Atualizado em 16 Abril, 2021
Caldeiras de água a ferver, fumos que brotam das entranhas da terra e um cheiro a enxofre capaz de tombar um touro. Aterrorizador? Nada disso. Mefistófeles não conhecia as Furnas, em São Miguel, quando criou os seus cenários satânicos
Depois das lagoas e das paisagens atlânticas da ilha, visitamos recantos que evocam a origem vulcânica de S. Miguel, numa espécie de Crónicas de Gelo e Fogo açorianas. Digo-vos, os Açores mereciam ser cenário do Game of Thrones.
As manifestações vulcânicas abundam especialmente no Vale das Furnas, na ilha de São Miguel: há fumarolas**, há águas termais, há caldeiras aquecidas por magma. Isto porque todo o vale fica dentro da cratera de um dos vulcões mais activos da ilha.
Numa ponta da freguesia ficam as fontes de águas medicinais (com e sem gás, quentes ou mornas) e mais de vinte nascentes termais, cada uma com propriedades diferentes. Uma das mais populares será a “água azeda do Rebentão” que cura ressacas.
Há por ali também caldeiras de água a ferver, onde os micaelenses cozem espigas de milho e ovos. O cenário algo dantesco é adoçado pela vegetação exuberante – não fossem as casas, pensaria ter viajado até à era dos dinossauros.
Na ponta oposta da localidade, nas margens da Lagoa, ficam outras fumarolas onde se faz o Cozido das Furnas em grandes panelões enterrados.
Batata-doce, inhame, legumes, carnes, chouriços e morcela, tudo é posto na panela por volta das seis da manhã, cozinhando lentamente durante horas. A retirada do cozido do solo é uma espécie de ritual que atrai muitos turistas, que correm, logo depois, ao respectivo restaurante para provar o petisco.
O lugar é um espanto, apesar do fedor a enxofre que nos sobe pelas narinas (o pequeno explorador esteve a maior parte do tempo com o nariz tapado). Os vapores são libertados pela rocha, pelos muros, pelas tampas de esgoto, pela própria terra que cria poças de lama escaldante e borbulhante… Tudo fumega.
Depois de um almoço abundante no Restaurante Vale Das Furnas, fomos desmoer – v. actividade de ócio que ajudar a fazer a digestão, podendo incluir um passeio ou mesmo uma sesta – para o Parque Terra Nostra, um dos 10 melhores “retiros verdes” do mundo, diz a conceituada Condé Nast Traveler.
Este recanto romântico foi idealizado por Thomas Hickling, cônsul dos Estados Unidos, que aqui construiu uma casa de férias em 1780. Os proprietários seguintes aumentaram o jardim botânico, dominado pela imponente Casa do Parque, em frente do qual fica o lago com água termal férrea, acastanhada, entre os 35º C e os 40º C.
Antes de mergulharmos nesta sopa quente, percorremos tranquilamente parte dos 12 hectares. Para pena da minha mãe, não pudemos apreciar a gigante colecção de camélias, que florescem no Inverno. A mim atraiu-me sobretudo a parte alta do jardim, com a sua avenida de imponentes gingko bilobas e vegetação exótica.
Coroámos este dia com um mergulho nas águas quentes e terrosas que são o cartão-postal do Parque Terra Nostra. Foi como um regresso ao ventre materno.
Outras visitas
Poça da Dona Beija – também conhecida como “Poça da Juventude”, “Água do Poço”, ou “Poça do Paraíso”, esta é outra opção de banhos termais na região das Furnas. Ao contrário do que acontece no Parque Terra Nostra, as piscinas da Dona Beija têm água cristalina.
** Abertura na superfície da crosta da Terra, regra geral situada nas proximidades de um vulcão, que emite vapor de água e gases tais como dióxido de carbono, dióxido de enxofre, ácido hidroclórico, e sulfureto de hidrogénio.
Parque Terra Nostra: aqui | 10h00-18h00 | Bilhete: 8€ (adulto), 4€ (3-10 anos)
Parque das Furnas (junto à lagoa): 0,5€ por pessoa (crianças não pagam) e 0,25€ por cada 15 minutos para estacionar o carro junto das caldeiras.
Poça da Dona Beija: aqui |Todos os dias 7h00-23h00 | Bilhete: 4€ (adulto) 3,50€ (criança)
36 Comentários
A julgar pelas fotos, não há aí nada de sinistro. Quanto ao enxofre… Tem toda razão o Pequeno Explorador. Confirmando a regra, nada é perfeito.
O lugar é tão incrível, no sentido de mostrar a força da natureza, que me esqueci do cheiro. O Pedrinho é que não se conseguiu abstrair
Que loucura este lugar… Adorei sua indicação para cenário de GoT e queria muito mergulhando nesta água quentinha!
Olá Martina, seja bem vinda aO Berço. Por um lado, acho que os cenários da ilha são dignos de um filme mas, por outro lado, seria um caos ter uma equipa de filmagem durante muito tempo por lá, já que a ilha é pequena.
Que fotos mais obscuras no início. Deu realmente um ar mais fechado do lugar. Mas depois veio a contradição com flores lindas.
Deve ter sido um dia incrível.
Ruthia, que lugar inusitado! Realmente merece ser cenário do GOT!
Não sei se também aguentaria o cheio de enxofre por tanto tempo, apesar da paisagem incrível. Das duas uma, ou ficaria o tempo necessário para conhecer o lugar ou encorporaria a personagem e me sentiria no umbral, entre o céu e a terra. hehehe
Obrigada por compartilhar esse lugar tão singular! Aliás, adoro seus posts e certamente este entrará para a lista de desejos! Beijão!
Incorporar a personagem entre mundos para saborear o cheiro a enxofre é realmente a melhor opção, haha.
Muito obrigada pelo amável comentário
Poxa Ruthia eu gostaria de conhecer este lugar e saborear um cozido. Há beleza e mistérios da natureza em sua exuberância. Um belo passeio sim e o Pequeno Explorador teve um dia de nova e estranha experiência.
Valeu a partilha e dicas.
Meu abraço.
Bjs de paz.
Obrigada pela visita!
Um lugar que ambiciono visitar!!!bj
Nossa que lugar interessante! Adorei sua dica! Dizem que o cheiro de enxofre costuma ser realmente MUITO forte em lugares assim… mas talvez assim como vc, eu ficaria tão extasiada com tudo isso ao vivo e a cores que é bem capaz que não me importasse. Entrar num lago desse também deve ser uma experiência interessante hein rss 😛
O Parque Terra Nostra é todo muito bonito, foi um dos lugares que ficou no meu coração e onde voltarei (com o meu marido, que não nos acompanhou nesta viagem). Mas esse lago é qualquer coisa de extraordinário. Sai de lá com os músculos tão relaxados, que parecia que tinha saído de uma massagem!
fiquei aqui imaginando o mergulho… eu no gelado do dia de hoje, cuja umidade do ar me deixa com dor nos ossos e faz com que meus pés teimem em se manter gelados, admito que senti uma pontada de inveja deste teu passeio… entre um espirro e outro, fico a me imaginar neste local encantador e ao mesmo tempo estranho pois é algo inexistente em terras tupiniquins! bjs com saudades… a na esperança de conseguir pegar um 'aéreo' e visitar a terra mãe!
Querida, chá quente com mel e votos das melhoras.
É um lugar estranho também para os parâmetros portugueses.
Beijinho
Um lugar fantástico.
Um abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Adoraria conhecer. Sobre o enxofre, fez lembrar dos passeios ao parque de São Lourenço (Minas Gerais), porque tem varias fontes de aguas, e tambem de enxofre. Tem um cheiro e sabor realmente diferente.
Bjs
É caso para dizer um "fedor" realmente diferente, haha.
Beijinho
Olá, Ruthia
Já tinha saudades de ler os seus roteiros de viagens.Deixa-me sempre com uma grande vontade de ir explorar também tudo.
Continuação de uma excelente semana.
Um beijinho
Beatriz
Que demais, adorei este lugar! Confesso que jamais tinha ouvido falar, mas adorei e já me vi ali tomando um banho em uma das piscinas termais! OMG! Que vontade que deu, aqui no sul do Brasil está muito frio! Achei bastante interessante também a utilização natural para cozinhar milhos! Muito legal! Adorei o post! Abraço!
A piscina de água termal foi das melhores experiências que tive nos AÇores. Vale muito a pena passar uma tarde ali, ou, para quem está hospedado no hotel, tomar um banho relaxante à noite!
Que rica crónica, a dar-me vontade de apanhar um avião!
Imagino que o cozido não cheire a enxofre 🙂
Beijinhos
Que lugar interessante! Confesso que não conhecia, mas fiquei interessado em visitar. Uma experiência diferente que com certeza vale a pena.
Gente que experiência incrível. Deu água na boca esse cozido, com certeza quero provar.
Nossa que lugar incrivel! Deve ser uma experiencia e tanto! Adorei aprender um pouco mais sobre a regiao!
Que passeio mais diferente, Ruthia. Já iniciou pela propria ilha, tão distante assim do continente. Parece ser um ótimo destino para variar em viagem. Bjo, Edson.
Que lugar interessante. Eu adorei a história deles prepararem as refeições nas caldeiras, hehehe, sem gastar gás, nem energia elétrica, que tudo! Chegaste a provar algo? Fica com cheiro ruim? E o banho relaxante no final fechou com chave de ouro, né?
Essa forma de cozinhar é muito ecológica mesmo. Os habitantes locais também usam. O único senão é que o cozido demora 6 horas a ficar pronto.
Não provei, porque não como carne, mas quem estava ao meu lado não se queixou do cheiro a enxofre.
Adorava lá ir, quem sabe um dia!
Deves também pensar em vir a Lamego 🙂 Agora decorrem as festas de Nª Sª dos Remédios.
Desculpa a minha ausência, mas foi geral 🙂
Bjs
Que diferente esse jeito de cozinhar, nunca tinha visto. Fiquei imaginando o cheiro desse lugar, deve ser sinistro mesmo.
O cheiro a enxofre não é propriamente agradável mas é um pequeno preço a pagar por assistir a um milagre da natureza
Ótimas dias!! Não sabia que existia um lugar assim. Uma pergunta, o cheiro do enxofre não interfere no sabor da comida?!?!!
Bem, fica um pequeno cheiro mas não chega a mexer com o sabor.
Uau, deve ser uma delícia provar esse Cozido de Furnas, deve ter um sabor bem diferenciado. Gostei bastante da dica. Obrigado por compartilhar.
Apesar de ser muito pequenino, Portugal tem uma gastronomia muito rica e diversificada. Tanto assim que em breve farei um post só sobre os pratos da ilha.
Quanto mais leio sobre Portugal mais fico fascinada pela sua diversidade. Faltam 2 meses para eu conhecer esse belo país.
Olá Ruthia!
Estive ausente da blogosfera, férias, viagens e algumas mudanças na vida real. Estou voltando aos blogs aos poucos.
Agora, estou navegando pelo seu blog, me deliciando com o que andei perdendo. Nem todas as postagens comentarei, pois não quero lotar a sua caixa de correio. Mas tenha a certeza que tem meu coração em todas as belezas aqui postadas.
Este local é incrível e nada me causou de ares sinistro, mas eu sei que ao vivo, os sentires são outros. Gostaria imenso de conhecer.
[…] não é possível aproveitar as fumarolas para fins gastronómicos e turísticos, como acontece no vale das Furnas, na ilha de São […]