Atualizado em 17 Agosto, 2021
Depois de décadas de conflitos armados, Angola procura uma nova identidade, compatível com a de um país africano do século XXI. Lentamente, vão surgindo projectos culturais interessantes: vamos conhecer 5 museus de Angola
Com 42 dialectos regionais, distintos grupos étnicos e crenças ancestrais, a identidade deste país africano extrapola largamente as fronteiras desenhadas, a régua e esquadro, pelos europeus no século XIX.
Do ponto de vista literário, para além do famoso Agostinho Neto, Angola produziu grandes escritores, onde se destaca Pepetela, Luandino Vieira e Viriato da Cruz. Autores que enfrentaram sérias dificuldades em editar o seu trabalho, durante o período conturbado das guerras.
Hoje, felizmente, os tempos são de paz e o país parece apostado na modernização. Se os espectáculos musicais sempre abundaram – assisti a um café concerto do Toty Sa’Med na ilha muito interessante – hoje já é possível apostar numa abordagem mais internacional, de que são exemplo os festivais de jazz (aqui).
Foi aprovada uma Lei do Mecenato, três regiões estão a candidatar-se a Património Mundial da Unesco (Mbanza Congo, Tchitundo-Hulu e Corredor do Kwanza) e o gigante programa de reconstrução nacional inclui alguns espaços culturais.
Aliás, desde a criação do Ministério da Cultura, em 2002, a capital viu nascer vários museus. É certo que precisam de trabalhar para alcançar os padrões a que os turistas estrangeiros estão habituados, sobretudo ao nível da conservação dos espaços, da informação e qualidade das visitas guiadas. Mas um passo de cada vez.
1. Museu Nacional da Escravatura
No Morro da Cruz, uma casa ergue-se branca e austera, como nos tempos de D. Álvaro de Carvalho Matoso, capitão de Granadeiros, almirante das Naus Lusitanas das Índias, cavaleiro da Ordem de Jesus e traficante de escravos.
A Casa Grande acolhe um dos museus mais significativos de Angola: o Museu Nacional da Escravatura. Com 60 peças expostas, recolhidas antes e depois da independência, o museu recorda sem rodeios o passado tenebroso, quando milhares de angolanos agrilhoados foram enviados para o outro lado do Atlântico. A peça mais antiga será, precisamente, uma grilheta em ferro do século XVII, usada para prender mãos e pés das “peças”.
2. Museu Nacional da História Militar
Alcandorado sobre a baía de Luanda, o histórico forte de S. Miguel acolhe o Museu Nacional da História Militar (reaberto em 2013), destacando-se ao longe graças à gigante bandeira de 18×12 metros.
Ultrapassada a enorme estrela que remete para o Dia da Paz e Reconciliação Nacional, uma imponente escultura em bronze da rainha Ginga dá as boas vindas aos visitantes, ladeada por dois aviões T6 da força aérea portuguesa.
O pátio interior está repleto de esculturas em pedra de personagens históricas, retiradas de praças de Luanda porque estavam a ser vandalizadas: D. Afonso Henriques, o capitão-governador Paulo Dias de Novais, os navegadores Diogo Cão e Vasco da Gama, Luís de Camões, Salvador Correia de Sá (que resgatou Angola do domínio holandês no século XVII), o governador Pedro Alexandrino de Cunha…
No local estão também os carros usados por Agostinho Neto quando esteve no exílio e depois de regressar ao país, bem como o armão militar que transportou os seus restos mortais depois de chegaram da Rússia, onde este faleceu. Outro material bélico – de fabrico artesanal, russo, italiano, americano e britânico – usados pelos angolanos e também pelos portugueses constam do acervo do museu.
Para mim, a mais bela secção fica na Casa-Mata central (imagem de entrada do post): as paredes estão revestidas de azulejos que retratam a história de Angola desde a chegada dos primeiros portugueses na foz do rio Zaire.
Morada: Calçada de São Miguel, Luanda (não tem site)
3. Museu da Antropologia
Infelizmente grande parte do seu rico acervo, que terá mais de 6 mil peças etnográficas – como mintandis, máscaras e estatuetas de culto – não está exposto por falta de condições do edifício. Diz-se que em breve o edifício vai ser requalificado.
