Atualizado em 10 Novembro, 2021

Os petiscos, as epifanias gastronómicas e também os desastres. Só não contamos as calorias para não ficarmos deprimidos

Quando o mítico Anthony Bourdain visitou o Porto pela última vez, um dos lugares que visitou foi o Mercado do Bolhão, onde duas vendedoras atrevidas, no seu vernáculo característico, lembraram o ditado sobre os “apêndices” diminutos dos homens muito altos, obrigando-o a corar como um adolescente.

Bourdain não foi ao Bolhão para comer, mas para sentir o pulsar da cidade num lugar histórico – hoje em remodelação, devido à degradação do edifício construído durante a I Guerra Mundial, os vendedores mudaram para um mercado temporário, ali próximo – onde os restaurantes compram os ingredientes para a francesinha.

Mas ainda é cedo para falar da mais famosa iguaria do Porto. Antes damos um saltinho à belle époque, em plena rua de Santa Catarina. Tomar um cimbalino (café) no Majestic é recuar aos anos 20, quando artistas e intelectuais elevaram o café ao patamar filosófico. O Majestic é reconhecido como um dos cafés mais bonitos do mundo, mas a arquitectura art noveau, as toalhas de linho e o ambiente luxuoso pagam-se. Um simples café custa 4€ ou 5€, pelo que ainda não será hoje que provaremos a especialidade da casa: rabanadas com doce de ovos e frutos secos.

Para esquecer os preços proibitivos, recordemos alguns ilustres que por aqui passaram, de Jacques Chirac ao aviador Gago Coutinho, do literato Teixeira de Pascoaes ao talentoso Júlio de Resende.

Hora de almoço na invicta

Depois de horas a palmilhar a cidade invicta – recordem o nosso roteiro de 3 dias aqui e aqui -, acalmamos os roncos do estômago no LSD, um restaurante da moda que nada tem de alucinogénico, abrevia apenas a localização: Largo de São Domingos.

Depois de uma entrada de queijo brie panado com mel, lanço-me sobre um bacalhau que repousa num creme de ervilhas aveludado, acompanhado de chips artesanais. O Pedro come a sopa toda, como bom menino que é, antes de ter direito a bife e batatas fritas e uma bola de gelado de framboesa (menu infantil: 13€, preços de 2019).

Pequenas falhas mancharam o serviço: o ovo cozido a frio que devia coroar o meu bacalhau não correu bem e, como temos o tempo contado (visita guiada no Palácio da Bolsa às 14h00), não completou o prato. As batatas fritas do menu infantil vinham frias, o que considero imperdoável, e a minha sobremesa era demasiado doce.

Esperava mais do LSD, tendo em conta as críticas e a média de preços. Salvou-o a simpatia da funcionária e a tranquilidade da sala, mesmo ao domingo. Depois disso, experimentei o restaurante Traça, praticamente vizinho, e a experiência foi mais simpática e económica. Apesar de já ter lido críticas menos boas e do menu a la carte ser caro, o menu do dia é razoável e o edifício muito giro (ainda guarda detalhes da antiga drogaria que ali funcionou).

Uma opção muito interessante para almoçar na cidade invicta é a Cantina 32, na renovada Rua das Flores. A decoração do espaço é super gira, num estilo industrial chique, mas o melhor é mesmo o conceito de partilha que ali se vive, com mesas comunitárias. Aconselho que chegue cedo, porque há (quase) sempre fila à porta.

Nós começámos com uns cogumelos portobelo com queijo de cabra caramelizado, seguidos de um bife de atum com molho de coentros, ananás e malagueta (o meu marido optou pela carne). Tudo estava maravilhoso e já não houve barriga para a sobremesa… mas ainda pisquei o olho ao bolo de chocolate da vizinha, que é vendido a metro!

Outra alternativa seria a sandes de carne e linguiça coberta de queijo derretido e regada com molho picante que todos associamos ao Porto: a francesinha. Digeridas duas ou três, junte-se ao desporto favorito dos portuenses, que é debater a francesinha, assunto que dá pano para mangas.

Não como uma há mais de dois anos (quando eliminei a carne) mas ainda me lembro das francesinhas memoráveis do Capa Negra e do Cufra.

A famosa francesinha.

Doces momentos, a qualquer hora

As calorias multiplicam ao quadrado a meio da tarde, na Leitaria da Quinta do Paço, onde se comem os melhores éclairs do mundo. Criada em 1920 para vender leite e derivados, criou um chantilly que coloca os éclairs no Olimpo dos doces. A massa é estaladiça na medida certa, o recheio suave e depois (pausa dramática) há as coberturas. As minhas favoritas são as de limão e as de caramelo, porque o toque ácido e salgado, respectivamente, equilibram a doçura.

Gostei tanto que voltámos várias vezes e até almoçámos por lá – sandes de atum e rúcula e sopa quentinha – depois de uma experiência desastrosa na Miss Pavlova, onde o mau atendimento, depois de 15 minutos ao frio à espera da abertura, fez com que nos levantássemos sem sequer fazer o pedido. Fiquei com pena, porque queria provar a sobremesa que dá nome à casa e porque fica nos fundos de uma loja vintage super fofa.

Os éclairs da Leitaria da Quinta do Paço.

Comfort food no distrito das artes

O que pode ser melhor do que aquecer o corpo e a alma com comida caseira num frio e chuvoso dia de Inverno? Foi o que fizemos na Casa Diogo, ali na super trendy área artística da cidade, o art district faz parte do nosso roteiro Porto sem gastar um tostão.

A Casa Diogo é uma pequena mercearia gourmet criada pelo casal João Paulo e Rita que, para além de biscoitos artesanais (da fábrica da família nascida em 1900), vende produtos biológicos e especialidades transmontanas como alheiras, pão, queijo ou vinho.

O espaço tem um menu de almoço por 12€ que inclui sopa, prato principal, bebida e café (ou prato principal por apenas 6€). A sopa de curgete que nos serviram estava tão saborosa que conseguiu remeter o frio e a chuva para um recanto remoto do cérebro. O arroz de feijão com pataniscas também estava irrepreensível.

E o espaço é tão amoroso, cada móvel com a sua história, começando pelo balcão da mercearia onde um dia o avô do João Paulo pesou a massa dos biscoitos e o próprio dormiu, num dos gavetões, enquanto bebé. Os móveis antigos repetem-se nas duas salinhas dos fundos, parece que entramos na sala de jantar da nossa avó, com naperons de crochet em cima da mesa.

Sopa quente e pão transmontano no forno com azeite. Oh, manjar dos deuses

O mais impactante? Sentir que o casal faz realmente parte da comunidade. A certa altura, uma vizinha idosa veio chamar o gerente da Casa Diogo porque o marido de 80 anos caíra, mais uma vez, da cama…

Terminamos esta espécie de roteiro gastronómico perto da Casa da Música, onde tivemos o prazer de dormir (Porto Music Guest House), com um jantar light, para apaziguar a consciência pesada por tanta comilança, no Mercado do Bom Sucesso, um espaço animado que me recordou os mercados madrilenos.

As opções gastronómicas são bem diversificadas –  pelo tamanho da fila, imagino que as sandes de leitão sejam boas. Nós optamos pelo Da Terra, uma rede de restaurantes vegetarianos que tem sempre um buffet muito saudável e saboroso. Às vezes tudo o que queremos é comida simples, que já conhecemos.

E vocês leitores, em que mesas foram felizes durante uma visita ao Porto? Acrescentem aí nos comentários.