Atualizado em 6 Agosto, 2023
A maior das nove ilhas que formam os Açores tem paisagens impressionantes, um clima avariado, pessoas simpáticas de sotaque quase incompreensível, comida farta e genuína. Apanhem boleia neste roteiro pelos sabores micaelenses.
Depois de conhecermos as maravilhas naturais da ilha e também a sua capital, Ponta Delgada, é altura de nos sentarmos à mesa para degustar as maravilhas micaelenses. Muitos dos produtos aqui descritos podem ser encontrados no Mercado da Graça, em Ponta Delgada. Eis 10 iguarias, sem qualquer ordem de preferência, que vos farão babar teclados.
#1 Ananás
Presença obrigatória à mesa, como sobremesa ou incorporado em licores, compotas e cheesecakes, o ananás é um dos produtos açorianos mais famosos e docinhos.
Esta cultura foi introduzida nos Açores em 1850. As plantas são cultivadas em estufas de vidro caiado de branco, em “camas quentes” que procuram recriar as características dos climas húmidos e quentes de onde o fruto é originário. São quase dois anos de cuidados, até os ananases estarem no ponto para serem comidos.
Alguns produtores permitem a visita gratuita às estufas, para observar as várias etapas da produção do fruto, que aqui é biológico. Nós visitámos a Quinta Augusto Arruda, mas existem outras na região da Fajã de Baixo, a 5 ou 6 km de Ponta Delgada.
#2 Chá
“Pode saborear-se, jamais exprimir-se, a doce tranquilidade que se fica devendo a uma boa chávena de chá”, afirmou Kien-Long.
As plantações de Camellia sinensis fazem parte da paisagem de São Miguel desde o século XIX, sendo o único local onde se produz chá na Europa. É possível visitar as duas fábricas na encosta norte da ilha – Gorreana e Porto Formoso – plantações e maquinaria que origina o chá dos Açores, preto e verde, 100% biológico.
Como referi noutra ocasião, a minha preferida é a fábrica familiar Porto Formoso, com instalações mimosas e um acompanhamento ao visitante que merece ser elogiado. É o lugar ideal para a pausa tranquila cantada pelo imperador chinês.
#3 Cozido das Furnas
Mais não é do que o Cozido à Portuguesa com algumas variantes locais, como o inhame e a batata-doce, cozinhado no calor do chão vulcânico. Ora como demora cerca de seis horas debaixo da terra, o mais prático será mesmo optar por um restaurante, com reserva prévia, porque a procura é grande. Os turistas vão ao Tony’s ou a outro grande restaurante do centro comê-lo, já os micaelenses vão ao Restaurante Vale das Furnas, no parque de campismo, ou fazem o seu próprio cozido (custa 3€ usar um dos buracos para o efeito).
Sobre o famoso cozido pouco posso dizer já que, como muitos de vocês sabem, não como carne mas garantiram-me que o cheiro a enxofre não interfere com o sabor do prato.
#4 Queijadas da Vila
E para acompanhar uma bela chávena de chá, que tal uma queijada? Este doce tradicional e conventual – nascido no Convento de Santo André – tem tradição secular. Existem várias casas em Vila Franca do Campo que vendem as ditas queijadas, mas as mais afamadas são as do Morgado, apesar do atendimento na confeitaria não ser o mais simpático (ou tive azar). As ditas também estão disponíveis em todos os supermercados da ilha.
#5 Bolo Lêvedo
A pequena localidade das Furnas é também o sítio certo para provar o bolo lêvedo, um pão redondo e achatado, com um sabor doce mas leve, que tanto se come simples como se usa para fazer sanduíches e hambúrgueres.
Os bolos lêvedos da Glória Moniz são os mais genuínos, fofos e tradicionais. Fizemos lá uma paragem estratégica que comprar um carregamento deles, que nos durou o resto da semana.
