Atualizado em 27 Fevereiro, 2023
Hoje propomos um passeio fora da caixa, na cidade de Paredes, a meia hora do Porto. A “Rota dos Brasileiros de Torna-Viagem” leva-nos pelos palacetes de emigrantes que fizeram fortuna do outro lado do Atlântico, regressando depois à terra que os viu nascer
A jovem e industrial cidade de Paredes não é um destino turístico badalado. O logótipo do município, uma cadeira, remete para a importância desta indústria – aqui se produz 65% do mobiliário nacional -, mas também para a figura das “cadeireiras”, senhoras que, descalças, carregavam cadeiras e outros pequenos móveis.
Paredes é assim uma mistura de trabalho e tradição, com os acessos da grande área metropolitana do Porto, mas com o toque bucólico do vale do rio Sousa. Com grandes fábricas, mas também pequenas oficinas de marcenaria e campos agrícolas.
No Dia Mundial do Turismo explorámos parte do património histórico da cidade de Paredes, a pretexto do passeio de carros clássicos na Rota dos Brasileiros de Torna-Viagem. Daí surgiu a inspiração para este roteiro, com cerca de 33 quilómetros, que inclui alguns casarões de emigrantes que fizeram fortuna no Brasil, mas sem esquecer outros locais imperdíveis que integram, por exemplo, a Rota do Românico.
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A maioria das casas da rota dos brasileiros é propriedade privada, pelo que nos ficamos pelas fachadas. Algumas frontarias são tão interessantes, que demos por nós a imaginar o interior e as estórias que teriam ali acontecido.
Os bons ares de Louredo da Serra
Começamos esta road trip na freguesia de Louredo da Serra, conhecida pelos seus “bons ares” que explicam o sanatório, um grande edifício revivalista dos anos 20, hoje em avançado estado de degradação.
Adriano Moreira de Castro é o motivo que nos leva à pequena Louredo, a cerca de 6 km do centro da cidade de Paredes. O emigrante fez fortuna em Belém do Pará e, de regresso à sua aldeia natal, construiu a imponente Casa da Castrália, para além de financiar uma grande escola ali perto e atribuir bolsas de estudo.
“Pão e educação” – os seus ideais republicanos traduzidos em ações foram reconhecidos pelo Presidente da República, General Óscar Carmona, que lhe atribuiu o título de Cavaleiro da Ordem da Instrução Pública, em 1936.
Um dos actuais proprietários da Casa da Castrália abriu-nos as portas deste palacete que tinha uma elegante sala de música, chão de madeira trabalhado e até água canalizada. Os móveis antigos estão cobertos de pó e de uma pátina nostálgica que lhes dá muito charme.
#Dica: para visitar a Casa da Castrália, deve contactar os serviços de turismo de Paredes, através do email turismo@cm-paredes.pt.
#Dica2: não deixe de visitar a Igreja de S. Cristóvão, o ex-líbris barroco do concelho, e de admirar longamente o seu exuberante retábulo de talha dourada.
Bitarães e a N. Senhora dos Chãos (4,7 km)
Fazemos uma pit stop em Bitarães, para conhecer a singela Capela de N. Senhora dos Chãos, no grande largo onde se festeja a romaria em honra desta protetora das colheitas, a 7 e 8 de Setembro. A devoção local pela N. Senhora dos Chãos é tal, que o brasão da antiga freguesia (a reforma administrativa juntou-a à freguesia de Paredes) possui uma coroa mariana, por cima das espigas de trigo.
Junto a este largo existe outra casa de um brasileiro torna-viagem, a Vila Engrácia, mais modesta que a Casa da Castrália e, aparentemente, mais bem conservada.
Produtos da terra no Palacete da Granja (4,4 km)
No centro de Paredes encontramos o Palacete da Granja, hoje transformado em Casa da Cultura, com espaço para exposições, concertos e conferências. O seu primeiro dono foi o ilustre e abastado Joaquim Bernardo Mendes, 1º visconde de Paredes.
