Atualizado em 10 Novembro, 2021

Continuamos na cidade que dá nome à nação. Portus Cale romana que virou condado e depois se fez Portugal. Cidade invicta, invencível, nunca dominada, de bravos “tripeiros” que se levantaram pelo liberalismo e a quem D. Pedro IV ofereceu o coração

Já vos tinha falado nisso, acharam porventura que era lenda? Nada disso. Na Avenida da Liberdade, ali colada aos Aliados onde toda a cidade se junta para festa ou manifestação, há uma imponente estátua do dito rei e imperador do Brasil. Na sua base, um relevo em bronze recorda a cerimónia: o presidente da Câmara, enlutado, recebe o coração real das mãos do coronel Baltasar de Almeida Pimentel, amigo pessoal e camareiro do monarca.

A história resume-se em dois parágrafos. Horas antes de morrer no palácio de Queluz, D. Pedro chamou a imperatriz, D. Amélia, a quem declarou o desejo de que o seu coração embalsamado fosse entregue à cidade, como reconhecimento pela dedicação durante o Cerco do Porto.

Mas, onde colocá-lo? Na Sé, o templo mais emblemático da cidade? Na Serra do Pilar por ter sido ali que se fez a verdadeira defesa da cidade? Na Igreja da Lapa, ordenou a viúva, por ser lá que o rei assistia à missa. Assim se fez. Mas a chave do mausoléu está no gabinete do presidente da Câmara, porque o real coração pertence à cidade.

É em frente dos Paços do Concelho, com o seu relógio de carrilhão e um letrado guardião (Almeida Garrett), que partimos neste segundo dia, descendo a avenida histórica que parece uma montra vaidosa da arquitectura da cidade.

Dia 2 Porto de ouro (no mapa a azul)

A cidade nasceu no e pelo Douro. Como tão bem sublinhou o nosso Saramago, o Porto é, primeiro que tudo, um “largo regaço aberto do rio”.

Na zona ribeirinha conhecemos outra cidade, das pontes, de Eiffel e dos seus discípulos. Atravessamos a mais emblemática, a Ponte Luís I, um admirável trabalho de filigrana em ferro desenhado por Théophile Seyrig no século XIX. Na outra margem, o Mosteiro da Serra do Pilar aguarda-nos, tímido, entre a neblina, como se fôssemos um D. Sebastião regressado do ultramar ou do mundo dos mortos.

Apesar de pertencer a Vila Nova de Gaia, o mosteiro está incluído na região classificada pela Unesco como património mundial. Determo-nos ali num momento de contemplação serve para nos (re)apaixonarmos pelo Porto de prédios esguios, varandas de ferro e roupa a secar nas janelas.

Entre o Porto e Vila Nova de Gaia, um rio de ouro que pariu a mais velha região demarcada vinícola do mundo (leiam também Douro, a região vinícola demarcada mais velhinha do mundo). Um vinho que chegava em belos barcos rabelos para repousarem nas caves – Sandeman, Quevedo, Taylors, Ramos Pinto, Offley, Porto Calém… – e que uniu as duas margens. De um lado envelhecia-se o dito, do outro vendia-se o néctar para todo o mundo.

Imperdoável não visitar um desses 15 templos de Baco, pelo que subimos a ladeira em busca da Taylor’s.

A manhã adoça-se com um vinho do Porto, branco e seco, que nos servem como aperitivo. As caves longas, escuras e húmidas (80% de humidade, cuidadosamente controlada), estão repletas de pipas de carvalho. Ao fundo do corredor, a coroar o caminho, um barril gigante de 20 mil litros, onde muitos gostariam de se afogar. No final da visita, repetem-se as libações: um cálice de ruby e outro de tawny, que alimentam minutos infindáveis de conversa. Até porque está muito frio na rua.

Outro programa imperdível do outro lado do rio é o World of Wine, um quarteirão cultural que nasceu no Verão de 2020, em pleno ano de pandemia, inspirada no néctar de baco. Nós escrevemos um artigo específico sobre o espaço, que pode ler em WOW – World of Wine em Gaia.

Quem vem de bicicleta desde o cais de Gaia pela ecovia Linha Azul, passando pela comunidade de pescadores de S. Pedro da Afurada, sítio fantástico para almoçar, encontra a reserva natural do Estuário do Douro, uma espécie de estação de serviço para as aves migratórias. Há dois observatórios que permitem a observação de rolas-do-mar, guarda-rios, corvos marinhos, maçaricos-de-bico-direito, vários tipos de garças e gaivotas (dependendo da altura do ano).

Se houver forças para pedalar, recomendo vivamente fazer mais 12,5 km à beira-mar até à Capela do Senhor da Pedra, em Miragaia.

