Atualizado em 10 Novembro, 2021

Cinzenta de neblina e granito, com um casario desorganizado e um sotaque áspero e vernacular que faz corar as pedras da calçada. Contudo, D. Pedro IV legou-lhe o seu coração. Percam-se connosco nas ruas estreitas e cheias de história da “Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta” cidade do Porto

Fez-se a partir do rio e do passado mercantil, tornou-se mundialmente famosa por causa do vinho, manteve-se bairrista e valente, a ponto de receber o epíteto acima, gravado em decreto real.

Hoje, a segunda maior cidade portuguesa permanece um exagero de popularidade, por razões diferentes. Com um centro histórico classificado pela UNESCO como património mundial há mais de 20 anos, a cidade foi distinguida como melhor destino europeu, pela terceira vez, em 2017. Mas o carismático burgo não precisa de prémios para nos prender pelo coração, tantos são os seus predicados.

Propomos um roteiro clássico de três dias, ideal para quem visita a cidade pela primeira vez, começando na região mais antiga, que concentra algumas das principais atracções: a Ribeira, a Ponte D. Luís, a Sé Catedral, o Palácio da Bolsa, a Estação de São Bento ou a Torre dos Clérigos.

Vamos lá?

Dia 1 – Património da Humanidade

Como todos os que chegam de comboio, quedamos mudos perante a beleza secular de S. Bento, considerada uma das 15 mais belas estações ferroviárias do mundo. O grande culpado foi Jorge Colaço e os seus 20 mil azulejos azuis e brancos. Os meus preferidos, sem surpresa, recordam momentos históricos: a cena da submissão de Egas Moniz e família perante o rei de Leão é inesquecível.

A uma distância percorrível a pé existem outros painéis de azulejos belíssimos: Igreja dos Congregados (ao lado de S. Bento), Igreja de Santo Ildefonso (Batalha), Capela das Almas (Rua de Santa Catarina) e Igreja do Carmo (Praça dos Leões).

Mas nós tomamos a direcção oposta, rumo à muralha medieval, dita fernandina porque foi terminada no século XIV durante o reinado de D. Fernando. Sacrificada nos idos de setecentos, por causa da expansão da cidade, sobreviveram alguns trechos, sendo este sobre a inexpugnável escarpa dos Guindais o mais impressionante, pois deixa vislumbrar as suas curvas de outrora. A passagem faz-se a partir da Igreja de Santa Clara mas, para nosso azar, obras de restauro impedem o acesso (motivo 1 para voltarmos).

Felizmente a Sé do Porto – uma das mais antigas do país – é logo ali. O recolhimento do edifício românico convida ao silêncio, contrastando com o burburinho do terreiro em frente, onde se destaca um pelourinho extravagante e a vista magnífica sobre o rio.

Tomamos agora a linda e renovada Rua das Flores, desembocamos no Largo de S. Domingos e chegamos, pouco depois, à Praça do Infante D. Henrique (que nasceu na cidade), para conhecermos o edifício mais visitado do Porto: o Palácio da Bolsa.

Construído em meados do século XIX, sobre as ruínas de um antigo convento, por iniciativa e a expensas da Associação Comercial do Porto, o edifício acolheu a bolsa de valores até à década de 90, quando passou a funcionar apenas em Lisboa.

A fachada severa esconde um interior luxuoso que o Pátio das Nações – um hino às relações comerciais – deixa antever. O nosso olhar dirige-se para a impressionante cúpula de ferro e vidro, de Tomás Soller, caindo depois nos 20 brasões dos países com os quais Portugal mantinha relações de amizade e de comércio.

Seguindo pela magnífica escadaria de mármore e granito, dominada por dois lustres de ferro que pesam tonelada e meia cada, somos conduzidos até ao piso de cima onde outras salas surpreendentes nos esperam. Por exemplo, a antiga sala de audiências do Tribunal do Comércio e (pausa dramática) o superlativo Salão Árabe, inspirado no Palácio de Alhambra, em Granada.

A sala de inspiração mourisca espanta pelos muitos detalhes em ouro e pela caligrafia árabe. As inscrições repetem-se pelas paredes: “Glória a Alá”, “Alá guarda a Califa Miriam II” (D. Maria II, que autorizou a construção da sala) e “Alá acima de tudo”. Planeiam um casamento? Saibam que podem alugar o salão por algumas horas pela módica quantia de sete mil euros (valor em Janeiro de 2018).

