Atualizado em 15 Maio, 2023

Rotas medievais ganham nova vida com o recém-certificado Caminho Português de Santiago Interior. Calcei as botas de peregrino e fui conhecer este velho-novo caminho de fé

Santiago de Compostela é um destino de peregrinação milenar, que se intensificou na Idade Média e voltou a ganhar momentum em anos recentes. Para a fé cristã, a catedral galega que acolhe os restos mortais de São Tiago é um lugar muito sagrado: apenas Roma recebe mais peregrinos por ano.

O peregrino medieval procurava indulgências naquele santuário, simbolizadas pela “Compostela” (concha de vieira associada ao apóstolo); acreditando que lhe seria garantido um lugar no céu se completasse a peregrinação. Por isso tantos faziam este Caminho, pelo menos uma vez na vida, apesar do risco de vida, roubo e doença.

Hoje, nem todos os que estão no Caminho o fazem por motivos religiosos. Pelo contrário, muitos caminham por motivos pessoais, senão espirituais; caminham pela experiência cultural, pelo desafio físico, pela oportunidade de autoconhecimento e introspeção. Indesmentível é o facto de haver cada vez mais peregrinos no(s) Caminho(s) para Santiago de Compostela.

Concha que indica o Caminho
De concha em concha, se faz o Caminho

Pilgrims are persons in motion – passing through territories not their own – seeking something we might call completion, or perhaps the word clarity would do as well, a goal to which only the spirit’s compass points the way. 

Richard Niebuhr

Se vários traçados de peregrinação se mantiveram inalterados desde tempos medievais, outras rotas foram ficando esquecidas nas malhas do tempo, sobretudo em territórios isolados: é o caso do Caminho Português de Santiago Interior.

Vai daí, oito municípios, do Douro e Alto Tâmega, uniram-se para recuperar este Caminho, que se revela algo difícil, mas que recompensa os caminhantes com paisagens belíssimas, gestos hospitaleiros e momentos de isolamento total. Se levarmos o coração aberto, o Caminho do Interior enchê-lo-á de lições de superação e humildade.

Vamos conhecer o Caminho Português de Santiago Interior? Ultreia!

Nota: esta viagem realizou-se a convite dos oito municípios atravessados pelo Caminho Português de Santiago Interior. Não caminhei a totalidade dos 214 km do Caminho, mas fiz trechos do percurso e visitei todos os concelhos. Sendo a minha experiência parcial, li todos os testemunhos de peregrinos disponíveis e toda a informação oficial, para vos oferecer um artigo o mais completo possível.

“Nova” rota do Caminho de Santiago pelo interior

O Caminho Português de Santiago ​Interior percorre mais de  200 quilómetros, divididos em 11 etapas, até alcançar a fronteira em Vilarelho da Raia. Saindo de Viseu, o Caminho do Interior atravessa os concelhos de Castro Daire, Lamego, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves, para depois entroncar na Via da Prata, a antiga rota comercial dos romanos que atravessava o oeste de Espanha.

A certificação recente, em outubro de 2021, do Caminho Português de Santiago ​Interior reconhece o rigor histórico na sua marcação, a riqueza patrimonial, icnográfica e toponímica associada ao Caminho e ao apóstolo (por exemplo, São Tiago é orago de várias freguesias nesta rota) e o duplo sentido, permitindo a sua utilização para peregrinação até Santiago ou até Fátima.

Os oito municípios têm reforçado a sinalética do Caminho, contudo, a minha experiência mostrou que esta não é uniforme, alguns trechos estão melhor assinalados do que outros. O percurso em GPS do Caminho do Interior, que pode ser percorrido a pé, de bicicleta e a cavalo, deverá estar disponível no portal do cpisantiago.org, em breve. Enquanto isso não acontece, pode ser solicitado por email para info@cpisantiago.org.

Etapas do Caminho Português de Santiago Interior

A primeira etapa do Caminho Português de Santiago Interior “oficial” começa em Farminhão, Viseu (próximo do campo de golfe do Montebelo), seguindo no meio do pinhal e caminhos agrícolas, para depois cruzar a Ecopista do Dão e seguir para Viseu.

Se considerarmos este trecho, o Caminho Português de Santiago Interior somará cerca de 214 km. No entanto, para quem chega de transportes públicos, é mais prático começar o caminho em Viseu, a capital de distrito. Neste caso, pode dividir o percurso em 10 etapas, como segue (tentei destacar alguns pontos de referência em cada uma):

Etapa 1 Viseu-Almargem (15,6 km, médio)

Arrancamos de Viseu, junto à Sé, para um trecho que pode ser percorrido em pouco mais de 3 horas. O percurso segue pela Rua do Arco, passa pela Escola da Ribeira, atravessando o Rio Paiva e o recinto da Feira de São Mateus.

