Atualizado em 27 Abril, 2023

Visitar a Galiza é descobrir as muitas semelhanças com o norte de Portugal. Praias selvagens, muito e bom marisco, natureza, cascos antigos cheios de vida – há muitos e bons motivos para explorar aquela região espanhola

A história comum entre a Galiza e a região minhota, no norte de Portugal, traduz-se numa cultura muito semelhante: tradições, língua, gastronomia, aldeias e até detalhes da arquitetura. Visitar a Galiza é, portanto, como visitar a família.

Na verdade, os motivos para rumar a norte multiplicam-se. A hospitalidade é traço comum, tanto em grandes cidades – Corunha, Lugo, Santiago de Compostela, Pontevedra, Ourense -, como nas pequenas vilas piscatórias.

Depois há os centros históricos (cascos antigos), monumentos romanos como a Torre de Hércules, águas termais, natureza e aldeias com tradições ancestrais, onde se pode encontrar os horreos, iguais aos nossos espigueiros. Acrescente-se as praias, algumas bastante selvagens e de água fria, ainda que não chegue a ser tão gélida como no litoral norte de Portugal.

Os amantes da Natureza podem encontrar lagoas e rios cristalinos, majestosas quedas de água, floresta virgem e oceanos cheios de vida. Na Galiza existe um Parque Nacional, cinco reservas da biosfera, seis Parques Naturais e mais de 50 espaços enquadrados na Rede Natura 2000.

trajes tradicionais da Galiza

A lista inclui o Parque Baixa Limia-Serra Xurés, que começa em Ourense e se torna no Parque Peneda-Gerês, do lado português. Mas as florestas não conhecem fronteiras (como comprovam os incêndios de Verão), estas são as terras do Couto Mixto, um território que outrora não pertencia a nenhum dos dois países e cujos habitantes escolhiam a nacionalidade no dia do casamento.

As opções não cabem num único post, mas vamos começar pelos lugares galegos de que mais gosto. Venham comigo conhecer 10 locais fantásticos para visitar na Galiza.

Corunha ou Coruña

Na Corunha deve desfrutar das praias e do longo passeio marítimo, que rodeia a cidade quase por completo e é presidido pela Torre de Hércules, do século II. Junto à mítica torre pode contemplar um pôr-do-sol inesquecível. O sol vai desaparecendo lentamente no Atlântico, diante do único farol romano do mundo ainda em funcionamento, rodeado de um parque de esculturas inspiradas nas origens lendárias da torre e da própria cidade.

Vale a pena também seguir os costumes dos locais, que têm fama de viver bem, e sentar-se numa esplanada na Praça de María Pita, personagem apaixonante da História local, e conhecer as Cantones, as famosas galerias de vidro, de estilo modernista.

O final de tarde torna-se romântico no Jardim de San Carlos ou animado, nos Jardins de Méndez Núñez com o seu Kiosko Alfonso, antigo cinema com as salas divididas pelo ecrã, onde se pagava um bilhete mais barato vendo o filme… por trás.

Cidade da Corunha, na Galiza

Nos arredores, as praias e os trilhos são muitos, destacando-se o Parque Natural de Corrubedo e Lagoas de Carregal e Vixán com quase mil hectares e espécies endémicas dunares que só existem ali e no Norte de Portugal. É o lugar perfeito para observação de aves: os novatos têm a app Birding Galicia para ajudar.

Os melhores spots de surf na região são a Praia de Pantín, em Valdoviño (a 70 km da Corunha), a Praia de Doniños perto da cidade de Ferrol (cerca de 60 km da Corunha) e a Praia de Razo, em Carballo, já na direcção da Costa da Morte.

Leia também Torre de Hércules, disputa de gigantes, O coração velho da Corunha e Viñetas desde el Atlántico e o humor da Corunha

Costa da Morte

Costa da Morte na Galiza

A Costa da Morte – entre Malpica de Bergantiños e Muros – é um dos pedaços costeiros mais bonitos da Península Ibérica, apesar do trágico nome. Com certeza, é o litoral mais selvagem, com dramáticos penhascos que se abrem à fúria do oceano e um toque invernoso motivado pelo vento.

Na rota de navegação entre o Mediterrâneo e o Norte da Europa, este troço testemunhou muitos naufrágios, que deixaram vestígios seja no Cemitério dos Ingleses, onde descansam os 172 tripulantes do Serpent, naufragado em 1896, ou nas cruzes de granito plantadas no alto das falésias.

Na Costa da Morte pode vislumbrar milhares de aves marinhas que nidificam nas três ilhas Sisargas (perto de Malpica), descobrir enseadas escondidas de águas azul-turquesa (por exemplo, Leis), sentir a imensidão do Atlântico em Muxía, onde o apóstolo Santiago terá aparecido à Virgem, ou chegar ao “finis terrae”, o fim do mundo.

Considerado durante muito tempo o ponto mais ocidental da Europa, o Cabo Finisterra está envolto em lendas e mitos, recebeu fenícios (que ali ergueram um altar ao Sol), celtas e, ainda hoje, milhares de peregrinos que aqui terminam o seu Caminho.