Regressado da Bahia, o abastado senhor mandou construir esta “casa pintada de amarelo com um jardim à volta” (Sophia de Mello Breyner), onde receberia a visita do rei D. Carlos. O afilhado do visconde descreveu uma visita ao palacete “magestoso para uma terra de província, cercado de grande jardim gradeado, com dois mirantes e dois lagos com repuxos permanentes” (sic), no livro A Árvore das Patacas.
#Dica: esta é a única casa de brasileiro torna-viagem sempre aberta ao público. O acesso é gratuito. Provámos vários produtos locais no Palacete da Granja: tremoços, broa, mel, vinho verde e bolos da Mansinha.
Antes de deixar o centro da cidade, dê um passeio no agradável Parque da Cidade de Paredes e conheça o Largo José Guilherme, onde os cidadãos do início do século XX, habitualmente descalços, tinham de calçar uns socos para poderem atravessar a praça.
Para conhecer melhor a região vinícola, porque não visitar a Quinta da Aveleda: tradição e vinho verde, muito perto de Paredes?
Cete, na Rota do Românico (6,7 km)
Chegamos à Casa do Verdeal, com a sua linda fachada de azulejos em tons de amarelo, vermelho e azul. Vitorino Leão Ramos, que emigrou muito jovem para o Rio de Janeiro e regressou em finais do século XIX, era o dono desta quinta que ergueu junto à casa dos seus pais.
Embora mantivesse residência no Porto, o benemérito financiou várias obras em Paredes, nomeadamente uma escola mista, para ambos os sexos, muito perto da Casa do Verdeal que, ainda hoje, mantém a sua função educativa.
Mas a principal atracão local é o Mosteiro de S. Pedro de Cête (imagem de entrada), um edifício do século X que integra a Rota do Românico, apesar de somar traços românicos, góticos e manuelinos. Túmulos de cavaleiros nobres, muito bem conservados, repousam hoje tranquilamente nos claustros do mosteiro.
A Casa do Verdeal captada pela dupla de amigos Gato Vadio
Baltar, que diz ser o “centro do mundo” (4,9 km)
Nova paragem, em Baltar, onde outro brasileiro de torna-viagem construiu uma linda casa. A graça da Casa de Ernesto Leão, irmão do benemérito de Cête, reside sobretudo nos seus apontamentos de ardósia e nos vidros coloridos. Para mim, é uma das mais bonitas e, provavelmente, a mais bem conservada da rota. No piso inferior, funciona um ginásio!
À saída de Baltar encontra ainda as Casas dos Pereiras. Três irmãos que fizeram fortuna comercializando têxteis – Firmino, Vitorino e Belmiro –, construíram três edifícios imponentes na estrada que ligava Paredes ao Porto. Hoje restam apenas duas dessas casas, uma das quais, coberta por pequenos azulejos floridos, chegou a funcionar como escola.
Nesta vila que adoptou o slogan “o centro do mundo”, o que gerou vários memes e observações anedóticas dos seus vizinhos, encontra ainda a pequena capela medieval da Senhora da Piedade, que integra a Rota do Românico, e um kartódromo.
#Dica: não deixe de visitar o dólmen do Padrão, um importante monumento megalítico, por causa das suas pinturas.
Aguiar de Sousa e a Senhora do Salto (12,7 km)
Terminamos esta aventura num dos limites do concelho de Paredes: a cerca de 3 km existe uma entrada para a autoestrada, o que facilita o regresso a casa. A última paragem faz-se na Senhora do Salto, junto das escarpas da “Boca do Inferno”, onde o Sousa se mostra mais exuberante .
No leito e nas margens do rio existem várias “marmitas de gigante”, que resultam da erosão, por movimentos giratórios, de areias e seixos. Claro que crendice popular tratou de arranjar as suas razões para o fenómeno geológico.