Uma notícia de 2016 (aqui) destacava o regresso ao museu da estatueta Lwena, originária da província do Moxico, no leste do país: a figura de madeira possui um orifício na cabeça para fixar um chifre com medicamentos… parece que a estatueta era usada em ritos de adivinhação.
Na secção dos instrumentos musicais, pode conhecer-se a marimba (uma espécie de xilofone), o Ngoma (género de tambor feito de troncos, com as extremidades cobertas com pele de antílope), a Omakola, a Cihumba, o Ndungu…
Depois há a secção das máscaras de madeira, fibra vegetal e resina; de todas as cores e feitios. Já vi várias no mercado do artesanato e parecem exalar qualquer coisa de místico, algumas são mesmo assustadoras! Todas estas peças remetem para as diferentes comunidades do país, como os Kikongo, Umbundu, Kimbundu, Lunda-CoKwê, Ngangela, Nyaneka Khumbi, Helelo, Ovambo e Kung.
Morada: Avenida de Portugal (ex Friedrich Engels), nº 61, Bairro dos Coqueiros, Luanda
Dica: a visita é gratuita (janeiro 2019), no entanto, os visitantes são encorajados a dar uma gratificação ao guia.
4. Museu/Memorial Dr. António Agostinho Neto
O singular Memorial Dr. António Agostinho Neto (MAAN) ergue-se num grande descampado da Praia do Bispo, sem deixar ninguém indiferente. A torre de 120 metros vê-se de vários pontos da capital. O primeiro Presidente pós-independência foi ali perpetuado em bronze sob uma pérgula branca, a içar a bandeira nacional, para que todos recordem a data da emancipação do povo angolano.
Mais do que um museu, o espaço pretende dar a conhecer a história angolana e perpetuar a vida e obra de Neto, enquanto poeta e estadista. Assim, as paredes estão estampadas com os textos da Proclamação da Independência e os seus poemas. No centro do edifício, repousam os restos mortais de Agostinho Neto, um lugar de silêncio onde se destacam as mensagens enviadas por outras nações, a propósito da sua morte.
Site: aqui | Morada: Avenida Dr. António Agostinho Neto, Praia do Bispo, Ingombota, Luanda | Horário: seg-sexta 9h–17h, Sáb. e Domingos: 10h-16h00
5. Museu da História Natural
Entre a rua da Missão e a rua da Muxima, o edifício deveria integrar um conjunto modernista que englobava o desaparecido Mercado do Kinaxixi, edifício que Óscar Niemeyer defendeu que deveria ser classificado pela UNESCO.
Não é o magnífico museu de Londres, mas possui um acervo engraçado, com secções de biologia, geologia e ciência da terra a homenagearem a natureza angolana das montanhas, savanas, desertos, selvas e mares.
Destaca-se a colecção de conchas, muitas do tempo em que eram usadas como moeda na costa ocidental africana. Na altura chamavam-se nzimbo, serviam como moeda de troca do antigo Reino do Congo, e eram recolhidas na Ilha de Luanda.
No que respeita à zoologia, a instituição orgulha-se do seu esqueleto de pacaça do século XVIII (trata-se de um mamífero ruminante, parecido com o búfalo), um exemplar da palanca negra gigante empalhado, esse símbolo nacional em perigo de extinção que ainda habita as terras de Cangandala, na província de Malanje, e um esqueleto de uma baleia com 15 metros, para além de outros exemplares como hienas malhadas, leopardos, macacos ou anacondas.
Morada: Rua Nossa Senhora da Muxima, Luanda
43 Comentários
"…e traficante de escravos". Isso é parte do título?
As coisas mudam: sou capaz de apostar que, em seu tempo, essa ilustre figura não desdenharia incluir o ser traficante de escravos em sua lista de honoríficos.
Demais! Por muito pouco não fomos a Angola há algum tempo. Hoje me arrependo um pouco de não ter aproveitado a oportunidade. Espero que tenha mais uma chance. Adorei conhecer um pouco de Luanda através de seu blog.
OLa.
Ainda não conheço a Africa e deve ser um país muito interessante.
Obrigada por compartilhar sua experiência.
abraços
Thais
Saudades de Luanda.
Gostei de saber mais da atual Luanda.
Dos escritores gosto de Luandino Vieira, de Viriato Cruz e adora Alda Lara. Pepetela ainda não li nada.
