Atualizado em 9 Abril, 2021

A maior capital lusófona faz-se de contrastes. São Paulo da Assunção de Luanda é um fenómeno explosivo. E fascinante

Os meus olhos estranham tanta luz a esta hora matutina. O corpo também ainda não assimilou a temperatura que o termómetro marca. São seis da manhã e já estão 24º C. Do Inverno europeu que deixei para trás, resta o casaco, pendurado na mala.

Já há bastante gente nas ruas. As cenas sucedem-se a grande velocidade. O meu cérebro cansado, depois de uma noite em claro, não as consegue digerir. Do primeiro impacto de Luanda fica apenas um borrão confuso. Mas umas horas depois, quando saímos para almoçar, a história já é outra.

Sei (quase) toda a teoria sobre a cidade mas, ainda assim, os musseques* batem-me na cara, como uma estalada. Li algures que apenas 20% da cidade tem água e saneamento básico e 30% das casas têm água corrente. A maior parte das artérias secundárias não são asfaltadas, mas nota-se um investimento crescente para melhorar as vias da capital angolana.

Em teoria, sei que Luanda é uma das cidades mais caras do mundo e, ainda assim, assustei-me com o preço da manteiga no Deskontão. Em teoria, sei que foi projectada para cerca de 500 mil habitantes e que hoje tem mais de dois milhões e meio. Mas saber e compreender são duas coisas muito diferentes. E o lixo faz-me uma comichão doida. Tenho ganas de sair do carro e pedir gentilmente ao senhor que acaba de largar a sua lata de refrigerante, para a apanhar.

Dama não diz palavrão, nem deita lixo no chão, lê-se num grande outdoor ali perto. Parece que as campanhas de sensibilização ainda não surtiram efeito. Os angolanos têm hábitos de consumo do século XXI, mas a sua consciência ecológica ainda está a desenvolver-se (atualização: a cidade tem melhorado bastante nesta questão, nos últimos anos).

No meio das intermináveis filas de trânsito, os vendedores ambulantes oferecem desde amendoins a cabides, de quadros brancos (escolares) a sapatos, driblando os carros com arte.

Nos passeios ou na beira das estradas também se vende de tudo. Com o tempo, habituo-me a comprar ananases e mangas a uma dessas senhoras. Gosto das vestes tradicionais e garridas mas, infelizmente, a geração mais nova está rendida à lycra, colada ao corpo.

musseque em Luanda
vestes coloridas em Luanda

Esta é uma grande cidade africana com os problemas típicos de uma cidade sobrelotada. Mas as generalizações são imprudentes. E, de facto, existe outra Luanda para descobrir.

Paris africana

Nos seus tempos áureos, Luanda foi comparada à sofisticada capital francesa. E, a avaliar pelos projectos em curso, nomeadamente na zona da Baía e na Ilha, quer recuperar o prestígio de outrora. Edifícios modernos, altíssimos, irrompem por todo o lado.

O porto de Luanda e respectiva marginal, recentemente renovados, podiam pertencer a uma qualquer urbe europeia. Desde o forte de S. Miguel, vê-se como a paisagem está em permanente mudança.

forte de S. Miguel
O Forte de S. Miguel está hoje transformado em Museu Militar

Daquelas alturas, vislumbra-se também a mini “Torre Eiffel” local: o mausoléu de Agostinho Neto, o primeiro presidente angolano. Só mais tarde soube que existe ali um espaço museológico. Também só demasiado tarde tomei conhecimento de que o memorial, aparentemente fechado, pode ser visitado em qualquer dia, basta que nos aproximemos de um dos portões e solicitemos entrada (entretanto já tive oportunidade de o visitar: Memorial Agostinho Neto).

Não muito longe, outra construção, grandiosa, surpreende a incauta turista. As instalações da Assembleia Nacional parecem uma basílica italiana, neo-renascentista. Os musseques vizinhos deverão desaparecer, num futuro não muito longínquo.

Infelizmente, não me é permitido palmilhar a cidade, como eu adoro. O meu marido foi muito peremptório: nada de deambular por aí sozinha. Nem mesmo em Talatona, zona onde se multiplicam os condomínios mais caros.

baía de Luanda
Assembleia Nacional de Angola, em Luanda
Ao fundo, a nova Assembleia Nacional de Angola.

Resta-nos fugir da cidade apinhada, do trânsito e do betão, para respirar. Mas sobre as aventuras fora da capital vos falarei nos próximos episódios. A sul, a cidade de Benguela é bem mais tranquila que a capital angolana.  A Bruna, do blog Expressinha, conta tudo sobre a viagem entre Luanda e Benguela, que tem belas praias.

* bairros clandestinos.