Atualizado em 6 Setembro, 2024
Podgorica não consta da lista das mais belas metrópoles europeias. Longe disso. Valerá então a pena visitar esta capital que parece uma pequena vila?
Localizada no centro do Montenegro, nas escassas planícies que existem entre os Alpes Dináricos e o lago Skadar, Podgorica é desinteressante, do ponto de vista turístico. Apesar de ser a maior cidade do país, com uma população estimada acima dos 200 mil habitantes, mantém a tranquilidade de uma pequena povoação, com muitos bairros de casinhas baixas e ruas sinuosas.
Os monumentos históricos escasseiam, depois de pesados bombardeamentos durante a II Guerra Mundial, quer dos alemães, quer dos aliados. Senão veja-se, a grande estrela de Podgrica, a imponente Catedral da Ressurreição de Cristo, começou a ser construída em 1993 e foi consagrada em 2013. A estrutura mais antiga da cidade será, porventura, a ponte sobre o Ribnica.
Este é um dos dois rios cristalinos que marcam o ritmo da pequena Podgorica. O maior, o rio Morača, corta a cidade a meio, sendo a emblemática Ponte do Milénio responsável por ligar as duas margens.
Prédios ao estilo soviético, duas mesquitas pequenas, muita street art alusiva ao clube de futebol local, poucas pessoas nas ruas: Podgorica não é colírio para os olhos europeus. O Turismo do Montenegro também não vê grande interesse turístico na sua capital, se considerarmos que a maior brochura publicada sobre o país tem capítulos dedicados a Herceg Novi, Kotor, Tivat, Budva, Bar, Ulcinj e Cteinje mas não a Podgorica.
Ainda assim, gostei de perceber a mistura do antigo e do novo, dos espaços verdes e da simpatia dos moradores. E, claro, a belíssima catedral ortodoxa. As artérias que rodeiam a praça da República possuem muitos cafés e restaurantes que, pelo que li, refletem uma vida noturna sobretudo animada por música eletrónica local, ao invés da música internacional.
De Doclea a Podgorica, um pouco de história
Podgorica fica na encruzilhada de rotas muito antigas, tendo crescido ali a uma localidade pré-romana chamada Doclea. Durante a Idade Média, ter-se-á chamado Ribnica, nome do rio em cujas margens foi edificada. A primeira referência ao nome atual surgiu no século XIV, numa altura em que possuía pujança comercial, por alusão ao pequeno monte de seu nome Gorica.
No século XV, os turcos tomaram a cidade, ocupação que terminou em 1878, na sequência do Congresso de Berlim. Muito destruída durante a Segunda Guerra Mundial, passou a chamar-se Titogrado em 1946, em homenagem ao marechal Tito, líder da Jugoslávia, país onde Montenegro se tinha federado.
O regime comunista acabaria em 1992, voltando Podgorica ao nome anterior, cimentando-se como o centro do país desagregado da Jugoslávia, com um aspeto cada vez mais ocidentalizado.
A arquitetura de Podgorica foi acompanhando a mudança de regime. A parte mais antiga da cidade (Stara Varoš), quase exclusivamente residencial, tem casas antigas e ruas estreitas, enquanto na Nova Varoš ou “cidade nova”, existem avenidas largas. A partir dos anos 90, edifícios de aço e vidro foram surgindo no horizonte, de que a Avenida George Washington, com as suas lojas luxuosas, é exemplo. Também foi nesta altura que a Ponte do Milénio e a catedral ortodoxa foram construídas.
O que visitar em Podgorica
O título deste artigo é Podgorica, a desinteressante capital do Montenegro. Poderia ter usado, em alternativa, monótona, banal, desengraçada. Mas há algo na cidade que contraria aqueles adjetivos – a belíssima e ortodoxa Catedral da Ressurreição de Cristo (Saborni Hram Hristovog Vaskrsenja).
Foi precisamente ali que começámos a nossa curta visita. Com medidas impactantes – as torres gémeas erguem-se a 27 metros de altura – a fachada do edifício resplandece ao sol. As sóbrias linhas exteriores ao estilo bizantino tradicional são coroadas por uma cúpula e escondem um interior dourado.
A riqueza de detalhes inclui uma Arca de Noé carregada de animais exóticos a enfeitar o chão, enquanto paredes, colunas e teto sumptuoso estão repletos de frescos. Entre estes destaca-se um detalhe peculiar que reflete uma hostilidade feroz a ideólogos e líderes comunistas: Marx, Engels e Tito são devorados por um monstro, que simboliza o Juízo Final.
Vale a pena observar os pormenores da decoração da catedral e descer à cripta, que quase mais parece uma sala de concertos pela sua monumentalidade, onde repousa Amfilohije Radović, patriarca da igreja ortodoxa sérvia.