Ao longe não passa de um ponto branco mas, a cada curva que passa, distinguimos mais claramente a pequena capela incrustada em rochedos fustigados pelas ondas. A fama vem de longe: diz-se que o Senhor da Pedra era um altar pagão. Como templo cristão, já celebrou quatro séculos e continua a inspirar pescadores, poetas e as lendas mais peculiares, com pozinhos de bruxaria.

De regresso ao cais de Gaia, nada como um fim de tarde no Jardim do Morro, no sopé da Serra do Pilar, sobretudo se o tempo estiver ameno. E no Verão, há sempre o Beer Sunset com um ambiente super cool e um lindo pôr-do-sol.

Dia 3 Ribeira-Foz-Boavista (no mapa a roxo)

Alguns portuenses não me vão perdoar por dedicar um dia inteiro a Gaia mas, para além de ser indissociável do Porto e do seu vinho, a cidade tem lugares belíssimos e menos turísticos. Para me redimir, regressamos à colmeia colorida que é a Ribeira, com as casas típicas, os restaurantes, os bares, um carácter muito genuíno.

Francesinha

Para beber todo este ambiente, nada como ver o rio de perto, num pequeno cruzeiro que passa, minúsculo, sob as pontes do Freixo, S. João, D. Maria e Infante, por esta ordem. Ou simplesmente sentar-se numa esplanada e deixar passar as horas num doce enlevo.

Quem se aventura na beira-rio em direcção à Foz, vai desvendando outros lugares peculiares: o edifício da alfândega, o museu dos Descobrimentos, o lugar onde tropas portuguesas e britânicas atravessaram o rio em 1809 com a ajuda de um comerciante do Porto, para ir escorraçar as tropas francesas de Soult na outra margem (assinalado por uma placa), o monumento aos tripeiros…

Um descanso merecido ali no Jardim do Passeio Alegre e eis que que o Douro se funde no mar. O Forte de S. João Baptista anuncia a chegada à Foz, uma das zonas mais caras da cidade. E já que aqui estamos, o Cufra II é já ali, para quem quiser comer uma bela francesinha com vista para o mar.

Resta-nos uma tarde, que pode ser belamente passada num dos jardins da cidade (Serralves, Palácio de Cristal, Jardim Botânico, Parque da Cidade…), sem grandes cansaços porque não nos queremos despedir do Porto sem um espectáculo na Casa da Música.

O estranho edifício concebido pelo holandês Rem Koolhaas – um dos três Pritzker da cidade, a par de Souto de Moura e Siza Vieira – durante o Porto 2001 Capital Europeia da Cultura já é tão importante na rotunda da Boavista como o monumento da Guerra Peninsular.

Este último – que recorda a bravura dos portuenses durante as invasões francesas – merece uma observação mais atenta. No alto dos seus 45 metros, um grande leão (símbolo da bandeira inglesa) submete a águia napoleónica, recordando para sempre que a cidade invicta não se deixa conquistar. Pelo contrário, ela conquista.

Se alguns notáveis detestavam o Porto – “Pançudo e pesado”, dizia Eça de Queiroz, enquanto entalava o monóculo; “Tão carregado de província que nem os arredores de Braga” acrescentava Teixeira de Pascoaes – muitos outros lhe fizeram a corte. Foi o caso de Jaime Cortezão, Miguel Torga, Jorge de Sena ou Agustina Bessa-Luís. Eu junto-me a estes últimos e rendo-me à mui nobre cidade do Porto.

Câmara Municipal site | Visitas guiadas no primeiro domingo do mês | Marcação pelo telefone: (+351) 222 090 400

Mosteiro da Serra do Pilar site | Horário: ter-dom 10h00-17h30 (Outubro a Março), 10h00-18h30 (Abril a Setembro) | Bilhete: 4€ mosteiro, exposição e subida ao zimbório (adulto), grátis (crianças até aos 12 anos)

Taylor’s site | Horário: todos os dias 10h-18h | Preço: 15€/pessoa: áudio-tour + prova de vinhos do Porto // 6€: crianças (a partir dos 8 anos, inclusive) para áudio-tour, com sumo de uva e bolachas

WOW – World of Wine site | Horário: 12h00-19h00 (dias úteis), 10h00-19h00 (fins-de-semana), o Pink Palace tem horário diferente | preços a partir dos 17€ por museu/adulto. Consulte o site para descontos especiais, como multipacks.

Exemplo de cruzeiro aqui | Partidas de hora a hora das 11h-15h (Inverno) e 10h-18h30 (Verão) | Bilhete: 15€ (adulto), 7,5€ (crianças entre os 4 e os 12 anos)

Casa da Música: pode consultar a programação artística aqui