Atualizado em 27 Fevereiro, 2023

A aldeia de Pitões das Júnias é o ponto de partida para um trilho no Parque Nacional de Peneda-Gerês com direito a ruínas misteriosas, cascata e paisagens bucólicas com vaquinhas a pastar.   

A ruralidade de Pitões das Júnias é mágica. A pequena aldeia na fronteira com Espanha tem forno comunitário, a corte do “boi do povo” e vacas a pastarem sozinhas. Algumas permanecem meses nas montanhas, convivendo apenas com enigmas e lendas. Outras, as que pariram há pouco tempo, voltam ao curral no final do dia, para junto dos vitelos, oferecendo um concerto de chocalhos a quem as vê passar.

Um dos pastores espera o gado à entrada da aldeia e demora-se, na conversa com os forasteiros. O pequeno explorador está tão encantado com os animais, que o senhor lhe oferece trabalho, dizendo, com ar ponderado, que precisa de um ajudante.

– Como é que elas sabem que está na hora de voltarem para casa?

São inteligentes – responde o pastor, que viveu 40 anos para os lados de Lisboa, regressando às raízes após a morte da esposa.

E como é que sabe quais são as suas vacas? – pergunta ainda o Pedro, vendo outra manada que se mistura, no seu percurso até à nascente, para matar a sede antes do regresso. O pastor ri-se perante tamanho disparate. Na verdade, elas estão marcadas nas orelhas, mas não é preciso tanto para as distinguir.

Conheço cada uma delas desde que nasceram.

vacas à entrada da aldeia

Rodeada por montanhas magníficas, que protegem este cenário bucólico, Pitões das Júnias é feita de gente que se orgulha da sua identidade e das suas tradições. O Inverno rigoroso, a distância e emigração mantiveram pequena esta que é uma das aldeias mais altas (1100 metros) e genuínas do Gerês.

Isolamento e natureza é tudo o que procuramos por estes dias. Portanto, manhã bem cedo, iniciamos o trilho que liga a aldeia ao Mosteiro de Santa Maria das Júnias e à cascata homónima, um dos mais conhecidos percursos pedestres do Parque Nacional de Peneda-Gerês. Não se recomenda aos visitantes que se embrenhem sozinhos no Gerês, mas este é um percurso circular e pequeno, com cerca de 4 km, pelo que as hipóteses de nos perdermos são diminutas.

Percurso pedestre de Pitões das Júnias

O percurso começa junto ao cemitério e à Capela do Anjo da Guarda, onde há bastante espaço para estacionar. A pequena rota tem como pano de fundo o relevo do Gerês, o planalto da Mourela e um extenso vale.  

O trilho de cascalho e pedras desce, em ziguezague, até ao Mosteiro de Santa Maria das Júnias, a meros 2 km da aldeia. Apesar do calor abrasador das últimas semanas, ainda há urze a colorir a paisagem.

Encontramos o mosteiro camuflado, junto ao pequeno ribeiro de Campesino, que alimenta o vale e oferece o som tranquilizante da água que segue o seu rumo, libertando-se das margens adiante, numa cascata com cerca de 40 metros. Mas antes de pensarmos nisso, é imperioso apreciar as enigmáticas ruínas do mosteiro cisterciense mais isolado que se tem conhecimento, destino a uma vida ascética de reclusão.

vista rural

Exploramos tranquilamente as ruínas, identificando a igreja e o cemitério (não visitáveis), o portal gótico com dois animais de guarda, um imponente forno, arcos que restam de um claustro românico. Miguel Torga – que palmilhou o Portugal real, pobre e humilde – também esteve aqui e cantou este lugar:

Só vistas a aspereza deste ermo e a pobreza do mosteiro desmantelado. Mas canta dia e noite, a correr encostado às fundações do velho cenóbio beneditino, um ribeiro lustral. E o asceta e o poeta que se degladiam em mim, de há muito peregrinos desta solidão, mais uma vez se conciliam no mesmo impulso purificador, a invejar os monges felizes que aqui humildemente penitenciaram o corpo rebelde e pacificaram a alma atormentada.