Um abraço e boa semana
é bem complicadinho conseguir o visto para brasileiro visitar a angola…precisa ficar um tempão na embaixada até aprovarem! gostei da lista de museus!
Para os portugueses não é muito mais fácil, Angela. No meu caso, piora um pouco porque preciso pedir um visto para uma criança!
nuss bom saber que n facilitam pra ninguem aheuahea demora tanto tempo assim tb? eh muito mais papelada pra criança?
É normal que se tenha mais cuidado quando se tratam de menores, o chato é que os papéis que pedem muda constantemente
As relações atuais entre países não estão no seu melhor…
Mas isso não impede que se classifique esta foto/reportagem como maravilhosa!
Bjs
Olhar d'Ouro – bLoG
Olhar d'Ouro – fAcEbOOk
Outro ótimo post, Ruthia. Quando li o do cemitério dos navios, fiquei curiosa para saber sobre a situação atual de Angola. Bom saber que as coisas estão melhores e que há boas opções para locais e turistas. Há 15 ou 20 anos uma amiga próxima viveu em Luanda e me contou das dificuldades e horrores deixados pela guerra. Abraços
Ainda há muitas dificuldades e falta de infraestruturas várias. O país tem desenvolvido um esmagador programa de reconstrução. Ainda não recebe muitos turistas, em parte por causa da dificuldade de obter um visto.
Abraço
Que lista mais interessante e diversificada de museus, eu adoro visitar museus nas minhas viagens e achei o post muito bom pra planejar um roteiro cultural.
Gostei bastante desta bela reportagem e aquela primeira sala tem uns painéis de azulejos fantásticos.
Um abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Adorei o post e a seleção de museus. Visitando cada um deles dá para aprender um pouco mais sobre os diferentes aspectos sociais, culturais e históricas desse país que deve ser maravilhoso. Parabéns!
É verdade, Fernanda. No conjunto, oferecem uma visão muito geral sobre o país e a sua sociedade. O país é lindo e tem muito potencial.
Que seleção maravilhosa.. Museus serão são ótimas dicas de passeios em viagens, os de história natural geralmente encantam as crianças 😉
saudades de pisar em um museu…. ai amiga, ando tão cheia de trabalho que mal tem sobrado tempo para mim… mas é necessário, quero sair da situação em que me encontro para dar melhor qualidade de vida pro Ali meu filho… já saí da zona de conforto… agora é continuar com a mão na massa para colher frutos no final deste ano, se tudo correr bem! bjs guria querida, com meu peito doendo de saudades
Quantos museus interessantes, Angola tem muita história pra contar, sua cultura é linda e merece ser mais divulgada.
Seu post me fez refletir o quanto tempo eu não vou em um museu e o quanto eu to perdendo com isso, quando eu era criança a escola vivia fazer passeios para museus e eu nunca aproveitei, achava tedioso demais e hoje tenho tanta vontade de ir em diversos museus. Sua seleção foi maravilhosa e espero ter oportunidade de conhecer todos ainda!
Beijos <3
vidaem-metamorfose.blogspot.com.br
Antigamente os museus eram um tédio mesmo. Felizmente estão cada vez mais interessantes. Beijo
Aí meu coração!Que Blog maravilhoso é esse!Eu sou louca para conhecer Luanda.Eu não sei explicar,sinto que minhas raízes estão aí em Angola.Sabe aquilo que a gente sente e não consegue explicar?
Museus são bons lugares para se conectar com o destino,porque podemos mergulhar naquilo que tem de mais preciso para cada povo, a sua história.
Bem, se há nação com raízes em Angola é o Brasil. E não estou a falar de raízes genéticas apenas, mas raízes culturais, artísticas, gastronómicas e religiosas. Entendo perfeitamente esse sentimento de pertença.
É verdade,principalmente meu estado a Bahia.
Como é estimulante saber dos bons ventos quer pairam sobre Angola.Um renascimento merecido e esperado.Tamanha riqueza cultural precisa ser incentivada e preservada cada vez mais e, o número de museus está contribuir. Que ótimo! Aí está mais um lindo destino turístico.
Adorei o post, Ruthia.
Bom final de semana,
Bjka,
Calu
Que estes bons ventos se prolonguem por muito tempo e na direcção certa.
