Atualizado em 21 Março, 2024
Milhares de fiéis e peregrinos chegam para a Semana Santa de Braga, uma das mais famosas de Portugal. Tradição multisecular que se perpetua com devoção, entre procissões noturnas e misteriosos farricocos
As cerimónias litúrgicas de Braga destacam-se entre as muitas que acontecem em Portugal durante a Semana Santa, atraindo fiéis de várias partes do mundo. Para muitos, este é o principal centro religioso do país, movimentando um segmento do turismo cuja motivação fundamental é a fé e que leva, igualmente, milhares de pessoas a Fátima.
Apesar de ser uma das cidades portuguesas mais jovens e dinâmicas, Braga mantém uma aura tradicional, que deriva da sua história antiquíssima, das suas igrejas barrocas, esplêndidas casas do século XVIII e primorosos jardins. Conhecida no tempo dos romanos como Bracara Augusta, tornou-se sede do episcopado português no século XII.
A influência da igreja católica inspirou a construção de grandiosos lugares de culto – incluindo o Bom Jesus de Braga, classificado como património mundial da UNESCO – e denominações como Roma portuguesa e cidade dos arcebispos.
A Semana Santa de Braga é um momento único no calendário e na rotina desta cidade dos arcebispos, que se veste de roxo para recordar a Paixão de Cristo. É mesmo chamada a “semana maior”, pela demonstração de fé, dinâmica cultural e potencial turístico.
A Semana Santa festeja-se em Braga desde o século XVI, pelo menos. As festividades terão sido inspiradas num manuscrito do século IV, que descreve uma peregrinação aos lugares santos, ou seja, à Terra Santa (Peregrinatio ad Loca Sancta).
As majestosas celebrações religiosas são realizadas nas diversas igrejas da cidade [Leia também 8 igrejas para conhecer em Braga], a via-sacra estende-se a várias freguesias e as procissões quaresmais são acontecimentos únicos para os crentes.
O programa da Semana Santa e Quaresma cresce cada ano, somando aos muitos momentos religiosos vários acontecimentos culturais. Em 2024, a Semana Santa celebra-se entre 24 e 31 de março, no entanto as celebrações começam antes, com o início do Lausperene Quaresmal.
Se pretende visitar Braga durante a Semana Santa, leia este artigo até ao fim. Estou certa que o vai ajudar a planear a visita.
Pontos altos do programa da Semana Santa
Lausperene Quaresmal
Tradição instituída no século XVIII pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles, permanece uma rotina confortável na vida dos bracarenses três séculos depois. Entre a quarta-feira de Cinzas e a quinta-feira Santa, o Santíssimo Sacramento é exposto em mais de 20 igrejas da cidade, permanecendo um ou dois dias em cada uma.
É durante o Lausperene Quaresmal – e apenas neste momento do calendário – que muitos destes lugares abrem as suas artísticas tribunas, utilizam as suas porcelanas, damascos e ourivesarias, num esplendor acentuado pelas flores, velas e cortinas roxas na entrada principal, para além dos tradicionais “rebuçados do Senhor”.
Para as pessoas que não são religiosas, mas gostam de apreciar as igrejas por dentro, esta é uma boa oportunidade, já que muitas só estão abertas no horário dos ofícios religiosos, durante o resto do ano.
Trasladação da imagem do Senhor dos Passos e Via Sacra (Sábado de Ramos)
O Sábado de Ramos é como uma primeira vigília, de carácter penitencial, a preparar a Semana Santa. Nessa noite, pelas 21h30, realiza-se uma procissão em que se transporta a imagem da Igreja de Santa Cruz para a Igreja do Seminário (de S. Pedro e S. Paulo).
Tudo começa junto à igreja de Santa Cruz, com o Sermão do Encontro, seguindo-se a procissão em que a própria imagem de Jesus, o chamado “Senhor dos Passos”, leva a cruz às costas. A “Senhora das Dores” junta-se-lhe no caminho, lembrando a forma como Maria acompanhou o caminho espinhoso do filho, ao som do canto Miserere.
Segue-se a via sacra, que passa pelos oito calvários, recordando as fases do caminho de Jesus: as portas verdes de madeira apenas são abertas durante a Semana Santa.