(Miguel Torga in Diario XIV, p. 62)

Tudo parece adormecido, como num conto de fadas, mas há muita vida à nossa volta. Felizmente não tivemos nenhum encontro com um licranço, um lagarto-de-água ou, sobretudo, um sardão, o maior lagarto em Portugal, que pode atingir 80 cm a um metro. Tampouco nos cruzámos com a cobra-rateira, uma das maiores da Europa, ou a cobra-de-água-viperina tão comum nas linhas de água. São todas inofensivas, ah, mas o susto que seria!

mosteiro de Santa Maria das Júnias
ruínas do mosteiro em Pitões das Júnias
O aviso não deixa grandes dúvidas sobre o estado de conservação.

Subimos novamente até ao trilho que nos levará não até à cascata, mas a um miradouro com vista para ela. O percurso está bem marcado, um pouco adiante grandes lajes de granito desembocam num passadiço, actualmente em manutenção. O miradouro de madeira também desapareceu com as obras. Ainda assim, com cuidados extra, é possível chegar ao local de onde se vê a vertiginosa cascata, que cai dramaticamente entre as rochas, mais imponente no Inverno (obviamente).

O passadiço com escadas facilitaria o regresso, algo exigente, mas no final há uma pequena levada para nos refrescarmos, mais uma vez, sem encontros com cobras e lagartos. O regresso à aldeia faz-se por um antigo caminho rural e com uma fome de lobo.

Recorde outro trilho: Da Ecovia do Vez aos Passadiços do Sistelo

passadiços em manutenção

Informações gerais sobre o trilho

  • Local de partida e chegada: junto ao cemitério de Pitões das Júnias / mais perto do centro da aldeia 
  • Extensão aproximada: 4 km
  • Duração média: 2 horas. O departamento de geologia da Universidade do Minho propõe uma série de actividades que permite estar atento à paisagem de uma forma mais científica, mas também aumenta consideravelmente a duração do percurso, o que pode não ser desejado em dias de muito calor.
  • Dificuldade: média. Uma vez que parte do percurso apresenta piso muito irregular, não é aconselhado a crianças pequenas (o meu filho tem 12 anos e fez o trilho sem problemas), idosos ou pessoas com dificuldades de locomoção.
  • Altitude máxima e mínima: 1132 m / 950 m
  • Época aconselhada: Primavera e Outono. No Verão as temperaturas podem ser muito elevadas – neste caso, aconselhamos a fazer o trilho de manhã bem cedo, e no Inverno pode encontrar tudo coberto de neve.
cascata de Pitões das Júnias

fim do trilho

O que fazer na aldeia, para além do trilho

Acho que já vos disse, mas repito, Pitões das Júnias tem um dos ambientes rurais mais autênticos do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Esta aldeia pitoresca em terras de Barroso permite regressarmos às nossas raízes mais tradicionais, apreciar o silêncio e o isolamento. Se procura turismo na natureza, saiba que da aldeia partem vários trilhos – para além do que fizemos – com todos os graus de dificuldade. Em percursos mais longos é até possível pernoitar em abrigos de montanha.

Mas a própria aldeia merece um passeio tranquilo, para deambular entre as casas de granito e conhecer as regras comunitárias que os pitonenses seguiam. Dessa herança resta os espigueiros (que aqui se chamam canastros), o forno comunitário, onde ainda se coze pão de vez em quando, e a corte do “boi do povo”, actual pólo do Ecomuseu do Barroso.

Vale a pena saber mais sobre a tradição ancestral e pagã do “boi do povo”. Como o nome denuncia, o animal era propriedade colectiva da aldeia e mais rico que muitos dos seus habitantes. O boi tinha um pastor, pago por todos, e era alimentado a gemadas de cerveja, para que inundasse “as vacas de sémen, as moças de esperança, os moços de certeza e a senilidade de gratas recordações” (afirmou, ainda, Miguel Torga). O boi cobria as vacas na rua, para quem quisesse assistir, ao anoitecer. Indiscreto, não?

Durante o passeio, poderá ver a albufeira da Barragem de Paradela a espreitar entre as casas e, o melhor de tudo, meter conversa com esta gente trabalhadora que, em tempos idos, resistiu de forma aguerrida às investidas castelhanas. Quem sabe descobre outras tradições curiosas?

ecomuseu do Barroso

Dicas úteis para visitar Pitões das Júnias

Como chegar

A aldeia de Pitões das Júnias fica a 18 km de Montalegre, 145 km do Porto (o percurso demora mais de 2 horas) e 340 km de Lisboa (cerca de 5 horas de carro).

