Atualizado em 16 Janeiro, 2024

O Carnaval em Lazarim é um dos mais genuínos do país. Tem caretos de madeira, demónios e senhorinhas, caldo de farinha, tradição e catarse  

Um rosto demoníaco de chifres pontiagudos esgueira-se, sorrateiro, para junto de uma turista. O corpo está escondido num traje de ráfia. A jovem mulher volta-se, num susto, encarando a figura que parece saída dos seus terrores nocturnos.

Outras máscaras se misturam com a multidão, correndo e saltando, soltando urros. Umas são carrancudas, outras animalescas, acentuadas por orelhas bicudas, cornos afiados, pequenas barbichas, cobras ou sardões. Mas existem outras mais ou menos sorridentes. O que todas têm em comum? Estão despidas de cor, para honrarem a arte de quem as esculpiu, em madeira de amieiro.

Os caretos (masculinos) e as senhorinhas (personagens femininas) explicam porque Lazarim disputa, juntamente com Podence, o título do Entrudo mais tradicional do país. É verdade que os caretos de Podence, no distrito de Bragança, foram distinguidos como património imaterial pela UNESCO. Mas o Carnaval em Lazarim não é menos genuíno e as suas máscaras estão entre o melhor artesanato que se faz em Portugal.

caretos de Lazarim

As raízes carnavalescas da pequena Lazarim, aldeia com apenas 500 habitantes próxima de Lamego, são ancestrais e imersas em rituais pagãos. Talvez por isso o Estado Novo as tenha combatido, sem sucesso.

A clandestinidade das suas tradições sente-se até hoje: sob o anonimato da máscara, o Entrudo de Lazarim convida ao exagero. Mas se há relatos de antigos ajustes de contas e de perseguição das meninas solteiras, para as “chocalharem”, hoje os mascarados são mais esculturas vivas que ensaiam poses para as máquinas fotográficas.

Para saber mais sobre estas máscaras que povoam o Nordeste de Portugal, e os seus rituais, recomendamos uma visita ao Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, no remodelado solar dos Viscondes de Lazarim. A exposição permanente, de acesso gratuito, inclui trajes, máscaras e outros objectos relacionados com os Entrudos de Portugal e Espanha.

Centro Interpretativo da Máscara Ibérica

Programa do Carnaval de Lazarim

Em Lazarim, o essencial da festa realiza-se nos quatro dias anteriores ao Carnaval. Naqueles dias, a aldeia enche-se de actividades de promoção dos caretos, como o encontro com os artesãos (Sábado), o raid fotográfico e o desfile etnográfico (Domingo), com caretos locais e também convidados de fora, ao som de sonantes bombos.

Milhares de pessoas visitam a aldeia naqueles dias, mas é na Terça-feira gorda que Lazarim “rebenta pelas costuras”. Na tarde de Carnaval, as novas máscaras saem à rua, misturando-se com a multidão, antes da guerra dos testamentos. Sim porque o Carnaval em Lazarim, uma das mais curiosas festas populares portuguesas, está também associado ao ancestral jogo de rivalidade entre sexos.

As raparigas solteiras (comadres) apresentam o “testamento da burra”, uma crítica mordaz aos rapazes da aldeia. O texto brejeiro e picante não poupa críticas, como se as verdades tivessem sidos todas guardadas, pacientemente, para esta ocasião.

Carnaval de Lazarim

A resposta é dada pelo “testamento do burro”, dos compadres. O moço aperaltado, de patilhas bem marcadas e chapéu domingueiro, responde à altura com a sátira e caricatura dirigida ao sexo feminino. Estes testamentos burlescos e implacáveis não só arrancam gargalhadas aos visitantes, como fazem corar as pedras da calçada…

Mais tarde, um compadre e uma comadre de palha são queimados – este gesto simbólico de purificação, tão comum no Carnaval, dava uma tese de doutoramento -, antes do concurso de máscaras premiar os artesãos. Tudo termina em alegre convívio, ao final da tarde, quando se serve feijoada e caldo de farinha.

