Atualizado em 27 Fevereiro, 2023

Os sabores quentes da cozinha beirã convidam a longas refeições, evocando memórias da infância e tradições praticamente inalteradas após muitas gerações. Venha daí para um roteiro gastronómico nada amigo de dietas

Comida da Beira Baixa. A boa, honesta, temperada, saborosa e outros adjectivos, do lado bom do palato, cozinha regional. Feita com produtos genuínos, sem químicos, por mãos sábias. Cabrito, borrego, enchidos e queijos são uma parte importante do receituário que torna a cozinha beirã apetecível, em particular nos meses frios de Inverno.

O isolamento permitiu que várias tradições chegassem até aos nossos dias, muito fiéis ao sentir original. E na cozinha sente-se isso. Os pratos reflectem os costumes de um povo outrora limitado pela sua localização geográfica e os seus recursos. Toda a gastronomia se baseava em alimentos caseiros e tradicionais, vindos da horta, da montanha, dos rebanhos.

Ainda hoje quem visita a Beira Baixa pode, e deve, apreciar os odores, saberes e sabores fortes locais, sem artifícios, em refeições que confortam a alma. Diria mesmo que a gastronomia é uma parte fundamental da experiência beirã. Tudo acompanhado pelo não muito famoso vinho regional, que se revela forte mas agradável, denso e com taninos, encorpado quanto baste.

gastronomia é um dos motivos para visitar a Beira Baixa

Embarque connosco nesta viagem pelos sabores mais tradicionais da Beira Baixa, que inclui algumas sugestões de restaurantes onde pode provar estas iguarias.

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Produtos regionais da Beira Baixa

A aventura pelos sabores beirões parte de ingredientes com carácter forte, DOP – Denominação de Origem Protegida. Há o azeite intenso, que pede para ser apreciado na tiborna.

Há os queijos, que condensam no paladar a vastidão dos campos: o queijo de Castelo Branco (de fabrico artesanal, feito com leite de ovelha, cardo e sal), tão somente um dos mais antigos queijos portugueses; o queijo amarelo da Beira Baixa (de pasta semi-dura) e o queijo picante da Beira Baixa, curado durante 120 dias e de sabor muito intenso.

Há ainda a travia e o requeijão de fabrico artesanal, que integra várias receitas regionais mas também é maravilhoso com um pouco de doce e canela, à sobremesa. Acrescente-se vários produtos IGP – Indicação geográfica protegida, como o cabrito da Beira e o borrego da Beira, das raças merino da Beira Baixa, churra do campo e churra mondegueira.

Os enchidos são também afamados, de produção particular ou de pequenas indústrias familiares: chouriços, morcelas, presuntos e outros produtos de charcutaria. A este naipe de ouro somam-se novas culturas, como o mirtilo, a romã, o figo da índia ou as framboesas, intensificando-se a produção de cogumelos e medronho.

Comida beirã tradicional

Usando estes ingredientes, os pratos não podem ser delicados. Mencionemos alguns dos mais tradicionais, começando pelas sopas, onde se destaca a sopa da matança (Penamacor) e o laburdo, feito com sangue de porco e vinagre.

O maranho e o bucho recheado são também especialidades emblemáticas da Beira Baixa, pratos trabalhosos de bastante substância. Os maranhos (foto de entrada) são um embutido feito com carne de cabra, arroz, pão, vinho e hortelã. O bucho é sinónimo de barriga da própria cabra, onde a carne coze lentamenteeee.

Não se pode falar de cozinha beirã e não mencionar o cabrito estonado. A pele estaladiça não engana, ouve-se o som na boca, nota-se a cozedura em forno a lenha, que deixa a carne tenra e suculenta. Esta é a iguaria mais famosa da vila de Oleiros, no coração do país, e igualmente popular em toda a Beira Baixa. Porque tudo se aproveita, as entranhas servem para fazer o arroz de miúdos que acompanha o cabrito.

prato típico da Beira Baixa
Afogado da boda, um prato outrora reservado para os dias de festa.

Na última visita à Beixa Baixa, conheci, vi e cheirei (não provei, como sabem, não como carne há alguns anos) o plangaio, um enchido de porco característico de Proença-a-Nova, com massa de farinheira e ossos do espinhaço. Mesmo que apenas ligeiramente fumado, resulta num prato de cheiro e sabor intensos que, a avaliar pelos meus companheiros, não reúne consenso. Mas é provar, para tirar as suas próprias conclusões. Porque não há dois palatos iguais.

Ainda que as carnes sejam rainhas, não podemos esquecer que o Tejo entra em Portugal pela Beira Baixa. E o Tejo, com as  suas idiossincrasias, inconstâncias e pescadores, é rio de peixes: fataça, tainha, sável, lampreia, corvina, linguado, sargueta. Portanto, há vários pratos regionais feitos com peixe do rio, como sejam as migas de peixe com poejo ou a caldeirada de enguias. 

Doces típicos da Beira Baixa

Se conseguir ainda um buraquinho para a sobremesa, após tão lautas comezainas, não se vai arrepender. As sobremesas beirãs, na sua maioria de origem popular, são feitas com ingredientes simples, como leite e ovos. São doces sem artifícios, muitos com um suave aroma a canela.