De carro: do Porto, pode seguir pela auto-estrada até Braga, onde apanhará a EN103 e, depois, junto à barragem da Venda Nova, a estrada municipal 308 até Covelães. Em Covelães, deve virar para Tourém e, 5 km depois, virar à esquerda para Pitões das Júnias. De Lisboa, pode seguir para norte pela A1 ou, em alternativa, sair para a A24 perto de Coimbra. Julgo que a primeira opção é mais rápida e eficaz.

De Braga ou Chaves, deve apanhar a estrada nacional 103 e depois seguir as indicações anteriores.

Recordem a roadtrip que fiz na EN103.

vista sobre a aldeia

Quando visitar

Apesar dos trilhos serem mais agradáveis de fazer durante a Primavera e o Outono, há festas ao longo do ano que podem atraí-lo a Pitões das Júnias. Por exemplo, no Entrudo (carnaval) saem à rua os Caretos e Farrapões, dançam-se e cantam-se as Rodas de Pitões ao som das concertinas e gaitas. O convívio acaba sempre à mesa.

Durante o mês de Julho, é comum haver Fiadeiros de Contos, pessoas que animam as noites no Largo Eiró ou no forno do povo com histórias ao borralho. Em Agosto de 2019 organizou-se na aldeia o primeiro Centear – Festival do Centeio, com actividades culturais ao longo de vários dias e esperamos que volte em 2021, se a pandemia permitir.

E, antes da chegada do Inverno, há um Magusto Celta, que dá as boas-vindas ao Ano Novo Celta. Chamam-lhe a despedida do Verão, mas deve ser o Verão de São Martinho pois, por esta altura, o frio já paira no planalto da Mourela. Pode saber mais sobre a animação da aldeia no site da freguesia.

detalhe da aldeia de Pitões das Júnias

Onde ficar

Em Pitões das Júnias encontrará sobretudo alojamento rural. Um dos mais procurados é a Casa do Preto, com uma excelente pontuação no Booking e relação qualidade-preço. Outras opções é o Cantinho Ti Carlos, ideais para grupos.

Nós ficámos na Casa D’Campo Ferreira, uma casa de pedra muito fresquinha (que delícia com o calor que estava), num quarto familiar com casa de banho privativa. O espaço tem cozinha disponível, para utilização dos hóspedes, mas não encontrámos talheres. No exterior tem uma zona agradável com grelhador e mesa. A estadia não foi perfeita porque uma grande família, alojada no piso superior, fez barulho até tarde e eu tenho o sono leve.

Se preferir ficar em Espanha, afinal é logo ali ao lado, pode escolher a Casa Requias com apartamentos equipados e vistas para o Parque Natural Baixa Limia Serra do Xures. Mas há muitos mais alojamentos no Booking, nomeadamente em Montalegre, sede do município.

alojamento em Pitões das Júnias
almoço na Casa do Preto

Onde comer

O encanto de Pitões das Júnias permanece, quando nos sentamos à mesa. A região é famosa pelo fumeiro – presunto, alheira, chouriços – e carne de vaca, animais que, como comprovámos, crescem livres e saudáveis nos montes. Mel, chá e pão são também saborosos e um excelente souvenir de viagem.

Nós almoçámos duas vezes na Casa do Preto, restaurante que produz a sua própria carne e fumeiro. O Pedro comeu uns lombinhos ultra tenros e eu um bacalhau da casa, frito em azeite (ambos muito bem confeccionados). No dia seguinte, o pequeno explorador comeu um bife e eu um prato vegetariano. Como sobremesa, existe um bolo de chocolate out of this world (diz o Pedro, que é um expert em bolos de chocolate) e uma tarte de amêndoa que não lhe fica atrás. Paguei cerca de 28€ por refeição, mas entradas – lá está, os enchidos – e vinho podem encarecer a conta final.

A aldeia não tem muitas mais opções para comer, mas é preciso acrescentar o Restaurante Dom Pedro e a Taberna Terra Celta. Na Padaria Pitões, para além de um pão tradicional de centeio, encontra a rosca flor, uma espécie de pão doce, que pode ter recheio de canela, pepitas de chocolate ou chila.