Outros pontos de referência são a Rotunda do Coval, a Cava de Viriato – o monumento ao guerreiro diz-nos que estamos no caminho certo – e a estrada Velha de Abraveses. Entra-se então num caminho de terra batida, com uma linda vista sobre a cidade.

A cidade dá lugar a densos pinheirais, aldeias minúsculas e silenciosas, até se chegar ao albergue de Almargem. O único lugar na aldeia que serve jantar é a casa do Sr. Libório – ele e a esposa não vivem disso, mas estão sempre disponíveis para cozinharem um jantar simples, com produtos da terra, a quem aparece à porta.

Viseu é o ponto de partida do Caminho do Interior
Amanhece em Viseu, ponto de partida do Caminho Português de Santiago Interior.

Viseu: pode conhecer a Catedral com janelas renascentistas e manuelinas, o Museu Grão-Vasco, os painéis de azulejos do Rossio, ou descobrir a street art que, cada vez mais, decora os recantos da cidade-jardim.

Etapa 2 Almargem-Ribolhos (23,3 km, muito difícil)

Esta etapa apresenta um grau de dificuldade considerável (nível 4/5) e pode demorar quase seis horas, devido às muitas subidas e igual número de descidas acentuadas. Saindo do albergue, desce-se entre pinhais até Cabrum, fronteira entre concelhos, uma descida difícil, mas, em certa medida, compensada pelo ar puro e, chegados à pequena aldeia, pela fonte de água pura e cristalina.

Após travessia de um pequeno riacho, entra-se no concelho de Castro Daire, onde a dificuldade da subida se adivinha. Vale a paisagem, cheia de estevas e a paragem para o almoço em Mões. A amável D. Cordália recebe os peregrinos no albergue de Ribolhos (ver secção sobre Onde dormir no Caminho) e o Café Padeiro pode providenciar jantar.

rostos do Caminho Português de Santiago Interior
A D. Nazaré deu-nos uvas para o Caminho.

Castro Daire: estamos já no concelho de Castro Daire, onde existem duas capelas dedicadas a São Tiago. A primeira fica na aldeia de Baltar e a segunda em Moura Morta, já em plena Serra do Montemuro. O concelho também é rico em património geológico, destacando-se os geossítios do Penedo do Nuno, Cascata da Pombeira, Penedo Pudim e Taffoni de Faifa, nas imediações do rio Paiva, que é ótimo para fazer rafting. Numa próxima visita, poderá incluir no roteiro as aldeias de xisto –  Levadas, Vitoreira, Meã e Pereiró – e apreciar vistas fabulosas na rede de miradouros. Ah, e não saia de Castro Daire sem provar o bolo podre.

Etapa 3 Ribolhos-Bigorne (19,9 km, muito difícil)

Etapa muito difícil, que começa em Ribolhos, concelho de Castro Daire, termina em Bigorne (Lamego) e deverá demorar cerca de cinco horas. O percurso explora a Serra do Montemuro, com as suas aldeias encantadoras e rebanhos, mas exige alguma resiliência dos caminhantes.

O percurso começa ao atravessar a estrada que vai para Vila Franca, descendo até à aldeia, rodeando a capela e descendo pelo caminho para o Paiva, onde deve atravessar as poldras de um dos rios mais puros da Europa.

Outros pontos de referência são Quinta do Vale da Cabra, Farejinhas, Fareja e Baltar. Em Baltar, o Caminho passa na frente da Capela de Santiago, continuando até à estrada nacional Castro Daire-Lamego.

O Caminho leva o peregrino a uma ponte de origem romana e a outra capela dedicada a Santiago (Moura Morta). Dali segue em direção ao Mezio, passando por diversos riachos e alguns moinhos. Depois da Igreja de Mezio, o itinerário continua em direção à estrada nacional, que conduz a Bigorne.

Lamego: estamos já no concelho famoso pelo seu magnífico santuário em honra de Nossa Senhora dos Remédios, cuja romaria atrai milhares de pessoas no final do mês de agosto. Lamego possui também um dos Entrudos portugueses mais tradicionais: Carnaval em Lazarim, caretos e senhorinhas. Aproveite para conhecer os detalhes marotos da Sé, os museus, o Castelo, o Teatro Ribeiro Conceição (que dizem inspirado no La Scala de Milão, mas que fica muito aquém), fazendo uma pausa estratégica na Casa das Bôlas e outra na Raposeira, porque, diz o povo sábio, “de pão e vinho se faz o Caminho”.

