Atualizado em 17 Fevereiro, 2021

A Corunha tem um humor muito fino, como constatamos na nossa visita. Há o festival Viñetas desde el Atlántico e muitos outros pormenores hilariantes

Um sorriso rasga-se-nos na face ao descobrirmos, por acidente, a praceta mais divertida da Corunha, a dois passos do centro histórico. A Praza del Humor (em galego), que fica muito perto do mercado de San Agustín e se chamou outrora Praça dos Ovos, recebe-nos com uma série de pedestais em bronze, todos eles dotados de monumentais narizes aduncos.

Dizem que o nariz não serve literariamente para nada, a não ser atrapalhar, para ser metido onde não é chamado, para ser assoado como um trombone ou meter berlindes lá dentro. Que um autor titubeante destrói um projecto literário no momento de descrever um nariz e, por isso, o prudente Homero se escusou a tal desafio, sendo por isso que o calcanhar de Aquiles ficou na história, mas não o seu nariz.

Mas na escultura, o nariz não sofre estigmas, pode ser justamente destacado, pode mesmo ser exagerado sem pudores. Assim o entendeu o autor dos bustos da Praça do Humor, atribuindo pronunciadas pencas a três gigantes do humor galego: Julio Camba, Wenceslao Fernández Flórez e Vicente Risco.

Não que os senhores façam parte do meu conhecimento enciclopédico, mas o Ayuntamiento assim o diz e eu vou acreditar por dois motivos. Primeiro, provavelmente outros autores não humorísticos ficariam deveras aborrecidos por serem assim caricaturados. Segundo, quem gastaria dinheiro homenageando gente aborrecida numa praça dedicada à arte do riso?

Adiante. Num piso superior, outros dois génios do humor [os autores Alfonso Castelao e Álvaro Cunqueiro] repousam resfastelados em bancos de granito, um em frente ao outro. Estarão a jogar ao sério!? O Pedro senta-se com um deles, numa amena cavaqueira, enquanto eu percorro o piso de mármore, apontando célebres personagens com as quais cresci.

Ali está a imortal Mafalda de Quino, a Pantera Rosa, Mortadelo y Filemón, partilhando democraticamente o espaço com grandes autores. Lewis Carrol cumprimenta o pequeno Charlie Brown, enquanto Jonathan Swift joga às cartas com Jardiel Poncela e o Cantiflas se exibe perante um grupo de disneyrianos.

No meio da praça, o corno do Gatipedro** continua a jorrar água, indiferente ao rebuliço que o rodeia. Parece que, há uns anos, desapareceu misteriosamente, provavelmente pelas mãos de um sarcástico brincalhão.

O humor da Corunha acompanha-nos noutros pontos da cidade. Na Torre de Hércules, somos surpreendidos por uma personagem que parece ter saltado das páginas de uma BD, igualmente detentora de um generoso nariz [começo a ver aqui um padrão]. Como sou muito perguntadora, fico a saber que está relacionada com a exposição patente no mais antigo farol do mundo ainda em funcionamento (tudo sobre a Torre de Hércules aqui). Resta saber porque carrega uma sandes monumental…

A mostra faz parte do Viñetas desde el Atlántico, um festival internacional de banda desenhada que a cidade organiza desde 1998 e que perdemos por um par de dias. O palácio municipal também entrou no espírito, plantando os irredutíveis gauleses Astérix e Obélix à sua porta.

Os portugueses estão bem precisados de uma terapia intensiva de riso, não vos parece? Talvez possam aprender com os vizinhos galegos.

**O Gatipedro é uma personagem de Álvaro Cunqueiro. Trata-se de um gato branco com um corno na cabeça de onde jorra água. À noite, o gato malandro visita meninos adormecidos, molhando-lhes os pés para que façam xixi na cama…