Atualizado em 10 Outubro, 2023

Visitar Angra, primeira capital histórica dos Açores, é fazer uma viagem de cinco séculos. Descubra o que fazer em Angra do Heroísmo, a cidadezinha do Atlântico cheia de cor que é Património Mundial da UNESCO

Era uma vez uma ilha perdida no meio do oceano Atlântico. Terceira terra encontrada por uns navegadores intrépidos do século XV, cuja inquietude os empurrara para o mar, recebeu, por isso, o nome (nada original) de Terceira, depois de um estágio inicial em que foi designada ilha de Jesus Cristo.

Aqui nasceu a primeira cidade do arquipélago dos Açores – Angra – distinção que recebeu em 1534 por causa da sua posição estratégica e do seu porto protegido (Angra significa “pequena baía”). A baía atraiu muitas naus, durante os séculos dourados dos Descobrimentos, e também corsários atrás das riquezas transportadas desde as Américas e a Índia.

A importância histórica de Angra revela-se até no fundo do mar, no Parque Arqueológico Subaquático da Baía de Angra do Heroísmo, onde jazem 40 âncoras centenárias, um “cemitério de âncoras”, e o navio Lidador que aqui naufragou a caminho do Brasil em 1878.

Importante entreposto comercial, a ilha tornou-se um símbolo de resistência contra o domínio filipino. Mais tarde, em 1830, Angra foi nomeada capital do reino, a única cidade portuguesa longe do continente a obter o título, enquanto D. Pedro IV organizava forças para reconquistar o trono.

A ilha voltaria a ganhar momentum durante a II Guerra Mundial graças à base militar das Lajes, onde os americanos mantêm um contingente até hoje, e está a reinventar-se como destino turístico no século XXI. Se é verdade que o melhor dos Açores reside na sua natureza, Angra do Heroísmo constitui a exceção que confirma a regra.

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vista de angra do heroismo

Ainda não escrevo “vitória, vitória, acabou-se a história” porque há muito que dizer sobre Angra do Heroísmo, capital da ilha Terceira e um dos dois únicos concelhos. A encantadora cidade portuária destaca-se da natureza circundante, com uma monumentalidade que lhe valeu a classificação da UNESCO como Património da Humanidade, três anos após um terremoto devastador (7.2 na escala de Richter).

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Venha descobrir Angra do Heroísmo, com dicas sobre o que visitar, fazer, onde dormir e comer na capital da ilha lilás. A cidade facilmente absorve dois dias completos de roteiro, sobretudo se quiser explorar os recantos do Monte Brasil e fazer observação de baleias e golfinhos/mergulho.  

#Nota: o fuso horário dos Açores é GMT-1, o que se traduz em uma hora a menos que em Portugal continental. Portanto, não se esqueça de atrasar o relógio

O que fazer em Angra do Heroísmo

Deambular pelo centro histórico

O centro histórico de Angra do Heroísmo é Património Mundial desde 1983, com a UNESCO a reconhecer o primoroso trabalho de reconstrução após o terremoto ocorrido a 1 de janeiro de 1980. É agradável flanar pelo centro histórico a pé, apesar de alguns desníveis mais exigentes, apreciando as fachadas coloridas, a calçada portuguesa e os mega calóricos doces tradicionais.

Sugiro que comece na Praça Velha, a praça mais conhecida, de traços renascentistas, apesar da origem medieval, onde encontra a Câmara Municipal. Uma das artérias que parte da praça é a Rua Direita – se quiser visitar o posto de turismo, é para lá que se deve dirigir.

Um dos monumentos incontornáveis do centro histórico é a Igreja do Santíssimo Salvador da Sé, atual catedral de Angra do Heroísmo e sede do bispado desde 1534, com duas torres coloridas. Considerada a maior construção religiosa de todo o arquipélago dos Açores, possui no interior um Museu de Arte Sacra, de entrada paga.

