Atualizado em 12 Julho, 2025

A pequena Belmonte é sempre lembrada como berço de um grande navegador, de seu nome Pedro Álvares Cabral. Mas há outros motivos para a visitar. Vamos explorar a mais judaica das aldeias históricas de Portugal?

A história de Belmonte, uma vila aconchegada entre o vale do Zêzere e a Serra da Estrela, confunde-se com a da família Cabral, linhagem que pariu um dos maiores navegadores portugueses.

O descobridor (ou achador) do Brasil terá nascido em Belmonte em 1467, brincado neste castelo com a sua elegante janela manuelina, onde as duas cabras, símbolo dos Cabrais, dividem o espaço com uma esfera armilar. Dali partiu para a corte e, mais tarde, se aventurou no mar em busca de uma quimera, novos mundos, ou simplesmente glória perante o seu rei.

A poucos metros do castelo (séc. XIII), na despojada Igreja de Santiago, repousam os restos mortais de vários membros desta ilustre família. Bem no centro do Panteão dos Cabrais está uma urna de granito muito simples, com parte das cinzas do aventureiro Pedro. Sim, leram bem. Foram retiradas do túmulo original na Igreja da Graça, em Santarém. A fama não garante o sossego além-túmulo, antes pelo contrário!

A vila possui, de resto, uma rua que homenageia o navegador com nome e estátua, por entre casas de arte nova do início do século XX. Mas Belmonte e, também, caso singular na Península Ibérica de permanência hebraica desde o início do século XVI até aos dias de hoje.

Belmonte terra de tolerância

#Lenda: um pastor de sonhos proféticos encontrou em Belmonte uma cabra e um cabrito de ouro, decidindo oferecer um deles ao rei. O monarca escolheu o cabrito, que seria mais tenro, mas ao ver que era de ouro, afirmou que deveria ter escolhido antes a cabra. O pastor ofereceu-lhe também a cabra e, como recompensa, o rei disse-lhe que subisse ao monte onde encontrou o tesouro, e que lhe oferecia todas as terras que percorresse a cavalo num dia, desde aí. Assim se formou o poderio dos Cabrais, e assim se explicam as duas cabras do seu brasão.

A comunidade judaica de Belmonte

Uma idiossincrasia curiosa da pacata Belmonte é a sua vibrante comunidade judaica, que atrai visitantes de Israel e vários pontos do globo. Esta pequena comunidade (talvez a primeira do país) já existiria no início da nacionalidade.

A comunidade judaica local tornou-se mais próspera a partir do século XV, quando abrigou os judeus de Espanha, expulsos pelos Reis Católicos. Pouco depois, D. Manuel I decretava igualmente a conversão obrigatória ao catolicismo dos judeus em Portugal (1496).

Se muitos abandonaram Portugal nesta altura, com medo da Inquisição, outros adaptaram-se, para sobreviver, dando origem aos “cristãos novos”, pessoas que aparentemente seguiam os preceitos católicos, mas que mantinham os seus rituais e tradições ancestrais em segredo.

Um terceiro grupo de judeus (conhecidos como marranos), porém, tomou uma medida mais extrema, cortando o contacto com o resto do país. Durante séculos, os marranos de Belmonte mantiveram as suas tradições judaicas quase intactas, tornando-se um caso excecional de comunidade criptojudaica. Somente nos anos 1970 a comunidade estabeleceu contacto com Israel e oficializou o judaísmo como religião.

Da primitiva sinagoga resta apenas uma inscrição (1296). Outro templo surgiu, entretanto, orgulhoso da antiguidade e resistência de uma comunidade que impregnou a história de Belmonte. Em 2005 foi inaugurado o Museu Judaico de Belmonte, o primeiro do género em Portugal. Por tudo isto, a vila integra a Rede de judiarias de Portugal, com cerca de 36 outras localidades.

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#Curiosidade: o criptojudaísmo de Belmonte foi escolhido como uma das 7 Maravilhas da Cultura Popular portuguesa, em 2020.

O que visitar em Belmonte

Castelo de Belmonte e Panteão dos Cabrais

Comece o seu roteiro a visitar Belmonte subindo ao altaneiro Castelo de Belmonte, estratégico para a defesa do reino com uma bela janela manuelina. A torre de menagem e uma sala oitocentista são hoje espaços museológicos, dedicados à história local.