Etapa 4 Bigorne-Lamego (16,4 km, média)

Sendo uma das etapas de extensão mais reduzida, pode ser percorrida em cerca de três horas e meia, o que vem mesmo a calhar pois segue-se a etapa mais longa de todo o Caminho Português do Interior.

O percurso segue em direção à ponte de Reconcos, sobre o rio Balsemão, passa por Maqueijinha (onde a Igreja é dedicada a Santiago) e continua para nordeste. Outros pontos de referência são Matança, Capela de Santa Cruz e o cruzamento denominado Carreira de Tiro, de onde se deve seguir até Lamego.

grupo de caminhantes à entrada da Régua
© Gonçalo Henriques (numpostal.com)

Peso da Régua: no dia seguinte, o Caminho passa (mas não para) na Régua, onde pode visitar o fantástico Museu do Douro. Eu já conhecia o Museu, mas desta vez fomos guiados pelo Marco Barradas, que nos contagiou a todos com o seu entusiasmo. Bravo para ele! Para quem está falho de forças, saiba que é possível uma visita virtual, sem ter que se deslocar fisicamente ao local. Prove os rebuçados locais, antes de seguir caminho.

Etapa 5 Lamego-Bertelo (27,2 km, muito difícil)

Espera-nos a etapa mais longa e com um nível de dificuldade muito elevado (a elevação oscila entre os 1052 e os 1365 metros), que pode demorar quase 7 horas a percorrer. O caminho sai de Lamego pela estrada para Resende, atravessando a estrada nacional que liga Lamego a Vila Real, antes de chegar a Souto Covo.

Para apaziguar o esforço que se avizinha, logo à saída de Lamego encontra uma das mais belas paisagens do mundo, património mundial da UNESCO: o Douro. O trecho continua até à estrada nacional para a Régua, seguindo em frente até São Pedro de Balsemão.

Outros pontos de referência são a Quinta do Atalho e Sande; onde se cruza o afluente do Varosa para seguir entre socalcos das vinhas, limitados por oliveiras e muros de xisto, uma longa e circular descida que leva à nacional 2 que, por sua vez, conduz à ponte pedonal da Régua.

Para sair deste concelho (o quarto no Caminho do Interior), atravessa-se novamente a estrada nacional e caminha-se até São Gonçalo de Lobrigos, onde existe uma capela dedicada a Santiago. O percurso continua até São João de Lobrigos, Pousada e Covelo, atravessando a povoação e descendo em direção a Bertelo, entre socalcos de vinhas que produzem o nosso vinho do Porto.

merenda das vindimas
A merenda da manhã dos trabalhadores das vindimas

Santa Marta de Penaguião: a pacata vila integra o percurso da N2 e também a região do Marão, para além do Douro vinhateiro. A vista é belíssima, a partir de vários miradouros como de Santa Bárbara (Cumieira), Lugar da Azinheira (Alvações do Corgo), Senhora dos Remédios (Medões), São Pedro e Fial (São João de Lobrigos). Se regressar ao concelho depois do Caminho, aconselhamos a visita a quintas locais, como sejam a Quinta da Chaquedas e Quinta Senhora da Graça, que recebem turistas durante as vindimas.

Etapa 6 Bertelo-Vila Real (11,3 km, muito difícil)

De Bertelo, no concelho de Santa Marta de Penaguião, a Vila Real são apenas 11 km de caminhada, a etapa mais curta de todo o Caminho. Mas mantém-se o nível de dificuldade muito elevado, graças à inclinação das vinhas durienses, o que se traduz em quase 3 horas de percurso.

O traçado continua até Santa Bárbara, ascende para norte até Cumieira e Silhão, cruza a ponte sobre o rio Sordo, até chegar a Relvas. Outro ponto de referência é Parada de Cunhos (espreite a Igreja paroquial), continuando até Vila Real pela estrada nacional. Chegamos a Trás-os-Montes.

o Caminho do Interior passa sobretudo por zonas rurais

Vila Real: cidade histórica acarinhada por D. Dinis, possui muitos vestígios desse passado senhorial, com casas brasonadas, janelas manuelinas e uma Sé discreta mas elegante. A alguns quilómetros, fora do Caminho, fica o lindo Palácio de Mateus, que também merece uma visita.