Outro ponto digno de interesse é o antigo Colégio Jesuíta, onde em tempos se lecionava os cursos de Letras, Filosofia e Teologia. Com o tempo e a expulsão dos jesuítas ditada pelo Marquês de Pombal, o complexo foi dividido entre o Palácio dos Capitães Gerais, símbolo do poder civil, e a  Igreja de Santo Inácio de Loyola, popularmente conhecida como Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Ambos os espaços foram musealizados e são visitáveis no verão, apesar do palácio ser uma das residências oficiais do Presidente do Governo Regional dos Açores. No interior da igreja destacam-se altares em talha dourada, maneiristas e barrocos, tábuas flamengas seiscentistas, imagens religiosas e azulejos do século seguinte.

Existem muitas outras igrejas e capelas no centro histórico de Angra do Heroísmo, nomeadamente o Convento de São Gonçalo (séc. XVI), o mais antigo da cidade e o maior do arquipélago, um tesouro barroco escondido por muros sóbrios.

Sé catedral de Angra de Heroísmo

Visitar o MAH – Museu de Angra do Heroísmo

Continuamos no centro histórico e numa igreja, ainda que convertida em museu. Se decidir incluir algum espaço musealizado no roteiro, deverá ser o MAH – Museu de Angra do Heroísmo, a funcionar no interior de um antigo convento franciscano do século XVII.

No piso térreo encontra alguns achados arqueológicos, um espaço dedicado ao empresário terceirense Frederico Vasconcelos, exposições temporárias e a Igreja de São Francisco, ou Igreja de Nossa Senhora da Guia, onde repousa Paulo da Gama, irmão do famoso descobridor do caminho marítimo para a Índia.

O verdadeiro museu dedicado à Terceira estende-se no piso superior e desenvolve-se em quatro momentos, que vão da descoberta e povoamento das ilhas até à contemporaneidade da região. A saber, O Conhecimento das Ilhas dos Açores (momento 1), Angra, Escala Universal do Mar Poente (momento 2), da Capitania Geral ao Liberalismo (momento 3) e a Formação do Contemporâneo (momento 4).

O MAH possui outros polos, como seja o Núcleo militar Baptista de Lima, instalado no antigo Hospital Militar da Boa Nova. Nós visitamos o espaço e não o apreciamos de todo, mas suponho que os fãs de história militar lhe possam achar piada.

museu de Angra do Heroismo

Descansar no Jardim Duque da Terceira

Mesmo ao lado do museu, ocupando as antigas hortas dos monges, existe um jardim ao estilo romântico português do século XIX, com cerca de 180 espécies exóticas “trazidas do novo mundo, fazendo dele quase que um completo Jardim Botânico”, para além de árvores centenárias como araucárias, tulipeiros, metrosideros, um raro eucalipto-limão e uma portentosa sumaúma de flores rosadas.

Plantas tropicais, semi-tropicais e até nórdicas, são emolduradas por pedras de basalto, que remetem para as origens vulcânicas da ilha. No jardim de baixo, de estilo francês, encontra um coreto, o espaço biblioteca e um pequeno lago.

Não me podia esquecer da glorieta de bronze e prata em homenagem ao autor romântico Almeida Garret, que viveu na ilha e redigiu o decreto de 1837, assinado por D. Maria II, que acrescentou “do Heroísmo” ao nome da cidade.

Antes ou depois de subir ao Alto da Memória (prepare as pernas), pare no restaurante-cafetaria Casa do Jardim, para comida orgânica, brunch ao sábado e uma vista simpática sobre o jardim. No Alto da Memória, onde outrora existiu o Castelo dos Moinhos, repousa hoje um obelisco que recorda a passagem do rei D. Pedro IV pela ilha.

Jardim Duque da Terceira

Explorar o Monte Brasil

vulcão adormecido que dá pelo nome Monte Brasil é uma reserva natural de 12 hectares e o maior cone de erupção vulcânica subaquática do arquipélago dos Açores.

O pulmão de Angra do Heroísmo é um lugar de vegetação exuberante, recantos secretos, com vários miradouros com vista para a cidade e o mar, uma colónia de gatos, uma família de veados (tivemos a felicidade de encontrar um dos seus membros), área de piqueniques e até uma vigia de baleias.