#6 Peixe e marisco
A geografia açoriana tem influência directa na sua gastronomia, ou seja, usa muito peixe e mariscos. As opções são muitas, da sopa de peixe do Cantinho do Cais (Ribeira Grande) aos bifes de atum, passando pelo peixe grelhado da região da Caloura.
O meu top três é constituído pelos míticos chicharrinhos do Mané Cigano, o bife de atum d’A Tasca, envolto em sementes de sésamo, com mostarda e maionese caseiras, e as lulas picantes do Restaurante Vale das Furnas que, para além de divinas, chegaram a um preço muito simpático.
Vale a pena alongar-me sobre o Mané Cigano, nome artístico da Cervejaria Sardinha. Dele se diz que é referência mundial na arte de fritar chicharros (carapaus) e que é um dos melhores restaurantes de Ponta Delgada. Restaurante não. Tasca. Com balcão de alumínio e paredes de azulejo, o empregado que serve a uma velocidade supersónica, os calendários, os galhardetes dos clubes, e o cantinho da fama, que ostenta as fotografias dos famosos que por aqui passaram, atraídos por esta comida genuína, despretensiosa, a preços acessíveis.
O menu escrito à mão numa folha de papel tem pouco uso porque aqui comem-se sobretudo os chicharros fritos, panados em farinha de milho. Chegam à mesa dourados e ladeados de inhame, batata, pimenta da terra, feijão branco assado e cebola curtida. Vale a pena chegar cedo, porque não se aceitam reservas, só se servem almoços e existem poucas mesas.
#7 Fofas da Povoação
Típico da Vila da Povoação, este doce de massa fina faz lembrar o éclair. O recheio é um creme de baunilha, a que se soma ainda uma trança de chocolate em cima, a modos de enfeite. Não consegui que me explicassem a origem do nome tão pitoresco. Se alguém souber a história, queira fazer o favor de partilhar.
#8 Pimenta da Terra
Os pratos da ilha são tendencialmente picantes e a causa é esta “pimenta da terra”, uma pasta feita de malagueta local, de cor vermelha, sabor intenso e picante. É utilizada em guisados, fritos, sopas, enchidos, pratos de peixe e carne, sendo igualmente muito comum como acompanhamento do queijo da ilha.
#9 Licores
“O sabor dos Açores numa garrafa” é o lema d’A Mulher do Capote, uma marca com longa tradição na produção de licores de frutos naturais e aguardentes. A empresa por detrás da mulher do capote é também a responsável pelo licor de maracujá Ezequiel, famoso na história e tradição dos Açores e com seis medalhas de ouro internacionais.
Se um dia voltar à ilha, com certeza visitarei a fábrica e as suas plantações de maracujá na Ribeira Grande. Ali fica também uma das lojas da marca, onde comprei uma série de garrafas em miniatura (já sabem, voei em low-cost) para oferecer. Os meus sabores preferidos foram o licor de amora e o de arroz doce (sério, servido fresco e com canela em cima, como se da sobremesa se tratasse).
O longo capote de tecido grosso azul-escuro, de influência flamenga, era uma moda nos séculos XVII e XVIII. Era utilizado pelas mulheres nobres quando saíam à rua, simbolizando o poder, económico e social, da sua família. Atualmente o capote faz parte do traje académico da Universidade dos Açores e é usado nos grupos folclóricos.
#10 Vacas felizes
A “ilha das vacas felizes” é o magnífico slogan criado por uma marca de leite açoriana. O clima chuvoso do arquipélago é o responsável pelas pastagens verdejantes e, em consequência, por um leite inigualável produzido por vaquinhas que vivem sem stress, poluição, em paisagens dignas da realeza. Porque as vacas não vivem felizes para sempre, para além do leite e queijo de sabor forte, as ilhas são também conhecidas pela qualidade da carne…
O queijo da ilha de S. Jorge é mais conhecido, mas São Miguel também produz um queijo fresco muito agradável, que pode ser encontrado em qualquer restaurante ou na lojinha “Rei dos Queijos”, junto ao Mercado da Graça, em Ponta Delgada.