#Nota: a entrada na catedral ortodoxa é livre, devendo apenas prestar atenção à forma de vestir (joelhos e ombros à mostra são considerados desrespeitosos) e evitar fotografar durante os serviços religiosos.
Ainda no lado “novo” da cidade, fica o Palácio Petrović, residência do século XIX que hoje serve de residência presidencial e abriga o Museu da Cidade. O palácio está rodeado por agradáveis jardins, proporcionando um retiro sereno.
Seguimos depois para as margens do rio, onde a ponte Millenium serve de cenário ao monumento a Vladimir Vysotsky, lembrando o carinho que o famoso cantor e compositor russo tinha pelo Montenegro. A dois passos do monumento fica a ponte Moskovski, pedonal, que usamos para atravessar para Stara Varoš, a parte mais antiga de Podgorica.
Ali fica a Praça da República ou Praça da Independência, que nada tem de notável, duas pequenas mesquitas, uma delas que remonta ao século XVII e por isso uma relíquia nesta cidade tão recente e a velha ponte de pedra sobre o rio Ribnica.
#Dica: afastando-se um pouco do centro, encontra o grande Gorica Park, com vista para a cidade. Conta com parque de aventuras, trilhos para caminhadas, ciclismo e triatlo, bem como um jardim mediterrânico.
Passeios nos arredores de Podgorica
Ruínas romanas
Uma viagem curta de carro, menos de 5km, deixa-nos perante as ruínas de uma povoação outrora conhecida como Doclea ou Dioclea, antiga cidade ilíria, depois romanizada e bizantina. Fundos europeus permitiram reabilitar este sítio arqueológico perto de Podgorica, mas as ruínas continuam ao abandono e a possível bilheteira permanece fechada.
O local tem um mapa que legenda as ruínas romanas de Doclea (Duklja, em montenegrino) município mencionado pelos historiadores desde a dinastia Flaviana, durante o reinado do imperador Vespasiano (século I d.C.) e que teria oito e dez mil habitantes. Ficámos um pouco desapontados com o abandono da estrutura, que até chegou a ser candidata à lista da UNESCO, mas foi um belo cenário para o nosso piquenique.
Mosteiro Dajbabe
O pequeno e intenso mosteiro Dajbabe fica a pouco mais de 7 km do centro de Podgorica, na colina Dajbabe (Dajbabska gora). Não sendo um local turístico, é um destino da fé ortodoxa que poucos conhecem e, por isso, recebe mais peregrinos que turistas.
Com uma energia agradável para pensar, organizar pensamentos e orações, o pequeno mosteiro foi fundado em 1897, dedicado à Uspenje Bogorodice ou Assunção de Maria. No início, apenas o espaço da gruta era utilizado como santuário, mas posteriormente foi ampliado com capelas escavadas na rocha e uma estrutura construída no exterior da gruta.
Quando visitámos, havia apenas mais um casal de visita. Uma funcionária do mosteiro acompanhou-os algures, para pagarem uma promessa, deixando-nos sós para visitar as grutas livremente. Nenhum deles falava inglês.
Lago Skadar
Não muito mais longe de Podgorica (perto de 30 km) fica o deslumbrante Lago Skadar, o maior lago dos Balcãs e uma verdadeira maravilha natural. Vale a pena explorar as redondezas deste lago pitoresco, de paisagens encantadoras e rica vida selvagem.
Os passeios de barco são uma atividade popular naquele parque nacional, permitindo descobrir ilhas escondidas, ver mosteiros históricos e observar muitas espécies de pássaros. Nós passamos dois dias junto ao lago, em modo slow travel, e escrevemos sobre a experiência em Lago Skadar | ecossistema único nos Balcãs.
Ostrog
Outra viagem de carro a partir de Podgorica, quase 50 km se se optar pela autoestrada, conduz a um dos locais espirituais mais importantes dos Balcãs: o Mosteiro de Ostrog. Esculpido num íngreme penhasco vertical, o templo cristão ortodoxo do século XVII oferece uma mistura cativante de paisagem e espiritualidade.
Várias tendas nos arredores estão preparadas para receber os milhares de peregrinos que aqui chegam, anualmente, em busca de cura e milagres, ou, simplesmente, para celebrarem a sua fé e sentirem-se perto de Deus. A devoção que o lugar inspira é tocante – vimos peregrinos a beijar o chão, as paredes, as portas, num silêncio reverente.
Li algures que Ostrog é o terceiro lugar sagrado mais visitado do mundo, mas não consegui confirmar esta informação, que me parece exagerada.
Do ponto de vista turístico, o mosteiro de Ostrog também é muito procurado, pela beleza da serpenteante estrada de montanha que ali conduz, sobre dramáticos precipícios, e pelo próprio edifício cravado na rocha. Por ser muito mais turístico do que o mosteiro de Dajbabe, confesso que Ostrog não me emocionou tanto como o outro mais modesto e singelo.