Cristas de galo são doces típicos de Vila Real
As típicas cristas de galo.

#Dica: Em Vila Real, espreite ainda a capela de S. Brás, ligada à tradição dos “pitos e ganchas”. A 13 de dezembro, no dia de Santa Luzia, as raparigas oferecem o pito aos rapazes, um bolinho com recheio de abóbora. Em fevereiro, no dia de S. Brás, os rapazes retribuem o gesto, oferecendo ganchas às meninas, um doce de caramelo em forma de bengala. Não é uma tradição gira? Para além dos pitos, aproveite para provar as cristas de galo (de recheio doce) e os covilhetes (pastel de massa folhada recheado com carne picada).

Etapa 7 Vila Real-Parada de Aguiar (25,9 km, difícil)

A segunda etapa mais longa do caminho termina em Parada de Aguiar, concelho de Vila Pouca de Aguiar, um percurso que pode demorar quase seis horas. Alguns pontos de referência são Nossa Senhora da Conceição, seguindo em direção a Borbela, Ferreiros, Borbelinha, Coêdo e Escariz, paralelamente à estrada nacional Vila Real-Chaves.

Atravessando a linha de água até chegar a Benagouro, faz-se um desvio a nordeste até Vilarinho de Samardã, na margem direita do rio Corgo, onde a Igreja paroquial guarda a imagem de São Gonçalo da antiga confraria homónima. Atenção: a região sofreu um incêndio em agosto de 2022, que destruiu muita da sinalética.

A partir deste ponto, desce-se o caminho antigo, continuando até à ponte pedonal sobre o rio Corgo. Passando o rio, sobe-se até à ciclovia, seguindo pela margem esquerda até Tourencinho, Gralheira e, finalmente, Zimão, passando pela Capela de São Gonçalo.

As pequenas alegrias do Caminho
© Gonçalo Henriques (numpostal.com)

Foi junto à aldeia de Gralheira que o senhor Manuel Luís amavelmente me ofereceu um chapéu igual ao seu, que elogiei, com os dizeres “orgulho em ser transmontano”. Um pouco adiante, apanhei boleia no trator do senhor Fernando durante uns 200 metros.

O traçado continua em direção a Parada de Aguiar, topónimo que se refere ao acolhimento de peregrinos e viajantes que passavam por estas terras. Um trajeto alternativo será apanhar a ciclovia (antiga linha férrea) até à aldeia. O albergue fica a 600m do caminho, “já ali”, mas sempre a subir.

Vila Pouca de Aguiar: é conhecida pela sua Feira das Cebolas (final de setembro) e respetivo caldo. Situada em plena Serra do Alvão, na região do Alto Tâmega, Vila Pouca é rica em paisagens naturais, ar puro, mel sublime e outros produtos endógenos, como a castanha. Junto ao Caminho Português de Santiago Interior, entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas, destaca-se a aldeia de Vila Meã com uma capela dedicada a Santiago, padroeiro da localidade.

Etapa 8 Parada de Aguiar-Vidago (22,5 km, fácil)

Alguns peregrinos descrevem esta como a etapa mais bonita do caminho. O itinerário continua pelo vale até Vila Pouca de Aguiar, saindo pela Rua Doutor Bento Acácio Ribeiro, descendo até Cidadelhe e cruzando a ponte. Segue uma antiga estrada romana, devidamente sinalizada, até Pedras Salgadas, passando depois a ponte sobre o rio Avelames e continuando até Sabroso de Aguiar.

#Dica: exceto nos três meses de Inverno, a fonte de Pedras Salgadas está aberta ao público. A D. Goreti distribui um copo de água quente (de travo ferroso) diretamente da fonte aos visitantes, gratuitamente, mas apela sempre à compra de um souvenir.

O traçado atravessa a Estrada Nacional 2, desce a Reigás, continua paralelo à estrada até chegar a uma pequena subida da bifurcação para Oura, seguindo-se Salus e Vidago, já no concelho de Chaves. A pequena freguesia conhecida pelas suas águas não tem albergue e o quartel dos bombeiros deixou de acolher peregrinos, mas não faltam residenciais com preços simpáticos. Se se quiser mimar, depois de mais de 160 km palmilhados, e o orçamento permitir, pode sempre pernoitar no Vidago Palace.

Rostos do Caminho: o senhor Arlindo faz móveis.