A lenda da Senhora do Salto representa a cidade de Paredes na obra 17 Histórias baseadas em lendas e narrativas da área metropolitana do Porto. De forma resumida, conta que um cavaleiro foi salvo da queda mortal, ao encomendar-se à Virgem, em nome da sua devota amada. Diz o povo que as cinco grandes marmitas representam as quatro patas e o focinho do cavalo que aterrou, milagrosamente, incólume.
#Dica: aqui fica outro monumento que integra a Rota do Românico: a Torre do Castelo de Aguiar de Sousa. Não deixe de conhecer ainda a Mamoa de Brandião.
Ficaram por conhecer as minas de ouro (Sobreira) e, em Lordelo, a Torre dos Alcoforados que faz parte da Rota do Românico. Ali existem várias casas de emigrantes que regressaram à sua terra natal, com dinheiro e novos hábitos, vestuário, valores éticos e morais: Palacete dos Silvas Moreiras, a Casa de Amaro Martins Ribeiro, a Casa do Ribeiro e a Quinta de Lamas. Infelizmente, nenhuma delas é visitável.
Dicas úteis para visitar a cidade de Paredes
Como chegar
O concelho de Paredes é servido por quatro autoestradas (A4, A41, A42, A43), que facilitam o acesso em carro próprio ou alugado. Para quem pretende fazer uma viagem mais tranquila e contemplativa, pode optar pela estrada nacional 15, que liga o Porto a Bragança.
Também é possível chegar desde o Porto de comboio, através da linha do Douro da CP (paragem em Recarei-Sobreira, Cête, Paredes ou no apeadeiro de Parada de Todeia), ou de autocarro, com a Transdev e a Rodonorte. No entanto, o roteiro descrito exige uma viatura, pois os pontos de interesse estão dispersos pelo concelho e não existe uma rede de transportes públicos que una todos eles.
Onde ficar
A oferta hoteleira perto do centro de Paredes não é muito abundante, destacando-se o Paredes Hotel Apartamento e a Estrebuela House, com piscina exterior e estacionamento privado. Na freguesia de Louredo da Serra, onde iniciámos este roteiro, gostei da Louredo House, uma casa de granito remodelada que faz parte da estrutura do afamado restaurante Cozinha da Terra. Para outras opções de alojamento em Paredes, não deixe de consultar o Booking.
Onde e o que comer
A região é famosa pelo cabrito assado em forno a lenha, com arroz de forno. No capítulo dos doces, destaca-se a tradicional sopa seca, um doce à base de pão, mel e canela. Outros produtos famosos são o mel, os tremoços, o vinho Todela (verde), a broa e os bolos de festa da confeitaria Mansinha, cujo nome se inspira na lenda de uma menina moura.
#Curiosidade: os habitantes de Paredes são conhecidos como os tremoceiros, por causa da produção local de tremoços, snack que é muito apreciado.
Várias pessoas nos recomendaram a Cozinha da Terra (Louredo) e a Casa dos Frangos (Baltar), mas acabámos por almoçar no Solar da Brita (Louredo), onde destaco as pataniscas de bacalhau e o leite-creme. O resto do grupo comeu, e elogiou convenientemente, o cabrito típico.
Junto à Senhora do Salto, em Aguiar de Sousa, existe um barzinho muito concorrido, popularmente conhecido como “Pele e Osso”. Disseram-nos maravilhas da sua especialidade: uma sandes de bifana temperada em vinha d’alhos. Mas acabámos por não parar, por causa da quantidade de gente na esplanada.
Nota: esta visita foi realizada a convite do Município de Paredes, a quem agradecemos o convite.
22 Comentários
Olá, Ruthia. Vi a chamada para este post no Facebook e fiquei curiosa, pois nunca tinha ouvido sobre esta rota ou a cidade de Paredes. Parabéns pelo post, como sempre bem escrito, informativo e com imagens lindas. E você fez a rota a bordo de uma Kombi ou deste outro carro que já vi pela Europa mas cujo nome não sei?