#Nota: não é permitido fotografar no interior do mosteiro. À porta, voluntários facultam lenços ou túnicas para tapar os ombros e as pernas dos visitantes, homens e mulheres. A entrada é gratuita.
Dicas úteis
Como chegar à capital do Montenegro
A capital é servida pelo aeroporto de Podgorica (LYPG/TGD), base da Montenegro Airlines, com ligações para vários destinos europeus. Para chegar do aeroporto até ao centro da cidade, é possível apanhar um táxi (informe-se da tarifa em vigor no balcão de informações do aeroporto) ou um comboio, muito mais barato.
A paragem de comboio (trem) chama-se “Aerodrom” e fica a uma caminhada de 20 minutos do aeroporto, mas é possível que no balcão de informações neguem a sua existência. Consulte horários no site oficial.
Também é possível chegar a Podgorica de comboio, desde outras cidades do Montenegro ou dos países vizinhos, existindo comboios noturnos com vagões-cama. O serviço e o conforto ficam um pouco abaixo dos padrões a que estamos habituados na Europa. Da mesma forma, é possível chegar de autocarro: o terminal rodoviário (Autobuska stanica Podgorica) e a estação de comboios central ficam próximas.
Devido à sua localização, as principais estradas do país passam em Podgorica, sendo a capital facilmente alcançável se alugar carro, como nós. Procure um parque de estacionamento privado, nesse caso, pois os parques públicos exigem o pagamento através de uma app.
Onde ficar – alojamento em Podgorica
Não considero imprescindível pernoitar em Podgorica, exceto se quiser experimentar a tal animada vida noturna, ou se tiver que apanhar um avião desde a capital do Montenegro. Nós ficámos junto ao Lago Skadar, visitámos Podgorica durante um dia e seguimos para o mosteiro Ostrog, antes de rumar ao Parque Nacional de Durmitor (artigo em breve).
Se procura alojamento na capital do Montenegro, saiba que a maioria dos hotéis se concentra na parte antiga da cidade. O Hilton Podgorica Crna Gora (*****) com spa ou o Boscovich Boutique Hotel (****) estão entre as opções melhor pontuadas, ambos com parque de estacionamento privado, pago.
Para orçamentos mais apertados, mas ainda com boas avaliações no Booking, lista-se o Hotel Fobra (***) com estacionamento gratuito e o Hotel Marienplatz(***).
Gastronomia
Muitos dos pratos tradicionais incluem carne, como seja o Ćevapi, o Pljeskavica (espécie de hambúrguer local) e o Ražnjići (espetada de carne), que se podem encontrar tanto em restaurantes como em roulottes com street food.
Para quem não come carne, saiba que o burek (nos Balcãs é também conhecido como byrek, pite, baniza e Бурек), pastel de massa folhada tão típico na Turquia onde lhe chamam börek, está em todas as padarias do Montenegro, existindo opções com recheio de queijo, espinafres ou outros legumes.
Entre os produtos locais, destaca-se o queijo de ovelha Njeguški sir e o presunto (pršut), que acompanham muito bem o vinho Vranac – um tipo de uva antigo, típico da Macedónia, Sérvia e Montenegro, cultivado nas regiões perto de Podgorica.
Conclusão: Vale a pena incluir Podgorica, a tal desinteressante capital do Montenegro, no roteiro? Na nossa opinião, se estiver a fazer uma road trip, é fácil parar em Podgorica, almoçar, ficar com uma ideia geral da cidade e aproveitar para conhecer a sua linda catedral ortodoxa.
Apesar das suas gentes acolhedoras, Podgorica não é um destino imperdível neste país dos Balcãs, que brilha sobretudo pela sua natureza.
6 Comentários
Esse guia é completo. Parabéns. Embora como você disse não seja uma cidade turística, vale a pena conhecer.
Podgorica, a capital desinteressante de Montenegro tem uma bela construção: a Catedral da Ressurreição de Cristo. Há belas opções de viagem bate e volta nos arredores da cidade!
Podgorica, a capital desinteressante de Montenegro tem uma bela construção: a Catedral da Ressurreição de Cristo. Há belas opções de viagem bate e volta nos arredores da cidade!
É isso. Tudo somado, valeu a pena do desvio
Talvez seja meio injusto comparar Podgorica a outras capitais da Europa, não é mesmo? Ainda assim achei charmosinha. Mas Montenegro parece ter outros lugares mais bonitos, então acredito que quem estiver com roteiro enxuto possa pular essa paradinha ou fazer como vocês, que fizeram um pit stop rápido.
Aqui entre nós… o que a salva (do ponto de vista turístico, claro, porque parece oferecer qualidade de vida aos seus habitantes) é a basílica