Atualizado em 11 Maio, 2023

A gaivota-de-pata-amarela reina sobre estas ilhas que encantaram Júlio César e foram atacadas pelo pirata Francis Drake. Mas foi o prestigiado The Guardian que revolucionou a vida das Cíes, desde que marcou uma das suas praias com o carimbo de “paraíso”

Uma misteriosa bruma envolve as ilhas Cíes, no Parque Nacional Ilhas Atlânticas (Galiza), desvendando-as apenas a alguns metros da praia. Chegamos a um santuário natural protegido, zona especial de protecção de aves e território da Rede Natura, lar de extraordinárias aves marinhas, nomeadamente a maior população mundial de gaivotas-de-pata-amarela, para além de corvos-marinhos e airos, essas aves singulares que parecem pinguins.

O ferry despeja dezenas de visitantes no cais. A maioria, como nós, veio apenas passar o dia. Mas o sol não nos abençoou nesta escolha. Um nevoeiro palpável emoldura a Praia de Rodas, ainda deserta a esta hora matutina, a tal que o jornal britânico premiou como “melhor do mundo” em 2007.

Com 1,3 km, esta é a maior praia do arquipélago. A areia fina, branca e imaculada, e as águas cristalinas fazem-nos entender os argumentos do The Guardian, que a colocou à frente de outras das Caraíbas, apesar da temperatura da água não ser comparável. Seguimos a língua de areia que liga duas ilhas e que alguém descreveu como “um rasgo de branco brilhante numa imensidão de azul”.

Não sendo possível fazer praia, optámos pela segunda melhor opção: caminhadas. Existem quatro trilhos sinalizados, dois para cada lado do posto de informação, com algumas variantes.

Escolhemos o trilho verde, em direcção ao Farol da Porta (5,2 km), porque nos pareceu inútil escalar até ao topo do Monte Farol (trilho amarelo com 7,4 km) num dia de nevoeiro, apesar de termos feito parte do percurso para conhecer a Pedra de Campá, rocha que parece ter sido esculpida por um artista mas que, na verdade, é obra do vento.

Ultrapassado o parque de campismo e o centro de interpretação, apenas o silêncio e o grito das gaivotas acompanham os nossos passos. As aves ocupam as falésias inacessíveis, presenteando-nos com voos rasantes, como que a avisar que adentramos no seu território.

Entre as árvores vislumbramos uma pequena enseada, a praia de Nossa Senhora, com água ora azul ora verde, onde baloiçam docemente pequenos veleiros e iates privados. As dunas estão belamente enfeitadas com camarinas de pequenos frutos brancos e a erva de namorar (armeria pungens), ingrediente que no imaginário galaico servia para curar males de amor e, por isso, era usada em poções mágicas.

O ambiente é tranquilo, a ondulação leve, o tempo espraia-se. Este é um recanto digno de um livro. Pelo menos até novos ferries despejarem mais umas dezenas de turistas…

À tarde, depois de um almoço disputado com as gaivotas atrevidas, tomamos o caminho oposto, para norte, paralelo à praia das Figueiras, ou “dos alemães” como é mais conhecida. No extremo do areal existe um pequeno trilho semi-escondido, que dá acesso à pequena enseada das Margaridas. Nesta praia há tudo menos roupa (é naturista) e confusão.

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Perder a fé na humanidade

Normalmente sou uma people person, sabem!? Sim, acredito na humanidade. Mas numa ilha apinhada de turistas barulhentos é fácil perder a fé. Nas Cíes, senti-me tentada a distribuir meia dúzia de bofetadas!

As limitações a este paraíso, que se quer semi-selvagem, começam pela temporada de visitas, que se restringe aos meses de Verão, e pelo número de visitantes diários (2.200 pessoas). Os avisos começam logo no barco. A fauna não deve ser incomodada e, por isso, nada de animais de companhia, excepto cães-guia. Por favor, não alimentem os animais! Não há caixotes do lixo, a não ser nos restaurantes e no parque de campismo. Guardem na mochila o vosso lixo!

É proibido apanhar conchas, arrancar flores ou vegetação, assim como é proibido fazer fogo. Bicicletas e carros estão proibidíssimos. Caminhem ou corram!

Eu sei que é complicado manter as regras entre centenas de turistas, restaurantes a rebentarem pelas costuras, filas para tudo… Mas, bolas, estamos num ecossistema protegido.

Começo por ver um garoto a lançar batatas fritas aos peixes, perante o ar impávido e sereno dos pais, que não o repreenderam. Ei! – lançamos nós, apontando para o aviso debaixo dos seus narizes. Pouco depois, turistas fazem fila para treparem à Pedra de Campá em busca da foto perfeita, ignorando a proibição em espanhol, galego e inglês. Seria uma pena danificar a linda formação geológica, mas se caem lá de cima, o estrago é ainda maior!

Já quase no regresso, na fila para o ferry, um senhor termina de fumar o seu cigarro e lança a beata para o chão. Não é preciso ser um génio para perceber que as beatas são tóxicas, mas fazê-lo num parque natural, com avisos por todo o lado, raia o cúmulo da estupidez! Desculpem, mas voltei indignada.

As Cíes continuam a ser as ilhas dos deuses, como os romanos as baptizaram, nós mortais é que não as sabemos respeitar.

Dicas úteis para visitar as ilhas Cíes na Galiza

Quando ir às Cíes

As visitas às ilhas Cíes são permitidas entre junho e setembro, nos fins-de-semana de Maio, nos dois primeiros fins-de-semana de outubro e na Semana Santa.

Como chegar

A única maneira de chegar às Cíes é por mar. O ferry que faz a ligação parte de Vigo, Baiona ou Cangas. São cerca de 45 minutos de viagem mas, uma vez que as visitas diárias estão limitadas, é melhor reservar lugares com antecedência.

Porque pertencem ao Parque Nacional Rias Atlânticas, ou seja, ambas são áreas protegidas, para aceder às ilhas, atualmente não basta comprar o bilhete para o barco, sendo necessário também obter uma autorização da Junta da Galiza, órgão controla o acesso às ilhas.

À terceira ilha, San Martiñ, pode-se chegar apenas de barco privado (obrigatório solicitar uma autorização de ancoragem), que é também a única maneira de aceder ao arquipélago durante o resto do ano.
Ferry boat: Mar de Ons aqui | Piratas de Nabia aqui | O preço do bilhete de ida e volta depende do porto de partida e também da época do ano.

Onde comer

Existem apenas três restaurantes na ilha, ou seja, a oferta é pouca e cara. O maior restaurante fica logo no cais, em regime self-service (o polvo é uma escolha segura, pelo que li), tal como acontece no restaurante do parque de campismo. Depois existe o restaurante Serafin, ligeiramente mais caro mas com serviço à mesa e uma esplanada simpática.

Nós optámos por trazer comida para o nosso piquenique. Em último caso, existe o pequeno supermercado do parque de campismo.

Dormir nas ilhas Cíes

O único local disponível é o parque de campismo, em tenda do parque (com camas) ou tenda própria, mas sempre com reserva prévia.

Dica: o segredo para desfrutar das ilhas é mesmo evitar a praia mais bonita do mundo. Um ou dois quilómetros de caminhada desde a praia de Rodas bastam para encontrar paisagens azul-turquesa dignas de um postal. As Cíes ficam na região espanhola da Galiza, que é riquíssima em belas paisagens.