso dez homens de volta da arvore para a abraçar. Foi uma das arvores mais esquisitas que lá vi´Havia outra arvore semelhante mas muito mais pequena que não me lembro do nome, essa tinha o tronco cheio de espinhos. Ainda falando do embondeiro, havia arvores que tinham mais de cem ninhos de pássaros, era digno de se ver.
Seu blog trouxe-me essas recordações, obrigado.
A verdade em Poesia.
Imagino na hora de recolher, a árvore devia ficar um portento de vida. Acho que o maior embondeiro que vi exigia também umas 10 pessoas para a rodear. Mas sei que existem maiores
Deleitei-me a ver os embondeiros pelos teus olhos! Também os acho fascinantes!
Beijinhos enevoados 🙂
Oi, Ruthia.
Agradeço as mensagens deixadas no meu Blog e retribuo com desejos de muita saúde felicidades e sucesso, para você e sua família.
Sou apaixonada por árvores. Adoro admirá-las e fotografá-las.
Grandes qualidades você descreve sobre os embondeiros. Árvores lindas!
Estou voltando de férias, e vou ler tudo o que perdi sobre seus passeios pela linda África.
Grande beijo.
Na minha adolescência as freiras do colégio me fizeram ler um texto que comparava um mau hábito a uma raiz de baobá… se não cortado a tempo, depois pode ser tarde demais…
E que pequenina você ficou, Ruthia, perto do baobá!
Abraço!
É uma boa metáfora, na medida que as raízes dessas árvores devem ser muito fortes. Os embondeiros ou baobás têm mesmo o condão de nos reduzir à pequenez
Voltei para dizer que Moçambique e o Baobá foram tema do enredo da Tradicional Escola de Samba Nenê de Vila Matilde no Carnaval de São Paulo. Recordei-me deste teu artigo, tão bem escrito sobre o tema.
Beijos.
Se despedindo de forma esplêndida! Não conhecia essas fábulas.
Esperamos pela China então…
Conhecendo o mundo com Ruthia….
Beijos!!!
Saudações senhora Ruthia. Com prazer li seu artigo sobre o Embondeiro. È semelhante ao conocido e mistica árvore de Cuba. Ele chamase Ceiba
Acho que sâo uma memsa familia.
Da Ceiba ainda não tinha ouvido falar. Mas vou pesquisar e espero um dia conhecê-la na sua terra
[…] EMBONDEIRO:A ÁRVORE SAGRADA […]
É Bom saber disso, porque anatureza em cima.
linda página, gracias por compartilhar, Ruthia
bom dia!
Gostei de ler a matéria.
Obrigada Ruthia, pelos comentários, e pelas bonitas imagens sobre o embondeiros, estive em Angola desde 1973 a 1975, cumprindo o serviço militar, mas nunca conheci esta relíquia. Deus te abençoe grandemente, e te dê forças físicas e financeiras, para poderes transmitir belas imagens da natureza. bjs
[…] da primeira “pedra”do Centro Cultural Muzamane foi simbolicamente representada pelo plantio do embondeiro. A ideia da implementação do Centro Cultural nasceu no seio de um grupo de activistas culturais […]