O Monte Brasil tem apenas uma entrada e saída, através da fortaleza espanhola do século XVI. Para fazer uma visita guiada na Fortaleza de São João Batista, um dos primeiros baluartes de Angra do Heroísmo, deve dirigir-se previamente ao pequeno Núcleo de História Militar Manuel Coelho Baptista de Lima.

A melhor forma de explorar o Monte Brasil é fazendo o trilho PRC04 TER de 7.4 km, circular, passando pelos miradouros Pico do Facho, Pico das Cruzinhas e Miradouro do Zimbreiro. Mais pormenores em Trilhos na ilha Terceira, Açores.

Vai ler em alguns sites que é possível fazer este percurso a pé, de bicicleta ou de carro. Na verdade, é possível conhecer vários destes locais de carro, mas não é possível fazer todo o percurso dessa forma. Alguns trechos poderão ser perigosos mesmo de bicicleta, devido ao grau de inclinação, sobretudo se houver alguma humidade.

vigia das baleias, na ilha Terceira Açores

#Nota: as visitas guiadas à fortaleza realizam-se de terça a domingo, às 10h00-12h00 e às 14h30-16h30, sendo necessário reservar previamente no museu militar.

Passear junto à marina

Voltámos à pedonal Rua Direita, eixo focal que outrora ligava o cais à casa do Capitão do Donatário. O antigo Porto das Pipas foi substituído pela atual marina, construída em 2004, de onde partem os barcos turísticos (foi dali que partimos para a nossa experiência de natação com golfinhos em alto mar). De resto, toda a região ribeirinha proporciona uma bela caminhada, passando pelo Pátio da Alfândega com as portas da cidade e estátua de Vasco da Gama, e pela linda igreja azul da Misericórdia.

Foi erguida ali uma estátua do navegador porque Vasco da Gama aportou na ilha em 1499, no seu regresso da sua primeira viagem à Índia, porque o irmão estava doente. Infelizmente, Paulo da Gama não sobreviveu e foi enterrado, segundo Damião de Góis, “numa cova rasa, sobre a qual foi colocada uma pedra de mármore com o seu nome; esta tumba fica no pórtico da sacristia da capela de Nossa Senhora da Guia”. Vasco da Gama terá ficado profundamente abalado com a morte do irmão e permaneceu na Terceira durante algumas semanas.

O olhar repousa ainda na linda Igreja da Misericórdia (século XVIII), toda azul, morada de um dos órgãos de António Xavier Machado e Cerveira [1756-1828], um dos mais notáveis mestres portugueses desta arte.

Fazer praia em Angra do Heroísmo

Não é preciso caminhar muito à beira mar, depois do pátio da alfândega, para chegar à popular Prainha, a única praia urbana de areia. Na verdade, as praias com areia são uma raridade nos Açores, a maior encontra-se na Praia da Vitória, o segundo concelho da ilha Terceira.

Assim, é provável que a Prainha tenha bastante gente, até porque a proteção do Monte Brasil e da marina significa águas calmas. Se viaja com crianças, saiba que sobranceiro à praia fica o Centro de Ciência Viva da cidade, instalado na antiga Casa do Peixe. Dedicado aos ecossistemas açorianos, o CCVAH possui um laboratório e vários postos para experiências de Física com atividades dirigidas aos mais novos.

No extremo oposto da praia, encontra uma loja com os tradicionais bordados dos Açores, embora existe outro espaço melhor para conhecer esta arte, à saída da cidade: a loja e centro interpretativo Bordado dos Açores (Avenida Tenente Coronel José Agostinho nº 31). Do outro lado do Monte Brasil, precisamente na direção da loja de bordados que acabei de mencionar e perto do hotel Caracol, encontra uma segunda zona balnear urbana, a Praia da Silveira, igualmente concorrida, mesmo sem areal.