- 1ª Estação: Jesus toma a sua cruz | Largo de São Paulo
- 2ª Estação: Jesus encontra Sua Mãe | Largo de Santiago
- 3ª Estação: Jesus cai por terra | Rua de S. Paulo
- 4ª Estação: A Verónica limpa o rosto de Jesus | Rua D. Paio Mendes
- 5ª Estação: A caminho do Calvário | Casa do Igo (Campo das Carvalheiras)
- 6ª Estação: Jesus consola as mulheres de Jerusalém | Arco da Porta Nova
- 7ª Estação: Segunda queda | Largo do Paço
- 8ª Estação: Jesus é pregado na cruz | Casa dos Coimbras
Bênção e Procissão dos Ramos (Domingo de Ramos, 11h00)
No Domingo de Ramos comemora-se a entrada de Jesus em Jerusalém, fazendo antever a sua entrada no reino celestial, após a ressurreição. Os ramos são abençoados pelo arcebispo na igreja do Seminário (Largo de S. Paulo), seguindo-se uma procissão em direção à Sé.
Este percurso recorda o momento em que Jesus, cinco dias antes de morrer, desceu do Monte das Oliveiras montado num jumento e o povo saiu ao seu encontro, atapetando o caminho com os mantos e ramos de árvores, aplaudindo-o com entusiasmo.
À entrada da catedral, o arcebispo ritualiza a entrada de Jesus em Jerusalém (segundo o antigo costume do Rito Bracarense), com o diálogo entre Jesus e os guardiões da cidade, a cujas três batidas na porta, com a cruz, são sensíveis e abrem os pórticos antigos. O arcebispo oficia depois a Missa do Domingo de Ramos, na Sé.
Visita Pascal (Domingo de Páscoa)
A visita pascal é um dos costumes mais enraizados no norte de Portugal, no Domingo de Páscoa ou, em alguns casos, na Segunda-feira de Pascoela. O compasso, sempre que possível presidido por um sacerdote de trajes festivos, dirige-se com a cruz de casa em casa, a anunciar a ressurreição de Cristo e a abençoar os lares cristãos.
As campainhas anunciam a aproximação do cortejo e muitas famílias continuam a enfeitar o caminho até sua casa com tapetes de flores (e, por vezes, as janelas com as melhores colchas), para dar as boas-vindas à visita. Há foguetes no ar e um ambiente de festa, à medida que as famílias se juntam para receberem e beijarem a cruz. Em muitas aldeias, ainda se oferece folar, pão-de-ló, vinho do Porto e outras iguarias pascais ao padre e acompanhantes.
Principais procissões em Braga
A procissão da “burrinha”, a procissão Ecce Homo e a procissão do Enterro do Senhor são a tríade mais aguardada da programação religiosa da Semana Santa de Braga. As três acontecem à noite. Vamos conhecê-las um pouco melhor?
Cortejo bíblico “Vós sereis o Meu povo” (quarta-feira)
Entre os bracarenses, este cortejo é conhecido como procissão da Burrinha ou de Nossa Senhora da Burrinha. Uma tradição que esteve suspensa durante 25 anos, até ser reavivada pela paróquia e Junta de Freguesia, no final dos anos 90.
O desfile representa 24 cenas do Antigo Testamento, por ordem cronológica: da aliança com Noé à era dos Patriarcas, da escravidão no Egipto à libertação, da infância de Jesus, à sua fuga com os pais, montados numa burrinha (está explicado o nome).
Em resumo, este cortejo, que regista uma forte envolvência da comunidade, recorda a aliança de Deus com o povo escolhido e simboliza a futura aliança com a Humanidade, selada com o sangue de Cristo.
Procissão “Ecce Homo” (quinta-feira)
A procissão da Quinta-feira Santa evoca o julgamento de Jesus e é popularmente conhecida como procissão dos Fogaréus ou do Senhor da Cana Verde. O nome oficial alude às palavras proferidas por Pilatos aos judeus: «Eis o homem», quando lhes mostrou Jesus coroado de espinhos, com uma cana verde a servir-lhe de cetro.
Apenas um andor, com o Senhor da Cana Verde, participa nesta procissão que parte da Igreja da Misericórdia (no coração do centro histórico) e incorpora, obrigatoriamente, todos os irmãos daquela Irmandade. Os famosos farricocos, descalços, encapuzados e carregando fogaréus acesos, são o traço mais distintivo deste cortejo. Adiante contar-vos-ei mais detalhes sobre estas figuras negras, que são imagem de marca do turismo de Braga e inspiram o temor das crianças.