A riqueza do património portuense continua no templo vizinho, a Igreja de S. Francisco de Assis, chamada “igreja de ouro” por causa da sumptuosidade da talha barroca que cobre por completo a estrutura gótica. São duzentos quilos de ouro distribuídos pelo altar, coluna e pilares… Há quem fale de 600 kg de ouro, mas a Venerável Ordem Terceira de S. Francisco remete-se ao silêncio sobre o assunto. Nas catacumbas, o pequeno explorador arregala os olhos perante as sepulturas que cobrem as paredes.

Fugimos da morte, para nos perdermos nas ruas “sujas e gastas” cantadas por Rui Veloso. A sombra de um gato vadio projecta-se no chão à nossa frente. Levantamos os olhos e ei-lo no topo de uma viela estreita onde, pelas portas entreabertas, recebemos breves lampejos de muitas vidas. Este é apenas uma das muitas faces do burgo que deu o nome a Portugal.

O declive da Bataria da Vitória quase nos vence, mas não dou parte de fraca e ainda animo o Pedrito: coragem! No fim da ladeira, o esforço é amplamente recompensado pelo miradouro, porventura pertencente ao sobranceiro e decrépito casarão, com vista sobre o rio Douro.

Na verdade a subida ainda não terminou, mas novas energias nos sustentam, graças à retemperadora pausa e magnífica paisagem. E eis-nos em pleno largo Amor de Perdição, onde o nome da cidade em letras garrafais e azuis (em homenagem ao maior clube e, quero acreditar, aos seus lindos azulejos) disputa a atenção dos turistas.

Ali fica o Centro Português de Fotografia, de que falaremos num futuro post, e o Jardim da Cordoaria onde descansamos, sob os plátanos deformados, antes de avançarmos impetuosos sobre mais dois clássicos da cidade: a Torre dos Clérigos e a Livraria Lello.

O pequeno explorador a admirar o interior da livraria Lello.

A Torre dos Clérigos marca a paisagem da cidade com os seus 75 metros de altura. O que significa? Escadas. Mais de 220, parece-me. Mas nem só do miradouro se fazem os Clérigos, que inclui também uma Igreja projectada pelo italiano Nicolai Nasoni no século XVIII. Vale a pena uma breve visita ao museu e sobretudo uma subida até ao Coro Alto para a mais bela perspectiva do templo.

Depois há a Lello, obrigatória, a catedral do saber não deixa ninguém indiferente. A empresa foi fundada por Ernesto Chardron, o primeiro editor a publicar grande parte das obras de Camilo Castelo Branco. Depois, foi comprada pelos irmãos Lello (1894) que inauguraram o famoso edifício na Rua das Carmelitas em 1906. Se a fachada neogótica é bela, com as figuras da Arte e da Ciência a abençoar os visitantes, é no aconchego do interior que ficamos para sempre apaixonados, não só pela famosa escadaria que terá inspirado a autora de Harry Potter, mas também pelo maravilhoso tecto de vitrais do primeiro piso.

A uma rua de distância fica outra preciosidade: a centenária loja Mattos & Companhia.  A linha vintage nota-se logo no piso térreo, mas é n’ A Vida Portuguesa (primeiro andar), que percebemos por que a loja anda nas bocas do mundo. Marcas antigas, artigos de perfumaria, faiança, fisgas e piões de madeira, marmelada e mel, tudo o mais que imaginar com uma única regra – ser 100% português [actualização: a loja fechou, mantendo apenas três lojas abertas em Lisboa].

Sé Catedral  site | Entrada paga para os claustros e museu, entrada gratuita na Igreja | Horário igreja: 9h00-12h30 e 14h30-18h00 (inverno)

Palácio da Bolsa site |Horário: todos os dias 09h00 – 12h30, 14h00 – 17h30 (Inverno) | Bilhete para visita guiada: 9€ (adulto), grátis (crianças até 12 anos), 5,5€ (estudantes e seniores)| Dica: apresentando o bilhete de comboio beneficia-se de um desconto de 25%. O meu bilhete ficou por 6,75€.

Igreja de S. Francisco de Assis site |Horário: todos os dias 09h00-17h30 (Inverno) | Bilhete: 6€ (adulto), grátis (crianças até aos 12 anos)

Torre dos Clérigos site | Horário: todos os dias 9h00-19h00, excepto época natalícia| Bilhete para torre+museu: 4€ (adultos), grátis (crianças até aos 10 anos)

Livraria Lello site | Horário: todos os dias 10h00-19h30 | Bilhete: 4€ que será abatido no pagamento de qualquer livro

 

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