Beijinho Calu
Se tem algo que eu, sem sombra de dúvidas amo, isso são Museus. Adoro como conseguimos reunir num local tão importante partes da história e cultura. Esses em Luanda me encantaram demais
Olá!Que satisfação poder conhecer essas histórias de culturas e conhecer esses museus belíssimos.
Sempre que falam sobre a Angola são coisas tristes,com estas informações tive a oportunidade de ver uma evolução e saber mais sobre a cultura,quem sabe um dia terei o prazer de conhecer pessoalmente.Excelente post!Sucesso!Bjss
O país não costuma aparecer nos noticiários pelos melhores motivos. Tem razão. E como recebe poucos turistas, o outro lado não é mostrado.
Oi.
Tudo bom?
Eu tenho muita vontade de conhece e Angola, ate por sua historia, mas pra conseguir o visto pra eu e minha família é mais complicado do que a viagem em si, Brasil é muito burocrático pra tudo.
Ótima postagem.
Beijos
Olá Michelle, seja bem vinda aO Berço.
Os processos para obtenção de visto são da responsabilidade do governo do país emissor, ou seja, do país que queremos visitar. No caso de Angola, o processo é um pouco moroso para nós portugueses também.
Oi, Ruthia!
Esse post me deu aquela curiosidade boa de quem não conhece nada de um destino, mas começa a ficar cada vez mais interessado. Imagino quão interessante deve ser visitar um museu da escravatura pela perspectiva do lado oprimido, não do lado opressor como estamos acostumados. Visitaria com certeza.
Mas meu encanto maior ficou por conta do Museu da Historia militar, exatamente pelas lindas paredes revestidas de azulejos contando a história de Angola. Da mesma forma que te encantou, fiquei curiosa pra ver os detalhes desse trabalho tão delicado e que mistura Portugal e Angola de uma maneira tão intima.
Obrigada pela doce (e curiosa) viagem pela África! Beijos!
Sabe que quando visitei o Museu da Escravatura senti o coração apertado e com uma pontada de culpa? É um passado que nos deve envergonhar a todos, enquanto seres humanos.
Quanto ao museu militar, a sala é realmente maravilhosa. Ainda que fosse um edifício português, usando técnicas artísticas portuguesas, achei lindo a inspiração na história angolana.
Eu é que agradeço a sua presença sempre tão amável…
Museus muito bons! Bom, uma coisa é certa: riqueza ali não falta, o problema já se sabe qual é…
Beijinhos 🙂
Que lindo esse post, é sempre bom a gente conhecer as histórias dos lugares por onde passamos. Tenho vontade de viajar e conhecer outros países e a ideia de ir em museus ajuda muito… Parabéns!!
Olá, não conheço Luanda, esses museus parecem ser incríveis, ótima dica porque museu é o melhor lugar para conhecer um país e sua história.
Abraços.
Olá tudo bem? Sou uma amante de viagem , por enquanto fiz só Nacionais . Seu post me fez sonhar com um tur pelos museos de Luanda,satisfez minha alma viajante , viajei através de seus olhos . Obrigada. Bjssss
Daria para conciliar esses museus em um pitstop em Luanda entre voos? Se sim, quais?
Dificilmente, Leo. O aeroporto não é, por defeito, um ponto de escala aérea. A única possibilidade que vejo é algum voo da TAAG (transportadora Angola) com destino para a África Austral, por exemplo, Rio de Janeiro-Joanesburgo.
Abraço
Lindo post! Adoro visitar museus e achei muito interessantes o Museu da Escravidão e o de antropologia. Confesso que não iria no Museu Militar porque não gosto muito desse tipo de acervo.
O acervo do Museu Militar também não me fascina particularmente, mas o edifício é fantástico e encerra muita história.
Eu adoraria visitar a Angola, mas ainda não planejei porque é complicado o processo do visto pra Brasileiros… mas um dia irei e quero visitar esses museus em Luanda!
Morro de vontade de ir a Angola, fiquei muito curiosa com esse teu post, uma pena que não conseguiu visitar o museu de Antropologia…! Obrigada pelas dicas!
Adoro ler os seus posts sobre a África! Estou descobrindo muita coisa legal e esse sobre museus em Luanda é bem interessante. Já estou com vontade de planejar uma viagem para esse continente que pouco conheço.
Beijinhos,
Mari