Prainha de Angra do Heroísmo

Dicas úteis para visitar Angra do Heroísmo

Como chegar a Angra do Heroísmo

Angra do Heroísmo fica na costa sul da Terceira, uma das ilhas do grupo central, a mais 1500 km de Lisboa e 1100 km da Madeira. A partir de outras ilhas açorianas, apenas durante a época alta e dependendo da meteorologia, pode chegar de ferry com a Atlanticoline.

Para chegar a partir de Lisboa e Porto, pode optar entre um voo direto da Ryanair, TAP ou SATA Azores.  A SATA assegura ainda os voos internos nos Açores e ligações diretas para Espanha, Reino Unido, Países Baixos, EUA (Boston e Oakland) e Canadá.

O aeroporto Internacional das Lajes (TER) fica a cerca de 21 km de Angra do Heroísmo, sendo possível vencer essa distância com um transfer privado, táxi, autocarro da EVT ou carro alugado.

Quando visitar

A ilha Terceira e a sua capital, Angra do Heroísmo, têm sempre temperaturas amenas, de inverno (temperaturas médias de 13º C) ou verão (23º C), Porém, conte também com possibilidades de chuva, ainda que no verão, com as hortênsias floridas, a ilha fique linda e se perceba o cognome de “ilha lilás”. Nós visitámos em início de julho e tivemos alguns dias de chuva.

Para evitar deslocações desnecessárias, aconselho a alugar um carro e também a espreitar as câmaras da SpotAzores, para ver, em tempo real, as condições climatéricas em diferentes pontos da ilha.

Se quiser coincidir, ou evitar, as épocas festivas, saiba que há muitas festividades na Terceira. Em Angra, as mais sentidas são as Sanjoaninas (10 dias em junho) e as Festas do Divino Espírito Santo, que ocorrem nas oito semanas entre domingo de Páscoa e o domingo da Trindade.

Se é amante de música, saiba também que a cidade acolhe há mais de 20 anos o AngraJazz – Festival Internacional de Jazz de Angra de Heroísmo, sempre em data próxima do feriado de 5 de outubro.

Onde ficar – opções de alojamento

Para além da pousada instalada no Forte de São Sebastião (****), com fantásticas vistas para a marina, piscina para adultos e para crianças, recomendamos também o Angra Marina Hotel (*****), com quartos espaçosos, spa e piscina interior, o requintado Palácio Santa Catarina Hotel (****) com piscina exterior e estacionamento privado ou o Azoris Angra Garden (****), muito bem localizado, mas sem parque de estacionamento.

Entre as opções mais económicas, lista-se o Hotel Beira Mar (***), com boa relação qualidade-preço perto da Prainha, o Hotel Monte Brasil (**) renovado recentemente ou o Memória Boutique Hostel, com cozinha aberta aos hóspedes.

Comer em Angra do Heroísmo

Vou dar um spoiler alert, dizendo que pode contar com comida honesta, fresca, autêntica e deliciosa. Aliás, comemos tanto (demais) que tive que escrever o artigo Comer na ilha Terceira. Entre os restaurantes testados em Angra, especificamente, destaco a Tasca das Tias (Rua de São João) e a Taberna Roberto (EN3-1A, com a desvantagem de não ser no centro da cidade). Para rematar com um, ou vários, doces tradicionais, recomendo sem reservas a pastelaria O Forno (Rua de São João).

Este post sobre o que fazer em Angra do Heroísmo integra o projeto coletivo 8on8, que une diversos blogs sob um único tema, no dia 8 de cada mês. Outros participantes neste tema “UNESCO” são:

Chicas Lokas na Estrada: Rio de Janeiro, Capital Mundial da Arquitetura: 8 obras arquitetônicas para conhecer! – Let’s Fly Away: Pontos turísticos de Brasília: city tour na capital federalMulher Casada Viaja: Muralhas de Dubrovnik: Patrimônio Murado CroataTravel Tips Brasil: Paisagens Cariocas: 1 Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCOViajante Econômica: Vaticano, 8 dicas para facilitar sua visitaEntre Mochilas e Malinhas: Ouro Preto. 8 razões para visitar a principal cidade histórica de Minas