Etapa 9 Vidago-Chaves (17,7 km, médio)

A penúltima etapa do Caminho Português de Santiago Interior, em território português, apresenta uma orientação bastante simples. Partindo de Vidago, o caminho continua até alcançar a Igreja neorromânica, seguindo até dar com a estrada nacional até Valverde, Pereira de Selão e Redial, onde encontramos uma Capela dedicada a Santiago.

Outros pontos de referência são Vila Nova da Veiga e Outeiro Jusão, onde a estrada conduz até Chaves.

Chaves: destaca-se a ponte de Trajano, um dos mais notáveis vestígios romanos em Portugal, a torre de menagem, a Igreja Santa Maria Maior (matriz) e o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. Mas o que mais gostei de visitar foram as termas romanas Aquae Flaviae, um espaço fabuloso inaugurado há poucos meses. Se for “carnívoro” – os vegetarianos ainda sofrem um bocado no interior do país – prove os famosos pastéis de Chaves.

Chaves é o último concelho do Caminho Português de Santiago Interior

Etapa 10 Chaves-Verín (29 km, sendo 14,5 km em Portugal)

A última etapa do Caminho em território português é feia, atravessando o parque industrial de Chaves e uma estrada movimentada, mas existem algumas alternativas. Ultrapassados esses arredores menos lisonjeiros, surgem pequenas aldeias raianas, com as habituais histórias de contrabandistas, e após entrada no país vizinho, pequenos pueblos vinhateiros, até Verín.

A fronteira entre Portugal e Espanha faz-se em Vilarelho da Raia, onde a Igreja paroquial tem uma pequena imagem do apóstolo Santiago.

Etapas em território espanhol

Atravessada a fronteira, faltam cerca de 182 km até alcançar Santiago de Compostela. Sobre o território espanhol, aconselhamos o website da Fundação Xacobeo, a partir do qual é possível elaborar um itinerário à medida, definindo a extensão máxima de cada jornada e o meio de transporte (a pé, de bicicleta, a cavalo), entre outros critérios.

Espreite ainda um artigo completo sobre a Catedral de Santiago de Compostela, do blog Destinos por onde Andei.

Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…

Antonio Machado

Onde dormir no Caminho Português de Santiago Interior

Os oito municípios envolvidos no projeto Caminho Português de Santiago Interior têm investido na criação de albergues para peregrinos, aproveitando os edifícios de antigas escolas primárias (o que permite um contacto muito próximo com os moradores das aldeias). Contudo, não se esperando que este seja um Caminho de massas, devido ao grau de exigência e localização, não espere uma rede de albergues públicos da mesma dimensão da que existe no Caminho Português Central ou da Costa.

Neste sentido, a Federação Portuguesa do Caminho de Santiago criou o selo de hospitalidade jacobeia, que distingue as unidades hoteleiras com práticas especiais de apoio ao peregrino. É o caso da Casa do Parente, em Sabroso de Aguiar (260 metros do Caminho), ou a Muralha Charm House em Lamego, com descontos para peregrinos credenciados.

Eis a lista de albergues existentes, até à data, no Caminho Português de Santiago Interior, lembrando que cada um possui um regulamento próprio e que é preciso ligar previamente, para garantir lugar e a presença da(o) alberguista para abrir a porta.

albergues de peregrinos
  • Viseu: Albergue de Farminhão (capacidade 12 pax, +351 914157529, 3€ pax), Albergue de Fontelo (capacidade 20 pax, +351 938052322, +351 966569600) e Albergue de Almargem (+351 962836335).
  • Castro Daire: Albergue de Ribolhos (capacidade 16 pax, +351 933942763) e Albergue de Moura Morta (capacidade 14 pax, 351 933942763). Este último ainda não está aberto ao público, o que deverá acontecer em breve.
  • Lamego: ainda não existe albergue, mas o município está a adaptar a escola de Magueijinha, na freguesia de Magueija, para o efeito (capacidade 20 pax). Por enquanto, disponibiliza o Centro de Estágios do complexo desportivo para acolher peregrinos (+351 254619403, +351 254090242).
  • Santa Marta de Penaguião: Albergue de Bertelo (capacidade 14 pax, +351 259969115)
  • Vila Real: não existem albergues.
  • Vila Pouca de Aguiar: Albergue de Parada de Aguiar (capacidade 10 pax, +351 259417030, + 351 966242586). Apesar de ter cozinha, não existe qualquer loja ou minimercado, devendo fazer compras 6 km antes, na aldeia de Tourencinho. Nós ficámos no Alvão Village & Camping, a alguns quilómetros do Caminho e muito próximos da Lagoa de Alvão, nuns bungalows inspirados nas casas castrejas.
  • Chaves: não existem albergues, sendo necessário procurar alojamento alternativo.
albergue para peregrinos em Castro Daire
Albergue da Moura Morta, concelho de Castro Daire.