Entre os mais tradicionais destacam-se as papas de carolo, cujo ingrediente-rei é o farelo de milho amarelo (carolo); o arroz doce, diferente do actual pois era feito com leite de cabra e sem ovos; os biscoitos de azeite e os bolos da Páscoa. Acrescente-se as tigeladas, cozidas em panela de barro, o doce mais típico de Proença-a-Nova, com leite, ovos, mel, canela. Presume-se que tenha nascido no Sul do concelho, onde há um grande número de colmeias.

Os meus preferidos são os borrachões, biscoitos que eram levados pelas gentes que trabalhavam de sol a sol, que hoje brilham em particular na região de Idanha. O nome  deriva dos 20% de aguardente da receita, que lhes empresta um travo inconfundível.

Tigelada da Casa da ti’Augusta.

Onde provar as delícias beirãs

Quinta de São Pedro de vir-a-corça (Monsanto, Idanha)

A Quinta de São  Pedro de Vir-a-Corça é um belo segredo em Monsanto, a 100 metros da mística Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, envolto em bosques tranquilos. Este alojamento local tem três suites em pequenas casas de granito;  pomar e a horta generosos; e refeições servidas na casa principal com produtos locais.

Tive o privilégio de festejar ali o solstício de Verão, com uma refeição que começou com deliciosas empanadas de beldroegas e queijo de cabra, mais raminhos de alecrim com morcela. Seguiu-se borrego merino assado em forno a lenha (para mim, apenas legumes assados) e, para sobremesa, papas de carolo com frutos silvestres, amêndoas e favos de mel.

Papas de carolo com um toque de requinte.

Casa da Velha Fonte (Idanha-a-Velha)

A maioria dos meus amigos beirões recomendou-me, sem reservas, este restaurante na aldeia histórica de Idanha-a-Velha. Por causa da ementa, inspirada em receitas romanas, e por causa da batuta da chef Maria Caldeira de Sousa. Entre os pratos mais célebres constam pernas de pato Apício com camarão, costeletas de borrego com migas micológicas e pudim de baga de zimbro e leite de ovelha. Recomenda-se fazer reserva previamente.

Vila Portuguesa (Vila Velha de Ródão)

A Vila Portuguesa é um alojamento e restaurante a poucos metros do cais fluvial de Vila Velha de Ródão, que organiza cruzeiros no rio Tejo. Foi precisamente num desses passeios de barco que apreciei uma refeição à base do peixe deste rio que sustenta centenas de pessoas.

Fomos recebidos por entradas regionais – queijo, presunto, azeite, paté de peixe do rio – a que se seguiu uma caldeta de barbo, sopa de peixe, Brás de achigã e truta fumada, tudo harmonizado com vinhos da região sul da Beira Baixa (gostei particularmente do espumante rosé da Quinta da Arrancada). Uma refeição diferente e muito interessante, reflexo da mensagem estampada nos aventais de quem tão simpaticamente nos serviu: barriga vazia não conhece alegria!

O inusitado mais interessante Brás de achigã

Casa da ti’Augusta (Figueira, Proença-a-Nova)

Comemos (imensamente) bem na casa da ti’Augusta, na pequena aldeia do xisto chamada Figueira. Um lugar rústico aberto apenas à sexta-feira, sábado e domingo, que nos recebeu com pão ma-ra-vi-lho-so, cozido no forno comunitário, pasta de azeitonas, toucinho em tiras finas, queijos de cabra.

A ementa é fixa e baseia-se em iguarias regionais, cozinhadas à maneira tradicional, com carnes de animais criados na serra e legumes colhidos na horta. Plangaio, maranho e afogado da boda, um guisado de carne de cabra formaram o trio da soberba refeição. Eu degustei um delicioso prato de centeio com cogumelos, mas não abdiquei da tigelada, irrepreensível na sua simplicidade, ou de uma gotinha de aguardente de medronho.

O plangaio, de cheiro e sabor intenso.

Adega dos Apalaches (Oleiros)

Outra recomendação consensual, quando se fala de Oleiros e da sua especialidade: o cabrito estonado. Aqui é servido com batatas pequenas assadas e grelos cozidos. Experimente também o vinho Callum — uma casta em desuso, mas à procura de certificação.

Tábuas.come (Castelo Branco)

Faltei ao almoço final, oferecido por este restaurante, mas deram-me boas referências da comida. Trata-se de um novo conceito de restauração em Castelo Branco, de cozinha contemporânea mas que deixa brilhar os produtos regionais. Apesar de privilegiar pratos de carne (servida em tábuas, para partilhar), tem peixe, menus de criança, vegetariano e vegan.

Vocês já foram felizes à mesa na Beira Baixa? Contem-me onde. Acrescentem ainda os vossos pratos preferidos da cozinha beirã, na caixa dos comentários.

© foto gentilmente cedida pelo amigo Rui do Born Freee

Esta viagem foi realizada a convite da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa.