Atualizado em 29 Janeiro, 2021

A casa real dos Bourbon escolheu Aranjuez como lugar de veraneio no século XVIII, mas foi um talentoso compositor cego, com o seu Concierto de Aranjuez escrito em braille, que tornou a vila mundialmente famosa.

Depois de interromper a série Madrid para o balanço anual, despedimo-nos da região madrilena no sítio real e vila de Aranjuez, que arrancou as mais doces notas ao maestro Joaquín Rodrigo, ao recordar a sua lua-de-mel na pequena localidade. A composição pretendeu representar a beleza, a harmonia, as cores e os cheiros dos jardins do Palácio Real de Aranjuez, que ele percorreu de mão dada com a esposa.

Estreada em Barcelona em 1940, a obra que fez a viola merecer o máximo reconhecimento nas salas de concertos foi tocada por orquestras de todo o planeta – assistam aos solos da bela japonesa Kaori Muraji (aqui) ou à versão do violinista David Garret (aqui) – e adaptada a vários estilos musicais. A versão En Aranjuez con mi amor, por exemplo, foi interpretada por nomes como Nana Mouskouri, Placido Domingo, Carreras ou Andrea Bocelli.

Aranjuez,
Un lugar de ensuenos y de amor
Donde un rumor de fuentes de cristal
En el jardín parece hablar
En voz baja a las rosas.

Outra versão cantada por Amália Rodrigues fala de pétalas de rosa que, levadas pelo vento, poisam ao entardecer na água das fontes. Que lugar é este que mereceu tão bela melodia?

Bem, a pequena vila foi “descoberta” no século XVII, quando a corte itinerante dos Bourbon passou a viajar para Aranjuez, com uma pontualidade sem precedentes e uma fidelidade inabalável, para passar o Verão. Entende-se. A confluência dos rios Jarama e Tejo (aqui chamado Tajo) torna esta localidade muito mais fresca que a capital, apesar da distância entre ambas ser inferior a 50 km.

Declarada paisagem cultural da humanidade pela UNESCO (2001), a vila de Aranjuez e, em particular, o seu Palácio Real atrai milhares de turistas todos os anos. A ostentação barroca do interior do palácio deve-se a Fernando VI, que concluiu a sua construção, e a Carlos III que acrescentou duas novas alas, onde se destaca a sala da porcelana chinesa, a sala dos espelhos e a sala de fumo, inspirada na sala de las dos hermanas de Alhambra (região de Granada).

Mesmo ao lado da loja do palácio, fica a sala dos vestidos de noiva reais. Está lá o da actual rainha Letizia, das irmãs do rei, infantas Elena e Cristina, e também da sua mãe…

centro da cidade
palácio real de Aranjuez
© Património Nacional. Não é permitido fotografar no interior do palácio

O motim de Aranjuez

“Aterramos” em Aranjuez num Setembro quente, no regresso de uma curta estadia na Costa da Prata.

Ao chegarmos à Praça de Santo António percebemos a razão de tanto alvoroço: a cidade estava em festa! A escadaria da igreja homónima, dedicada a Santo António de Pádua (de Lisboa, acrescentamos nós) e que serviu como quartel militar das tropas napoleónicas, estava pejada de gente e vendedores ambulantes.

As Fiestas del Motín de Aranjuez assinalam um episódio histórico que levou o povo à rua em 1808, para manifestar o seu descontentamento para com o contexto sociopolítico e o ministro Manuel Godoy. A data do levantamento popular transformou-se num feriado e a festa num evento de interesse turístico.

Infelizmente, não conseguimos assistir à encenação apresentada no pátio de armas, um evento fechado que mereceu a indignação generalizada (eu junto-me ao coro de protestos, afinal não é uma festa popular?). Portanto, rumamos à Plaza de la Constitución para assistir ao musical Peter Pan, depois de um saltinho aos carrosséis no Jardim de la Isla.

descida do rio Tejo
© Asociación Grupo de Amigos del Descenso Pirata

Na manhã seguinte, depois da visita ao palácio, exploramos os jardins reais que se prolongam por vários quilómetros e são enfeitados por artísticas fontes (horário de funcionamento das fontes monumentais aqui). O menor deles é o Jardín del Parterre da autoria de um jardineiro francês, com a sua linda fonte de Hércules, que representa o herói grego a asfixiar o gigante Anteu.

Estranhando o burburinho, seguimos a multidão até ao Jardín del Principe para conhecermos mais uma inusitada tradição local: a descida de piratas do Tejo. Pequenos barcos artesanais – feitos de preferência com materiais recicláveis – descem o rio num concurso que premeia a criatividade. Vimos por lá os Angry Birds, a porquinha Pepa, vikings e índios, naves Star Wars…

A competição de barcos evoca a tradição real de passear no rio em elegantes embarcações: as faluas (para usar a expressão italiana) que inspiraram um museu ali mesmo no jardim do príncipe, entre árvores centenárias e espécies exóticas trazidas das colónias espanholas nos séculos XVIII e XIX. De facto, navegar era um dos mais preciosos passatempos da corte.

faluas reais em Aranjuez
© Património Nacional. Não é permitido fotografar no interior do museu

A rainha Bárbara de Bragança, em particular, adorava descer o rio na sua falua leve e doirada, acompanhada das damas e de vários músicos.

O que resta desta frota pode ser visitado no Museo de Las Falúas Reales, muito perto do pier, com entrada gratuita desde que apresentando o bilhete do palácio.  Ali está o barco esculpido por artistas valencianos da quarta esposa de Fernando VII, a grande falua de Isabel II ou a enorme gôndola napolitana em tons de ouro e verde, possivelmente oferecida por um veneziano a Filipe V.

Palácio Real de Aranjuez aqui | Bilhete: 9€ (inclui o Museo de La Vida en Palacio e o Museo de las Falúas Reales); 4€ (até 16 anos e seniores); 13€ (visita guiada) | Dica: entrada gratuita quartas e quintas das 15:00 às 18:00 (Outubro a Março) e 17:00 às 20:00 (Abril a Setembro) para cidadãos da UE e de países ibero-americanos. Jardins: acesso gratuito

Casa del Labrador aqui | Bilhete: 5€ (com visita guiada). Este palacete neoclássico foi inaugurado em 1803 pelo rei Carlos IV. Fica no Jardín del Príncipe.
Acesso a partir de Madrid: Aranjuez é facilmente acessível de comboio desde a estação de Atocha (linha de Cercanías, C-3).

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