Nas imediações encontra ainda a Igreja de Santiago, que assinala a passagem de um dos caminhos portugueses até Compostela. O templo acolhe o Panteão dos Cabrais, as Capelas de Santo António e do Calvário, bem como uma Cruz feita de pau-brasil.

centro histórico de Belmonte
© Empresa Municipal de Belmonte

#Curiosidade: diz a lenda que o castelo de Belmonte foi cercado por mouros, mas que o alcaide assegurou a sua defesa, recusando-se a entregá-lo mesmo sob ameaça de vida de um dos seus filhos. O inimigo esmagou a criança numa prensa, mas a fidelidade da terra ao rei não esmoreceu, revelando a firmeza daquele povo e do seu alcaide.

Sinagoga Bet Eliahu e Museu judaico

Daqui pode seguir a Rota dos Museus, que o levará a muitos locais imperdíveis. O primeiro evoca a memória da comunidade sefardita: o Museu Judaico e a própria Sinagoga, também visitável.

As ombreiras das portas nas ruas empedradas da judiaria, entre a rua Direita e a da Fonte da Rosa, possuem vários motivos esculpidos. Na praça do Pelourinho, um candelabro de nove braços gigante (hanukkah) alude a este grupo de crentes bem presente em Belmonte, com um rabino a tempo inteiro e o Museu Judaico inaugurado em 2005.

O espaço testemunha a presença histórica dos judeus, as suas celebrações e costumes, honra a memória das vítimas das fogueiras inquisidoras e também do historiador Samuel Schwarz, que investigou todo o percurso da comunidade judaica na região. Apesar de pequeno, o Museu está muito bem organizado e é realmente bonito, com as suas vitrines azuis em forma de estrelas de Davi.

Na lojinha, pode comprar-se várias lembranças alusivas ao Judaísmo: estrelas de Davi, mezuzhas (para colocar no umbral das portas com uma pequena oração no interior), kippas, doces kosher… Fiquei surpreendida com estes doces porque, no meu imaginário, as preocupações rituais judaicas com a comida se resumiam à carne e ao vinho… em cada viagem tropeço na minha própria ignorância!

Museu dos Descobrimentos 

Continue pela Rua Pedro Álvares Cabral, onde encontrará dois outros museus: o Museu dos Descobrimentos, dedicado à chegada dos portugueses ao Brasil e a todo o processo de colonização; e o Ecomuseu do Zêzere, um polo interpretativo do ciclo deste rio transformador de paisagens e comunidades (ótimo ponto de partida para se aventurar pela Grande Rota que lhe é dedicada).

Tropeçamos no nome do navegador por toda a vila. Em sua honra batizaram-se ruas, escolas, menus dos restaurantes. Isso explica também a criação oportuna do Museu dos Descobrimentos, que é um espaço fantástico.

Podes mexer e tocar em tudo – disse a funcionária da bilheteira ao meu pequeno explorador, que respondeu com um grande sorriso. Então o museu é interativo? Excelente notícia para as suas mãozinhas curiosas, apesar de estar muito bem treinado para não tocar em nada noutros espaços museológicos.

Portanto lá fomos refazer as pisadas do outro Pedro de há meio milhar de anos. Fomos recebidos pelo som das ondas e das gaivotas. Só faltou cheirar o mar!

Vimos os monstros outrora imaginados pelos marinheiros. Estivemos nas entranhas de um navio, entre barris, grossas cordas e ratos (de pano, felizmente). Presenciámos um dia inteiro no mar e passámos por uma grande tempestade, por entre os balanços das vagas. Até que chegámos ao Brasil.

De volta a terra firme, tivemos o primeiro contacto com um nativo virtual, que se assustou com o espelho que lhe oferecemos, desembaraçámo-nos das lianas da floresta amazónica (na verdade eram fios de néon), constatámos a riqueza da fauna e da flora, dançámos aos ritmos quentes brasileiros e experimentámos vários instrumentos musicais. A cultura do país irmão está belamente representada. Só por este museu já vale a pena ir a Belmonte.

barco no museu dos descobrimentos

#Curiosidade: Sabia que Zeca Afonso viveu em Belmonte na juventude (anos 1930), enquanto os seus pais estavam em Moçambique? Para lembrar o famoso músico de intervenção e a influência da vila no seu percurso, existe uma escultura sua no Largo Zeca Afonso, a poucos metros da casa do tio.

Trilhos em Belmonte

A aldeia histórica de Belmonte fica no sopé da Serra da Estrela, um cenário lindo para se aventurar em trilhos e caminhadas.

