Atualizado em 17 Fevereiro, 2021
Os recortes escarpados oferecem uma paisagem caprichosa, esculpida pela fúria das ondas e dos ventos. Há muito que os marinheiros temem esta Costa da Morte
A nossa viagem começou em Arteixo, junto a uma luneta gigante de 14 toneladas, depois de uma passagem pela Corunha. O monumento ao voyeur permite-nos trepar até às alturas para observar céu e oceano, mesmo sem qualquer lente e apesar das teias de aranha.
A poucos metros dali, numa longa paliçada que liga várias praias de bandeira azul, vivemos um encontro emocionante com golfinhos. Os gritos de alegria do pequeno explorador não espantaram a família de cetáceos que continuou a alimentar-se tranquilamente, como demonstrou o sucessivo aparecimento de barbatanas.
A região proporciona alegrias imensas aos viajantes, com as suas encantadoras comunidades piscatórias, a cozinha regional à base de marisco e as paisagens, tudo embrulhado numa tranquilidade de salitre que só o litoral mais selvagem da Península Ibérica pode oferecer.
Mas, de facto, o nome diz tudo. A morte espreita nesta zona costeira que se estende ao longo de 200 quilómetros, entre Malpica e Fisterra (ver mapa). Os penhascos traiçoeiros e as tempestades que fustigam estas paragens, sobretudo durante o Inverno, explicam a quantidade de naufrágios.
Por exemplo, 172 marinheiros do Serpent morreram perto de Camariñas em 1890, a escassos metros de terra firme. A sua sepultura, conhecida como cemitério dos ingleses, está assinalada com várias cruzes, como tantas outras que pontuam esta costa rochosa.
Os anciãos contam que estas águas terríveis sepultaram cidades inteiras na Antiguidade: uma das lendas diz que Duyo foi destruída por intervenção divina, por causa dos seus pecaminosos habitantes.
Em resposta a estes perigos, ergueu-se uma série de faróis ao longo da Costa da Morte, que inspiraram uma rota pedestre muito interessante. Paramos para conhecer o mais recente farol da família galega em Punta Nariga (concelho de Malpica de Bergantiños), onde uma escultura de Manolo Coia, entre humano e gaivota, parece querer deixar o chão, sustentada pelo vento forte que sempre se faz sentir.
A Costa da Morte conduz-nos depois até Muxía, onde a Virgem terá aparecido ao apóstolo Santiago. Muitos peregrinos passam por aqui em direcção a Fisterra, “finisterrae”, o fim do mundo conhecido descrito pelos romanos, onde queimam as suas roupas do caminho…
O Santuário da Virxe da Barca é um dos lugares mais bonitos da Galiza, com o mar a bramir mesmo em cima da singela igreja e as tradições pagãs ainda a pulsarem no ar. A poucos metros fica a pedra vacilante, onde em tempos se celebrou o culto da fecundidade e a que ainda se atribui poderes divinatórios. Dizem que ela abana apenas quando quer ou para prever uma catástrofe.
Será que abanou na noite de 25 de Dezembro de 2013, quando um raio atingiu o pequeno templo da Virgem da Barca, causando um incêndio?
Deixamos a costa agreste e as suas misteriosas histórias para trás, não sem antes conhecer a foz do rio Xallas que encontra o mar de uma maneira exuberante: eis o único rio europeu a morrer sob a forma de cascata. A partir daqui a geografia adoça, os penhascos são substituídos por pequenas enseadas, protegidas por pinhais, e pelas águas mansas das rias.
18 Comentários
Incrível. Pode parecer estranho, mas texto e imagens são tão sugestivos que dá até pra sentir o cheiro do mar. Uau…
Lindas imagens, Ruthia, são experiências maravilhosas que enriquecerão o Pequeno Explorador Pedro, com uma formação excepcional. Parabéns, Ruthia!
Amei conhecer sobre a Costa da Morte, mas não teria coragem de ir.