Para os carnívoros não tenho dicas pessoais, mas os micaelenses recomendam sobretudo o Restaurante da Associação Agrícola (em Rabo de Peixe, na costa norte da ilha) ou o Restaurante Alcides (Ponta Delgada) para quem quer apreciar um bom bife de genuína carne açoriana.
Bom apetite!
37 Comentários
Hmmmmmm…Simplesmente babei aqui e o que me chamou hoje foi a queijada…Que delícias! Adorei ver! bjs, chica
Ai, estou lendo o post quase à hora do jantar…
Em algumas áreas de colonização açoriana no Brasil a população conserva, ainda, o falar característico.
Nunca fui aos Açores e provavelmente nunca irei, apesar de ser um sonho antigo. O facto de o marido ter cumprido lá uma comissão complicada, em que entre outras coisas, teve o terramoto de 1980, faz com que ele se negue aos voltar aos Açores. E eu não gosto de viajar sozinha.
Estou de volta, após quase 40 dias de ausência.
Abraço
Que pena Elvira. Há muita gente não gosta de viajar sozinha. Eu tenho sempre a companhia do meu pequeno explorador mas, um dia que ele cresça, acho que não paro de deambular por falta de companhia. Mas, claro, são feitios. Quem sabe ainda arranja uma companhia para realizar esse sonho…
P.S. O chão treme frequentemente nos Açores
Delícia de post, literalmente. Como sou uma formiga, estou aqui sonhando com a queijadinha e com as fofas da povoação. Hum, quero…
Eu também sou uma formiguinha… uma gulosa. Mas a lista está cheia de tentações!
Olá, conheço mais ou menos os Açores, sua beleza é ímpar, nunca é demais visitar varias vezes, adorei toda a comida açoriana, o cozido das Furnas é maravilhoso, mesmo de pois de estar com a barriga cheia, é difícil parar de comer.
A partilha é fotorreportagem é excelente, voto de feliz fim de semana,
AG
Vejo que não é homem de doces, os olhos caem-lhe para o cozido. E dos licores o que achou?
Abraço
Para mim pode ser as lulas.
Um abraço e bom fim-de- semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
vou de seguida aquecer uma sopinha porque essa delicias, mesmo em forma de imagens virtuais, despertam o apetite !
beijinho
Angela
amo abacaxi ou ananás… uma de minhas frutas favoritas… o chá faz parte de nossa rotina, a queijadinha me deixou salivando.. mas o cozido passo adiante, não me apeteceu.
bolo é sempre bolo, sempre gostoso, já com peixe e marisco, fico com peixe, marisco dispenso. As tais fofas me pareceram ser apetitosas, mas sinceramente, sou mais da pimenta que adoro o sabor picante. Aos licores digo um bye, uma vez que ando abstêmia.. e as vacas… bom não gosto de carne vermelha, mas adoro um bom queijo!
abraços guria querida!!
Somos apaixonados por gastronomia local. Com certeza pra se conhecer por completo um lugar temos que provar sua comida,seus sabores, cheiros e tudo mais. Lindo relato com otimas dicas. Parabéns
Não podia estar mais de acordo, Thiago. Embora nem sempre os paladares locais se harmonizem com os nossos gostos e hábitos. Mas não é este o caso, a gastronomia açoriana é uma delícia.
Esse queijada e o prato de peixes e marisco devem ser uma delícia, a gastronomia portuguesa é muito boa.
Sonho em visitar esta região, com este post a vontade só aumentou. Vou guardar entre meus links favoritos e utilizar de base para compor meu roteiro por Portugal!
É uma tortura ler esse post num momento de fome como estou agora… Adorei todas as comidas que você mostrou!
Lindas imagens! E os sabores de São Miguel são variados, qual deles o melhor! Boa semana!
Desde pequenina sonho em conhecer a terra natal de meu bisavô João Francisco. Ao menos por enquanto me bastam essas delícias gastronômicas. Obrigada, Ruthia!
