Atualizado em 15 Abril, 2021

Pode ser associado a uma garrafa de curvas generosas e a um vinho de cor inusitada mas, depois de se visitar o espaço, o nome assume novas e encantadoras conotações. Chegámos ao palácio de Mateus

O rótulo do mundialmente famoso Mateus Rosé foi responsável pela minha curiosidade em relação ao solar homónimo do século XVIII, a escassos quilómetros de Vila Real. Ainda hoje o edifício resplandece no rótulo da garrafa bojuda (criada na década de 1940, sob inspiração dos cantis militares), sobre o borbulhar rosado, ainda que o vinho já não seja produzido aqui.

Visitámos a casa numa manhã ensolarada e comprovámos que este é um dos edifícios barrocos mais belos do país.

O forte coaxar das rãs atingiu-nos como um coro de boas-vindas, ainda antes de descrevermos a curva e a Casa de Mateus se nos revelar em todo o seu esplendor. O palácio, monumento nacional desde 1911, é reflectido no enorme lago. Nestas águas repousa igualmente uma mulher adormecida, esculpida por João Cutileiro: a cor do mármore realça a sua nudez lânguida. Outrora morou aqui um casal de cisnes, mas parece que a experiência não correu muito bem.

Por momentos esquecemo-nos que vivemos em pleno século XXI, ao contemplarmos a fachada do edifício, mandado construir pelo terceiro Morgado de Mateus, título que hoje seria equivalente a conde. A decoração e os pináculos têm o dedo de um italiano muito apreciado em Portugal naquela época, autor do projecto da Torre dos Clérigos (que consta no nosso roteiro clássico no Porto): Nicolau Nasoni.

Quase esperamos que as carruagens, hoje estacionadas sob o edifício, cheguem com convidados ilustres, que um escudeiro de libré ajuda a descer. Imagino uma senhora a ajeitar o vestido e a abrir uma pequena sombrinha rendada, para explorar os jardins de braço dado com um elegante cavalheiro.

Nós seguimos no seu encalço, parando para apreciar as amendoeiras em flor, os desenhos geométricos dos jardins, o túnel de cedros que conduz às vinhas… acabamos por descansar um pouco à sombra, num banco de pedra, antes de seguirmos para a visita guiada ao interior.

Sim porque para além da área reservada que ainda recebe os descendentes da família, existe um espaço generoso que é possível visitar e que permite conhecer um pouco da sua história. Por exemplo, na antiga sala das batatas conhecemos D. Luís António de Sousa Botelho Mourão, governador da capitania de São Paulo, entre 1765 e 1775. Estão ali as suas armas, o seu diário, os seus mapas militares.

No piso superior, o histórico tecto de castanho com o brasão da família recebe os visitantes – mais de 100 mil por ano, a maioria estrangeiros – conduzindo-nos a quartos que pararam no tempo, escritórios com contadores de madrepérola, salas de jantar com loiça de Macau, uma secção de arte sacra com uma arrepiante colecção de relicários, que inclui uma mão mumificada

Estas árvores majestosas estão aqui desde 1870

Mas o meu coração só parou, arrebatado, na biblioteca, onde cerca de três milhares de livros sobem até ao tecto. Livros antigos, bem encadernados, com aquela pátina charmosa do tempo. Entre eles, uma pérola – uma edição ilustrada d’ Os Lusíadas de 1816, preparada por D. José Maria do Carmo de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, um dos morgados e diplomata português.

O tal senhor ofereceu esta edição, a primeira ilustrada, às bibliotecas mais antigas da Europa, numa operação de charme em defesa da língua e cultura portuguesa. A Fundação Casa de Mateus mantém esta tradição cultural, reconhecida há poucos anos com uma Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, acolhendo regularmente eventos artísticos…

Terminamos a visita na gelada capela da família, neoclássica e por isso muito mais singela do que o solar, onde vários morgados estão sepultados, mas as honras recaem sobre o corpo de São Marcos, mártir espanhol.

Fundação Casa de Mateus site | Horário: de Abril a Outubro 9h00-19h30; de Novembro a Março 9h00-17h30; de Dezembro a Fevereiro 9h00-7h00

Como chegar

A partir do Porto, seguir pela auto-estrada A4 e depois IP4, até à saída Vila Real Norte. Depois é tomar a Avenida do regimento da infantaria 13/N12 e seguir em direcção a Sabrosa, pela N322. O palácio fica a cerca de 3-4 km de Vila Real.

Modalidades de visita

Visita livre aos jardins (8,5€/adulto; 4,25€ criança); visita guiada ao interior da casa e capela + visita livre aos jardins (12€/adulto; 6€ criança); Com prova de vinhos do Porto (acresce 5€ por pessoa) ou vinhos de mesa (cinco vinhos, acresce 4€ por pessoa) na adega. Preços de Abril 2018.

Onde comer

Nós almoçámos um pouco longe, em Vilarinho de Samardã, uma aldeia perdida no meio do monte onde Camilo Castelo Branco passou grande parte da sua juventude (será tema para outro post, longe no futuro). Mas posso recomendar desde já a Adega Regional Passos Perdidos, onde comi um dos melhores arrozes de feijão com pataniscas de bacalhau da minha vida.