Felizes dias, abraços carinhosos
Maria Terea
um relato cativante . Gosto de ler
abraço
Agradeço a sua presença no meu Berço e o seu amável comentário. Espero que se sinta em "casa"
Adorei poder ver mais essa viagem linda! Beleza de lugar e fotos mostram bem! bjs, tudo de bom,chica
adorei a tua finalização 'a geografia adoça, os penhascos substituídos por pequenas enseadas, protegidas por pinhais, e pelas águas mansas das rias' extremamente poética (como sempre, por sinal) .. e sim, tamanha presteza de texto e imagens que nos fazem sentir o cheiro das águas do mar, o som da cascata e o frio do vento! bjs
Que belo! Estou assistindo o video.
Imagino a alegria de seu filho, se eu estivesse ao lado dele seria mais uma pessoa soltando expressoes de contentamento! hahahah
A geografia é espetacular.
Bjs
Ah foi um momento memorável. Mais ainda porque foi completamente inesperado. Os golfinhos normalmente são avistados em dias de Inverno ou então quando o mar está mais agitado. Então encontrá-los num entardecer de Agosto foi perfeitamente mágico!
Ruthia, as fotos desse post ficaram fabulosas! Nunca havia me interessado muito por essa região, mas seus posts me aguçaram a curiosidade!
Um beijo pra você e para Pedrinho,
Ana Christ
Também tenho fotos dos golfinhos mas, apesar do zoom, ficaram um pouco longe. Precisaria de outra objectiva para captar aquele momento com qualidade. Mas ficará para sempre registado nos nossos corações.
Beijinho querida
Não conheço a costa norte de Espanha…
Nesta zona, o mar é bem conhecido dos marinheiros, já que quando está mau tempo as ondas são enormes e podem não ter uma direcção bem definida, coisa que é terrível para os navios, já que é sempre mais seguro apontar a proa para as ondas.
Gostei do teu relato de viagem. Bom texto e belas fotos.
Ruthia, tem um bom resto de semana.
Beijo.
PS: já há muito tempo que aqui não vinha… perdemo-nos algures no tempo… que não na costa da morte… mas gostei de voltar.
É sempre uma alegria recebê-lo. O bulício da vida nem sempre nos deixa tempo para visitar toda a gente.
Abraço
Uma costa que me seduz, apesar do epíteto. Talvez pela qualidade da narração, que envolve o leitor duma forma peculiar.
Gosto da Galiza, sinto-me lá bem, mas não conheço para lá de Santiago. Aguçou-me o apetite, Ruthia, e de que maneira. Grato.
Um beijinho 🙂
Acho que, neste caso, o epíteto ajuda ao fascínio que a paisagem exerce. Tudo se conjuga para pôr curiosidade e imaginação a trabalhar.
Beijinho
Somos mesmo pequenos em relação à grandiosidade da Natureza. Estou quase quase a parafrasear a citação, em baixo, (Flaubert). Este tema que nos trouxe, Costa da Morte, com os seus mitos, lendas e mistérios faz-nos ter consciência do pequeno ponto que representamos no Universo.
Obrigada, Ruthia, por todas as informações, imagens e pela sua bela escrita.
Bom fim de semana.
Bj
Olinda
Com sua licença, já saquei a segunda imagem para o meu fundo de ecrã, belíssima!
Acho que ia gostar de tudo: da paisagem, da imensidão e da comida 🙂
Beijinhos e bom Outubro!
Se quiseres até te envio a imagem com o tamanho original por email…
Bom Outubro. Está quase na altura das castanhas
Beijinhos
Querida Ruthia
O nome da Costa não é muito convidativo, mas, depois de lermos todo o seu texto, de vermos as fotografias e o vídeo, dá vontade de ir até lá.
E os seus roteiros têm outro condão: a sua maneira de escrever prende o leitor até ao fim.
Obrigada por todas as indicações.
Um beijinho ao pequeno explorador e outro para si
da
Beatriz