Vale a pena percorrer as estradas rurais junto a esta costa que se estende por mais de 100 km, reconhecendo os muros baixos, as videiras carregadas, as vacas, enfim, todo o verde que caracteriza o nosso Minho. Nós adoramos a Costa da Morte e já escrevemos um post detalhado sobre ela: Costa da Morte, roteiro na Galiza.

Monte Pindo e cascata de Ézaro

cascata de Ézaro

Nesta lista de lugares mágicos da Galiza, teria de incluir uma das mais belas montanhas da região: o Monte Pindo, no concelho de Carnota. Considerado sagrado pelos celtas, o Pindo ergue-se a 627 metros de altitude, a dois escassos quilómetros do mar e, pela semelhança fonética, remete-nos para a cordilheira Pindhos, frequentemente chamada de “coluna vertebral da Grécia” na Antiguidade.

É preciso dedicar umas horas e muita precaução no caminho até ao cume, de onde, sem surpresas, se tem uma vista incrível para o oceano e o Cabo de Finisterra. O caminho é vigiado por figuras pétreas como o “guerreiro” e outros castelos de granito que põem à prova a gravidade e a imaginação.

Não muito longe, fica a curiosa foz do Xallas, um rio que se funde com o mar de uma maneira exuberante: este é o único rio europeu a morrer sob a forma de cascata. O estuário possui um passadiço em madeira, para facilitar o acesso à cascata (Fervenza do Ézaro, em galego), ao pé do Centro de Interpretação e da Eletricidade.

Se tiver alguns dias na região, vale a pena saber quando a barragem abre as comportas, pois a cascata, já de si linda, fica imponente nessas ocasiões. Nesse caso, aproveite também para ter uma experiência de pesca artesanal, na costa de Carnota.

Santiago de Compostela

catedral de Santiago de Compostela

O caminho faz-se caminhando até Santiago de Compostela, cidade património da Humanidade desde 1985, que atrai peregrinos do mundo inteiro há vários séculos. O próprio caminho, já mais mítico do que místico, no sentido de ser um tempo de reflexão e encontro pessoal, foi classificado pela UNESCO.

Visitar Santiago é perder-se na fachada da Catedral, alheado das centenas de peregrinos que enchem a praça e depois ver o gigante turíbulo a lançar incenso sobre os fiéis durante a missa. É subir aos telhados do templo, experiência já recomendada no século XII, no Códex Calixtinus, o mais antigo guia para os peregrinos que faziam o Caminho.

Dali vê-se a Cruz dos Farrapos, onde os peregrinos medievais queimavam as roupas velhas do caminho, num ritual purificador, aprecia-se os diferentes estilos de construção da igreja até se conseguir o faustoso resultado, e alarga-se o olhar, até à parte nova da cidade e arredores, do Monte Pedroso ao do Gozo.

Para sentir Santiago é preciso também ir ao bonito Mercado Hortícola comprar produtos frescos, percorrer praças emblemáticas como a do Obradoiro, a Quintana e a do Toural, passear na Alameda com as suas árvores de camélias, fazer o Passeio da Herradura, provar a tradicional tarte e os restantes doces conventuais.

Rias Baixas

isla de la toja
Igreja repleta de vieiras, o símbolo do Caminho

Continuamos para o sul, parando em Padrón para provar os famosos pimentos (uns picam, outros não) no sítio certo, para depois sentir o adoçar da geografia na região das rias de Vigo, Pontevedra, Arousa e Muros-Noia. Leia também A doçura das Rias Baixas.

Dizem que as rias galegas, esses longos braços de mar que penetram pela terra adentro, são a impressão dos dedos de Deus que, depois de criar o mundo, apoiou aqui a mão para descansar. Na ria de Arousa, a mais extensa das rias da Galiza, encontra a praia de Lanzada, perfeita para surfistas principiantes, que acolhe vários campeonatos de surf.

Não muito longe, a península de O Grove é o sítio perfeito para conhecer os viveiros de marisco (de barco) e comer frutos do mar como se não houvesse amanhã. As plataformas de criação de marisco dão um toque peculiar à paisagem e atraem turistas aos magotes. No mês de Outubro, chegam aos milhares para uma festa gastronómica que começou em 1953.

À distância de uma pequena ponte fica a isla de La Toja, que os galegos teimam em chamar A Toxa, a região turística mais elitista da Galiza, com o seu balneário termal, os SPA, um casino e campos de golfe.

Pinturas rupestres de Campo Lameiro

Castro Lameiro

Entre as rias e Pontevedra, paragem na capital galega da arte rupestre. No Parque Arqueológico de Arte Rupestre Campo Lameiro existem muitas e valiosas amostras de petróglifos, símbolos pré-históricos gravados nas rochas e anteriores à escrita.

Recolha um mapa no centro interpretativo e faça o percurso, com pouco mais de três quilómetros, para contemplar os principais motivos e cenas captados nas gravuras rupestres galegas e ver a recriação de um pequeno povoado da Era do Bronze. De referir que a visibilidade de algumas gravuras depende da posição do sol (as melhores horas são logo de manhã ou ao final da tarde).