Lúcia, pelo que tenho lido, existem muitos emigrantes açorianos na região do Rio Grande do Sul. Mas a diáspora mais significativa estará no Canadá e Estados Unidos.
Açores não faz parte de minha lista de prioridades de viagens, mas, certamente, é um destino interessante. Muitas vezes, gosto de fazer um roteiro incluindo dois ou três destinos numa mesma viagem. Você recomendaria outros lugares que possam ser combinados numa mesma viagem com Açores?
Olá Suzy. Os Açores ainda estão afastados do continente cerca de 2 mil km, então a única coisa viável seria incluir mais algumas ilhas numa visita aos Açores. Claro que isto é para quem está em Portugal, quem vem do Brasil poderia incluir uns dias no continente e uns dias num dos arquipélagos (Açores ou Madeira). Mas acho que seria muito limitado.
Abraço
Suas dicas me abriram o apetite! Fiquei encantado com o cozido (feito em um buraco no chão?), além dos peixes e mariscos e da carne de gado (que você não come!). Muitos sabores nesta ilha!
Que maravilha de postagem amiga.
Como sou carnívoro amei os pratos de carne, principalmente o cozido, que gosto muito Ruthia.
Valeu.
Meu abraço com carinho e bom fim de semana para vocês.
Que delicia de post. Tenho muita vontade de conhecer os Açores. Tenho uma prima que foi fazer mestrado em Oceanografia ai e sempre que via as fotos dela, pensava.. Um dia preciso conhecer esse lugar. Achei particularmente interessante saber que a ilha também cultiva Chá. Sabendo que a Camélia chinensis é nativa aqui da Ásia e que alguns dos primeiros moradores de Macau eram Açorianos fico pensando se essas coisas não tem relação.. Bem possível que sim.
Que delícia de post!!! Morro de vontade de conhecer Açores e vendo o tanto de coisa gostosa que tem por lá, dá vontade de pegar o primeiro avião pra ir…
Humm.. Que delicia! Adoro suas dicas e essa esta excelente. Fiquei salivando aqui! Muito obrigada pelas dicas!
Que post delicioso! Algumas das iguarias parecem meio exóticas para o meu paladar brasileiro, mas adoraria experimentar para viver mais intensamente o lugar!
Algumas são um pouco exóticos até para o paladar português!
Quantas delícias, deram-me água na boca…cada iguaria com sua originalidade.Fiz minha escolha: o imperdível cozido à portuguesa, queijadinha de sobremesa e um cálice do licor arroz doce; mais tarde um cházinho verde 🙂
Passeei à monta.
Bjo, Ruthia.
Calu
Xiii, isso é que foi enfardar, que delícia!!! Acabo de sugerir aqui ao meu consorte: "podíamos ir a São Miguel…".
Beijinhos
Espero que a sugestão tenha caído em boas graças 😉
Eu devia ter lido esse post logo após o jantar. Agora tô com água na boca e vou ter que ver o que tem na geladeira pra quebrar um galho, hahaha!
Tenho muita vontade de provar o cozido das furnas! Toda a vida a ouvir falar dele e quando lá for uma das refeições vai ter de ser essa! independentemente do calor que faça! ahahha
Ai meu Deus Ruthia… o que é este texto!!! 🙂 Uma perdição!
Eu aceito, por favor, um cozido (sabe que é um prato típico daqui de onde eu vivo?! Influência portuguesa, claro!) e depois uma queijada com uma xícara de chá. 🙂 bjus
O cozido é o prato típico da sua região, no Brasil? Que fantástico. As nossas histórias não param de se entrecruzar 🙂
Beijinho
Babei com tudo no Cozido das Furnas, Peixes e Mariscos e na Queijada. O licor de Arroz Doce é algo que levarei para o resto da minha vida, pois tenho que provar :))))
[…] açoriano como entrada. Ressalve-se que a ilha Terceira não produz ananases, mas os vizinhos micaelenses são peritos nisso, e nós somos fãs de todo o […]