Procissão Teofórica (Sexta-feira Santa)
Antes da procissão do Enterro do Senhor, no interior da Sé, realiza-se uma cerimónia cujo nome provém de “teofania”, designação antiga da epifania dos cristãos. Cânticos medievais servem de fundo a este ritual, em que uma hóstia consagrada e a bíblia são metidas num caixão, levado aos ombros pelos Cavaleiros do Santo Sepulcro, assinalando o final da Paixão de Cristo.
Os cónegos vestem paramentos negros e cobrem a cabeça com os amictos*, em sinal de luto, enquanto acompanham o caixão pela Sé de Braga.
Nota: amicto é um pano retangular de linho, com uma cruz no meio e fitas nas duas pontas. O amicto começou a ser usado no século VIII sobre a alva (vestimenta branca), em certas ocasiões, para cobrir a cabeça do sacerdote.
Procissão do Enterro do Senhor (Sexta-feira Santa)
Na cidade de Braga, destaca-se ainda a procissão do Enterro do Senhor, instituída em Portugal em finais do século XV, uma tocante manifestação de fé e recolhimento liderada pelos farricocos com as matracas silenciosas e os fogaréus apagados, assentes nos ombros. Os cónegos, com os seus longos mantos negros, transportam uma tocha acesa.
Toda a cidade carrega o luto e faz um silêncio de cortar à faca, interrompido apenas, a espaços, por uma voz que entoa: «Heu, heu, Domine, heu, Salvator Noster!». Três andores participam neste cortejo lúgubre e solene (esquife de Jesus, Santa Cruz e a Senhora das Dores), para além de muitos “anjinhos” vestidos de luto e centenas de autoridades, confrarias, irmandades e cavaleiros de diversas ordens.
Os Farricocos
Os misteriosos farricocos emprestam à Semana Santa de Braga toda uma aura de penitência, com os seus pés descalços. Vestidos com túnicas negras até meio da perna (os balandraus), uma corda atada à cintura, outra a cingir-lhes a testa e a cabeça, sobre um capuz com dois buracos para os olhos, os farricocos representam os antigos penitentes.
Chamados igualmente de “homens dos fogaréus”, transportam um longo cabo de madeira, na ponta do qual balança uma bacia de cobre com pinhas a arder (na procissão Ecce Homo). Outros companheiros acompanham-nos com cestas cheias de pinhas, destinadas a alimentar os fogaréus.
Na sua origem pagã, os farricocos anunciavam, recorrendo às matracas ou «matráculas», a passagem dos condenados, relatando os crimes por eles cometidos. Já cristianizados, mantiveram a tarefa incómoda de «lançar as pulhas», ou seja, de divulgar em público os mais íntimos segredos de cada família, a coberto da escuridão e do disfarce.
Havia também os farricocos que se limitavam a fazer soar as matracas, após os sinos se calarem, chamando os fiéis para a confissão e penitência – tal como ainda hoje se faz em Braga e noutras localidades durante a Quinta-Feira Santa.
Programa cultural da Semana Santa
Nos últimos anos, a programação da Semana Santa de Braga tem sido ampliada, resultando em inovação nas procissões e enriquecimento das celebrações na Sé. A quadra também tem sido enriquecida com eventos culturais, tais como concertos e espetáculos de rua.
Do rico programa cultural organizado pela Comissão da Semana Santa de Braga consta sempre vários concertos, destacando-se o concerto da igreja de São Marcos do Hospital (uma semana antes da Sexta-feira Santa); o concerto na Igreja de Santa Cruz (Segunda-feira Santa) e o concerto coral sinfónico, na Sé Catedral (Terça-feira Santa).
Acrescente-se exposições em vários espaços da cidade, sobre a temática da Quaresma-Semana Santa-Páscoa, concurso fotográfico, visitas guiadas, representações, o Ciclo de Conferências “Nova Ágora”, entre outros acontecimentos, que pode acompanhar através da página oficial da semana santa.
Dicas práticas para aproveitar a Semana Santa de Braga
Como chegar a Braga
Braga fica a pouco mais de 50 quilómetros do Porto e 360 km de Lisboa, de onde pode apanhar um comboio (trem) ou autocarro. A estação de comboios de Braga fica a cerca de um quilómetro do centro da cidade, sendo facilmente alcançável a pé. Consulte o site www.cp.pt para mais informações sobre horários e as linhas disponíveis.