Aqui em Portugal chamamos “pão de forma”. Curioso, né? A ideia inicial era fazer a rota num carro clássico, mas pressupunha um ritmo de passeio que não permitiria visitar tudo o que visitámos em apenas um dia. Quem sabe noutra ocasião. Acho bem charmosos esse tipo de veículos
Amei conhecer essa rota e um pouco da história dos portugueses que retornaram do Brasil. Os palacetes são lindos e lembram muito vários aqui do Rio de Janeiro (a influência é inegável).
Adoro programas que saem do lugar comum e certamente visitar a cidade é uma experiência que sai do tradicional roteiro de viagem. Amei passear pelo seu post!!!
Eu também gosto de roteiros que saem do lugar comum. E quando misturam um bocadinho de história então…
Oi Ruthia, jamais tinha ouvido falar em Paredes. Fiquei intrigada com a foto de carros nostálgicos em seu instagram e vim entender do que se tratava e conhecer um pouco mais do querido Portugal. Fascinante como as história dos dois países estão sempre entrelaçadas. Um roteiro apaixonante!
É verdade. Este fim-de-semana estive no centro de Portugal, e contaram-me a história de como uns pescadores salvaram D. Pedro de morrer afogado. Uma vez mais, um facto que influenciou o rumo da história dos nossos dois países
Que interessante esta rota e tudo que ela oferece ao visitante, Ruthia. Gostaria muito de conhecer Paredes, quem sabe em outro retorno à querida Portugal?
Isso mesmo. Há muito nas redondezas do Porto para conhecer.
Tão gira a rota. Quem se iria lembrar de fazer uma rota dessas? E no entanto parece mesmo gira e interessante. Além do bónus de ficar perto do Porto.
Fiquei curiosa ☺️
Que interessante saber que existe essa rota dos portugueses que retornaram à sua pátria mãe após viverem no Brasil. Achei muito informativo este post sobre a cidade de Paredes e adorei saber dos tremoços, algo muito comum aqui na minha cidade, que tem muitos imigrantes portugueses. Um dia irei conhecer Portugal e quem sabe terei a oportunidade de conhecer esse roteiro. Obrigada pela dica. beijos
A emigação para o Brasil foi um fenómeno muito comum no norte de Portugal e Paredes não é a única localidade que tem uma rota inspirada neles. Interessante não é?
Adorei saber mais sobre a cidade de Paredes, parece um lugar bem agradável para passear e conhecer a história
Grata pela visita guiada Ruthia, tanto mais que nunca estive em Paredes. Uma dica para e se voltar ao norte.
Abraço, saúde e boa semana
Adorei as suas dicas!
Nunca tinha pensado em incluir a cidade de Paredes no meu roteiro, mas o passeio me pareceu super bacana!
Apesar de quase não alugar carro quando viajo acho que para esse itinerário vai valer a pena!
Obrigado!
Nesse caso é mesmo preciso um carro, pois os pontos de visita estão bem afastados entre si.
Muitíssimo interessante a história da cidade de Paredes e as casas construídas são realmente bem suntuosas.
Eu amo os seus roteiros! Sempre sugerindo lugares fora da caixa. Nunca ouvi falar sobre a cidade de Paredes e já estou apaixonada com a ideia de fazer um novo tour nos arredores do Porto.
Essa capela me pareceu linda, adoro conhecer esse lugares menos conhecidos de Portugal
Olha que engraçado! Paredes é mesmo aqui ao lado mas nunca fui explorar a cidade para descobrir estes encantos e recantos!
Adoreeeei ler sobre a rota de Paredes em Portugal. Nunca tinha ouvido falar e com certeza entrou para a minha lista de lugares para visitar. Fiquei apaixonada pela Igreja de S. Cristóvão, que lugar lindo! Me parece um pouco as igrejas de Salvador, no Brasil.
Muito bom saber de mais uma cidade de Portugal e, dessa vez, próxima ao Porto. Imagino que interessante visitar Paredes e saber mais sobre a história de Portugal e dos brasileiros. Cada lugarzinho lindo e histórico. Adorei a dica de onde comer também!
Não fazia ideia que Paredes tinha estes segredos tão bem escondidos. Bela sugestão!