O município propõe o PR1 BMT, um percurso de pequena rota circular com 9,5 km pela Serra da Esperança, considerado fácil. Com início no centro de Belmonte, o trilho passa pelo o Castro da Chandeirinha, uma antiga fortificação da ldade do Bronze que vigiava e defendia o território desde o alto da Serra da Esperança, as ruínas romanas da Quinta da Fórnea e o antigo Convento franciscano de Nossa Senhora da Esperança.

Nos arredores, está assinalado do PR da Penha de Águia, um trilho circular de 7 km com início na aldeia de Maçainhas. O percurso recebeu o nome de um relevo granítico de 687m, em forma de torre. A partir deste miradouro observa-se a Serra da Estrela e a Cova da Beira, assim como o inselberg de Belmonte, um monte ilha definido pela Serra da Esperança.

Destaque-se ainda o percurso de 17,5 km que liga Belmonte e a aldeia histórica de Sortelha. Este troço faz parte da GR22, uma grande rota que atravessa todas as localidades da rede de aldeias históricas de Portugal, num percurso circular de cerca de 600 km e que ostenta o selo Leading Quality Trails – Best of Europe, uma certificação que destaca os melhores destinos de caminhada na Europa.

trilhos em Belmonte

Por Belmonte passam ainda dois caminhos para Santiago de Compostela: a Via da Estrela, desde Cáceres, e a Via Portugal Nascente desde Évora. Leia também: Caminho Português de Santiago | Caminho Central a solo

Nota: não sabemos se estes percursos continuam bem assinalados e mantidos.

Vestígios romanos

Dos tempos de ocupação romana restam dois grandes testemunhos. A sul, a Villa da Quinta da Fórnea foi descoberta recentemente, graças à a construção da autoestrada A23.

Feche o dia com uma visita à enigmática Centum Cellas, em Colmeal da Torre. As mais recentes escavações dizem que terá sido uma villa romana com origens no século I d.C, mas sobre a sua famosa Torre ninguém sabe ao certo o propósito. Mas há uma certeza acerca deste local: o pôr do sol ali é impactante.

Centum Cellas
© Aldeias históricas de Portugal

Dicas úteis para visitar Belmonte

Como chegar

Belmonte fica na margem esquerda do rio Zêzere, no distrito de Castelo Branco. A vila integra a rede das 12 Aldeias Históricas de Portugal e a Rota das Judiarias de Portugal. A cerca de 30 km da Guarda, 71 km de Castelo Branco e 102 km de Viseu, é acessível através da autoestrada A23.

A alternativa mais económica para chegar a Belmonte é de autocarro (ônibus), com ligações diárias de Lisboa (3h50) e do Porto (3h25). Contudo, pode precisar de mudar de autocarro nalgum ponto da viagem. O mais fácil, para visitar a região, incluindo várias aldeias históricas numa visita, é alugar carro.

Quando visitar

Belmonte tem verões muito quentes e invernos muito frios, pelo que a primavera e o outono serão, em teoria, as épocas ideais para visitar a região. Contudo, saiba que a vila festeja alguns eventos especiais, que poderão acrescentar um gostinho especial à sua viagem.

É o caso da Feira Tradicional de Enchidos e Sabores de Belmonte (fevereiro), a procissão em Honra a Nossa Senhora da Esperança (25 e 26 de abril), a Feira Medieval (agosto), o Mercado Kosher (setembro) e a celebração judaica Hannukah (dezembro).

Dormir em Belmonte

As minhas principais sugestões de alojamento são a Pousada Convento de Belmonte (****) um boutique hotel a pouco mais de 1 km da vila, instalado no antigo mosteiro medieval de Nossa Senhora da Esperança, e o charmoso TheVagar Countryhouse (****).

Se prefere ficar mesmo no centro de Belmonte, deve considerar o Belmonte Sinai Hotel (****), com estacionamento disponível, ou O Cantinho dos Cabrais B&B (***) que para além de estacionamento tem sauna.

Comer na região

A cozinha beirã é rica e genuína (recorde Beira Baixa à mesa: a farta cozinha beirã); os sabores locais vão do mel à castanha, passando por licores, biscoitos, produtos kosher, sem esquecer o queijo Serra da Estrela, o azeite e o pão. Os restaurantes O Brasão (Largo Afonso Costa) e a Taverna – MercadoNacional (Rua Pedro Álvares Cabral) são algumas das opções seguras para comer na vila de Belmonte.