O banquete é gratuito, para moradores e visitantes, bastando para isso comprar a tigela ou caneca para provar as iguarias, feitas em panelas de ferro. O caldo, típico da região, é feito com farinha de milho, couves e enchidos de porco. A feijoada de feijão branco é igualmente farta em enchidos, entrecosto e orelha de porco. Tudo regado com o vinho tinto da região, para ajudar a afugentar o frio que caracteriza estes dias de folia.

folia de Carnaval

Dicas úteis para visitar Lazarim

Como chegar

Há alguns autocarros até Lamego, mas lembre-se que Lazarim fica a 12 km e não há ligações de transportes públicos muito regulares. O melhor é chegar de carro, e cedo, porque não há parques de estacionamento em Lazarim. Os carros vão sendo encostados à beira da estrada que conduz à aldeia. Há tours de vários pontos do país até Lazarim, sobretudo na terça-feira de Carnaval, o que se traduz em autocarros que dificultam o acesso.

Um aspecto negativo é a passagem de autocarros no centro da aldeia, em horários em que está apinhada de visitantes [a organização tem que pensar seriamente em alternativas mais seguras e cómodas].

Do Porto: Lazarim fica a cerca de 140 km do Porto. Siga pela auto-estrada A4 até Vila Real, depois IP3/A24 até Lamego, apanhando a saída 9 em direcção a Tarouca/Lamego/Moimenta da Beira. Siga pela estrada nacional 226 e depois estrada municipal 521.

De Lisboa: o caminho é mais longo (cerca de 340 km). Para o trajecto mais rápido, deve apanhar a auto-estrada para Norte até Coimbra, onde deve sair para o IP3. Cerca de 46 km depois, deve seguir pela saída 8 em direcção a N2/Bigorne até cortar à direita para a estrada municipal 521.

caretos à solta

O que fazer na região

Se puder estender a sua estadia para além dos dias do Entrudo de Lazarim, aproveite para explorar a serra e a aldeia de Mazes. Ali é possível fazer um percurso pedonal de 6 km que conduz à antiga Aldeia da Anta, onde encontrará cerca de meia centena de casas abandonadas, de granito e telhados de colmo, que são uma excelente ilustração da arquitectura rústica da região.

Não deixe de conhecer o belíssimo santuário dedicado a Nossa Senhora dos Remédios, que se ergue no monte de Santo Estevâo, em Lamego, e que se anima em romaria no final do mês de Agosto. Aproveite para provar as tradicionais bôlas, feitas de carne e enchidos: as mais famosas são vendidas na Casa das Bôlas, uma pastelaria que abriu portas em 1966 junto da Sé de Lamego.

Aproveite para explorar a belíssima região do Douro.

Santuário N. Senhora dos Remédios

Onde comer

Durante os quatro dias do programa de Carnaval, há tasquinhas com gastronomia regional e bancas que vendem doces típicos: doce teixeira, beijinhos, cavacas ou pão-de-ló. Na terça-feira ao final da tarde, há ainda a tradicional feijoada.

Nós almoçámos em Lamego e escolhemos o restaurante Vindouro com base nas críticas online. Não é dos mais económicos, mas é muito tranquilo, tem um bom serviço e a comida, não sendo excepcional, estava bem confeccionada e com uma apresentação esmerada. A refeição rondou os 67€ para 2 adultos e 1 criança: com entradas, prato principal (eu comi robalo, com puré de couve-flor e escabeche de legumes, o meu marido optou por fondant de alheira transmontana sobre manto de espinafres e o Pedro comeu um menu infantil), bebidas, duas sobremesas e cafés.

Onde dormir

Lazarim não tem hotéis, poderá ficar em Lamego ou noutras aldeias da região, seja em hotel, seja em unidades de turismo rural. Deixo uma opção bem perto de Lamego e do seu lindo santuário: os apartamentos Cantinho do Colégio.

Quem procura privacidade e não se importa de ficar num lugar mais isolado, vai gostar da Quinta de Recião junto da praia fluvial do rio Varosa, que conta com duas casas recuperadas com capacidade para 2 ou 4 pessoas. Outra opção mais próxima de Lamego é a Quinta da Timpeira, com uma vista magnífica e piscina exterior.

Não muito longe, junto do rio Douro há muitas e boas opções de alojamento, como seja o excepcional The Wine House Hotel – Quinta da Pacheca, onde pode dormir dentro de uma pipa de vinho, ou o Delfim Douro Hotel.