O turismo local diz que Campo Lameiro possui uma das mais importantes coleções de arte rupestre da Europa, em qualidade e quantidade. Este conjunto, declarado sítio histórico-artístico, está situado nas montanhas que circundam a cidade de Pontevedra, onde ainda existem cavalos selvagens.

7. Pontevedra

cidade de Pontevedra

A hospitalidade é o cartão de visita e essência desta cidade, encerrada no dito galego: “Pontevedra dá de beber a quem passa”. A tradição de acolhimento reflete-se na Virgem Peregrina, emblema do caminho português para Compostela, honrada com uma curiosa igreja, com a planta em forma de vieira.

Pontevedra tem um centro histórico muito bonito, arquitetura em pedra, casas brasonadas, fontes e praças a transbordar vida e esplanadas cheias até de madrugada. Destaca-se a coleção de ourivesaria em ouro do Museu de Pontevedra, única na Europa, com joias esplêndidas de mais de 4000 anos e outras gemas como a Basílica de Santa Maria, as ruínas de Santo Domingo e a Igreja de San Bartolomeu.

Se tiver tempo, passeie pelas margens do Lérez, com várias áreas de lazer e, na margem Norte, a Ilha das Esculturas, um passeio que combina natureza e cultura (grandes esculturas de reputados artistas galegos) e que se estende ao longo de 7 hectares. Falamos da nossa visita à cidade em Visitar Pontevedra, que dá de beber a quem passa.

Ilhas Cíes

Praia de Rodas, nas Cíes

Conta Júlio Verne que o maior segredo do Capitão Nemo está em Vigo. Sabia que o navio Nautilus vinha aqui para se abastecer de ouro? Na ria de Vigo há dúzias de galeões afundados carregados de ouro das Américas. Mas também há tesouros ao alcance de todos, como uma excursão de barco ao paraíso das ilhas Cíes.

São três as ilhas situadas na entrada da ria de Vigo, mais alguns ilhéus. A ilha Monteagudo (norte) e a ilha del Faro ligam-se pelo finíssimo areal da praia de Rodas, considerada em tempos pelo The Guardian como a mais bonita do mundo. A ilha do sul, San Martiño, mantém-se afastada por um canal. O oceano que as rodeia encerra uma enorme e frágil biodiversidade, da beleza microscópica das algas à grandiosidade dos cetáceos.

Se no passado as Cíes eram refúgio de piratas, agora estão desabitadas e abertas ao público só no Verão. Assim, conservam-se como um paraíso natural, sem trânsito. O barulho que se ouve é o das ondas e do vento, sem esquecer os guinchos de milhares de gaivotas (talvez a maior colónia da Europa) nas falésias junto ao Farol.

Na época alta, existe transporte até ao arquipélago em vários horários, sendo certo que existe uma limitação diária de visitantes. Se for visitar as Cíes, as ilhas dos deuses, não seja otário e não deite lixo no chão.

Paço de Lourizán

Paço de Lourizán

O palacete romântico, semiescondido por uma mata exuberante e guardado por estátuas de inspiração grega, fica na margem esquerda do estuário entre Pontevedra e Marín. Na verdade, não há muito para se visitar na região e fiz o desvio de propósito, por causa de uma imagem no Instagram.

Não me arrependo do impulso, que me deu a conhecer este magnífico edifício do século XIX, com traços classicistas, um torreão e longas galerias envidraçadas, como se fossem corredores do próprio jardim.

No jardim existe uma estufa modernista de ferro e vidro e tantas árvores monumentais que lhe chamam uma “joia do património botânico da Galiza”. Há por ali carvalhos centenários, castanheiros, araucárias e bétulas, ciprestes e pinheiros, cedros e palmeiras, magnólias, camélias. Por falar nestas, de muitos tons de rosa e fúcsia, na altura certa do ano, deslizam pelos caminhos e pelas fontes. Em Lourizán, andar sobre um canteiro de flores não é uma metáfora.

Não muito longe fica Baiona, a Virgen de la Roca e a Caravela Pinta, que levou Cristovão Colombo a descobrir as Américas.

Castro de Santa Trega

maior castro da Galiza

Terminamos a lista de 10 lugares mágicos para visitar na Galiza com a “melhor panorâmica castrense entre dois países”. A Galiza, o oceano e a vizinha costa portuguesa dão forma ao horizonte. Os habitantes do Castro de Santa Trega já desfrutavam destas magníficas vistas no século I a.C..

Como é óbvio, a sua localização não se devia à paisagem, mas a razões estratégicas, pois, a 341 metros de altitude, controlavam a foz do rio Minho. A povoação, uma das maiores do noroeste peninsular, chegou a ter cerca de cinco mil habitantes. É formada sobretudo por casas ovaladas, mas existem também algumas retangulares, mas com esquinas arredondadas.

O remate desta jornada faz-se ao entardecer numa qualquer das esplanadas da vila de A Guarda, enquanto se degusta uma lagosta fresca, cuja festa gastronómica se celebra em Julho. Despedimo-nos destas terras, banhadas pelas águas do rio Minho e do oceano Atlântico, com a grata sensação de termos sido transportados no tempo junto de um dos castros mais visitados da Galiza.