Dicas práticas para o Caminho

Tal como acontece nas restantes rotas do Caminho de Santiago, a compostela é concedida a quem cumpra, pelo menos, os últimos 100 km a pé, ou os últimos 200 km de bicicleta/a cavalo. Se está a planear fazer um dos Caminhos de Santiago, recomendamos a leitura deste Guia de Conselhos ao Peregrino.

Credencial do Peregrino

Inspirada no documento/salvo-conduto que se entregava aos peregrinos medievais, a credencial de peregrino é uma espécie de “passaporte” a carimbar em cada etapa. A credencial não só comprova a condição de peregrino, como também dá acesso aos albergues, locais de assistência, descontos em unidades hoteleiras e restaurantes, entre outros.

Em Santiago de Compostela, o peregrino deve ir à Oficina do Peregrino apresentar a sua credencial com dois carimbos diários obrigatórios. Aqui recebe o último carimbo e a Compostela, que pressupõe a indulgência dos pecados, sendo que, em ano santo, essa indulgência é plena.

Pode adquirir a credencial de peregrino em:

  • Viseu – Loja Municipal de Turismo ou no Museu Almeida Moreira
  • Vila Real – Sé de Vila Real
  • Vila Pouca de Aguiar – Igreja Matriz de Vila Pouca de Aguiar
  • Chaves – Igreja de Santa Maria Maior (Igreja Matriz)

Para aqueles que pretendam antecipar a aquisição da credencial, existe a possibilidade de solicitar o envio pelo correio à Associação Espaço Jacobeus – Confraria de São Tiago, através do site oficial.

O maior perigo são os trilhos isolados

Segurança no Caminho do Interior

O Caminho Português de Santiago Interior é seguro, na medida em que não percorre estradas com tráfego rodoviário intenso. Na verdade, a maioria do trajeto faz-se em antigos caminhos medievais, trilhos rurais e ecopistas. Algumas das cidades portuguesas mais seguras, do ponto de vista de incidência de criminalidade, encontram-se localizadas precisamente ao longo do Caminho do Interior, entre Viseu e Chaves.

O principal desafio neste Caminho é a existência de troços extensos e um pouco isolados, em áreas não habitadas, por vezes, com baixa cobertura de rede móvel. Peregrinos que caminham sozinhos, devem ter consigo, a todo o momento, telemóvel com carga suficiente, e eventualmente uma bateria de reserva/powerbank.

Já tive a oportunidade de fazer também o Caminho Central, sozinha, e não senti o mínimo receio ou insegurança.

© Jorge Estêvão (lugaresincertos.com)

Mochila para fazer o Caminho

Uma última dica prática prende-se com a melhor amiga do peregrino: a mochila. No Caminho Português de Santiago Interior ainda não existe o serviço de transporte de bagagem, como acontece no Caminho Português tradicional. Portanto, leve apenas o indispensável, uma regra básica que vale a pena sublinhar, já que as pernas e as costas terão que carregar todo o peso da mochila.

O ideal é carregar até 10% do peso do corpo – o excesso de peso é a principal causa de tendinites e lesões dos peregrinos. Procure uma mochila de boa qualidade, impermeável e com capa de proteção da chuva, costuras duplas barrigueira acolchoada ajustável (evita a sobrecarga dos ombros) e alças acolchoadas, igualmente ajustáveis.

 O que não deve faltar na mochila: documentação pessoal e credencial de peregrino, molas da roupa, meias sem costuras, roupa interior, chinelos, escova e pasta de dentes, saco-cama, toalha em microfibra (secagem rápida), vaselina, sabão, protetor solar, saco pequeno para o lixo, impermeável, garrafa reutilizável, lenços de papel/papel higiénico e um pequeno estojo de primeiros socorros (com compeed para as bolhas, gel para dores musculares, anti-inflamatório, anti-pirético, agulha para furar bolhas, etc).

E a vida nas aldeias segue igual. O trator continua a abrir a terra, as ovelhas amontoam-se em frente ao cão-pastor, reformados sentam-se à soleira da porta, tentando guardar nos ossos os últimos raios de sol, homens e mulheres de mãos calejadas começam a vindimar de madrugada, os cães excitam-se à passagem dos (ainda) raros peregrinos.