Várias empresas fazem a ligação entre Porto e Braga de autocarro, nomeadamente a GetBus (desde o aeroporto), Transdev, Rede de Expressos e Flixbus.
De carro, pode chegar a Braga pela A3, seguindo para Braga-Celeirós (saída 8), ou através da A11, saindo nas portagens na direção Braga-Barcelos. Uma estrada nacional liga Braga a Guimarães, a cerca de 23 km. Existem vários parques de estacionamento subterrâneos no centro da cidade, embora se possam revelar um pouco labirínticos. Dificilmente encontrará estacionamento gratuito na cidade.
Onde ficar
A oferta de alojamento em Braga é abundante e para todos os bolsos. Quem procura uma hospedagem central e com algum conforto, posso recomendar o Burgus Tribute & Design Hotel (****), que tem estacionamento privativo (pago) ou o Vila Galle Collection Braga.
Uma solução intermédia, a dois passos o principal monumento da cidade, é a Sé Guesthouse, com uma decoração sóbria e acesso a cozinha, onde pode preparar algumas refeições.
Entre as opções mais económicas destaca-se o InBraga Hostel, com uma localização simpática e preços bastante acessíveis, para dormitórios com 10 camas.
O que comer em Braga
Braga é conhecida pelo seu Bacalhau à Braga (servido com batata frita às rodelas), que pode provar no restaurante Arcoense ou na Cozinha da Sé, por exemplo. É um bom local para provar também outros pratos tipicamente minhotos, como cabrito, rojões, arroz “pica no chão” e papas de sarrabulho.
As seculares frigideiras (pastel de massa folhada recheado com carne) são outro cartão-postal; no mesmo local pode provar o bolo romano. No quesito doçaria, a cidade é famosa pelo pecaminoso Pudim de Abade Priscos (bomba calórica que vale tanto a pena). Existem alguns docinhos tradicionais, como fidalguinhos, moletinhos e sameirinhos, mas nada de inesquecível e imperdível.
Encontra algumas dicas de locais para comer no artigo Comer em Braga, roteiro gastronómico.
Este post faz parte do 8on8, um projeto coletivo que une lindas viajantes em volta de um tema comum, no dia 8 de cada mês. Espreitem os restantes textos sob o tema “Datas Especiais”, inspirem-se e partilhem:
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11 Comentários
Gosto imenso de Braga, já lá estive várias vezes, a ultima numas férias em 2012, mas nunca na Semana Santa.
Abraço e saúde
Se é uma pessoa de fé, acredito que estar na cidade nesta semana seria muito especial
Que interessante! Não conhecia nada sobre a Semana Santa de Braga – estive lá rapidamente em uma das minhas primeiras eurotrips, que foi justamente por Portugal todo. Mas isso foi em fevereiro rs. Aqui no Brasil não se vê festas de Semana Santa assim nos grandes centros urbanos – talvez só no interior de Minas/cidades menores?
Braga é uma cidade tão jovem que, apesar de ter muitas igrejas, nem se imagina como fica transformada durante a Quaresma.
Gostei muito de saber a programação da Semana Santa em Braga. Tenho muita vontade de assistir ao Farricoco. Você já participou?
O farricoco não é um evento, é uma personagem que participa nas procissões
Fiquei encantado com a Semana Santa em Braga. Uma tradição muito forte que é bem representada na cidade. Fiquei encantada com a descrição de cada ritual. Lindíssimo post!
Não sou uma pessoa religiosa, mas a Semana Santa de Braga atrai tantos visitantes, que achei que já devia esse post há algum tempo aos meus leitores
Que interessante a Semana Santa de Braga! Estive na cidade num feriado religioso e vi algumas cerimônias bem bonitas também 🙂
Muito impressionantes os festejos da Semana Santa em Braga, e como essas tradições são antigas, não? Aqui no Brasil muitas cidades pequenas mantêm alguns rituais nesse período, como as procissões sobre um tapete de serragem com imagens santas, mas não se vê mais isso em cidades maiores.
Muito interessante saber como é a semana santa em Braga, cujas procissões se assemelham às que temos – ou tínhamos, já não sei – no Brasil. Mas nunca tinha ouvido falar dos farricocos e fiquei imaginando o efeito que causavam ao divulgar os BOs das famílias! Lindas fotos, Ruthia, parabéns pelo post.