Atualizado em 13 Julho, 2023

Explorar a Serra da Lousã, no centro de Portugal, é um exercício sensorial. Homem e Natureza unem-se numa melodia ditada pela tranquilidade, pela autenticidade, nas muitas aldeias do xisto que se escondem na serra

A Serra da Lousã é um pequeno tesouro perdido no interior do país, protegido pela Rede Natura 2000. É um destino de histórias, paisagens naturais maravilhosas, trilhos e cascatas, matas povoadas por corços e veados. Perfeito para uma escapadinha na natureza.

Lousã, Açor e Estrela são o trio que forma o mais imponente alinhamento montanhoso de Portugal: a cordilheira central.  Os pontos de interesse multiplicam-se nesta serra que abrange dois distritos – Coimbra e Leiria – e seis municípios diferentes.

A nossa base foi a vila homónima, a 28 km de Coimbra, rodeada de imponentes montanhas onde pontilham algumas das mais charmosas aldeias de xisto. Trocámos a confusão urbana pelo silêncio de lugarejos tradicionais, as filas de trânsito pelas caminhadas, o wifi pela conexão com a natureza, num fim-de-semana perfeito.

Na Serra da Lousã ficam 12 das 27 aldeias que integram a rede das Aldeias do Xisto de Portugal: Aigra Nova | Aigra Velha | Candal | Casal de São Simão | Casal Novo | Cerdeira | Chiqueiro | Comareira | Ferraria de São João | Gondramaz | Pena | Talasnal

Neste artigo destacamos alguns dos lugares mais bonitos da Serra da Lousã. Leia até ao fim para perceber porque esta região se tornou uma estrela do Instagram e um dos destinos românticos mais procurados de Portugal.

Aldeias do xisto da Serra da Lousã

A rede das Aldeias do Xisto é constituída por 27 aldeias com uma arquitetura particular em pedra, distribuídas pelo interior centro de Portugal, em quatro territórios dispersos: serra da Lousã, serra do Açor, Zêzere e Tejo-Ocresa.

A região permite um caloroso contacto com a Natureza, mas também com a gastronomia e as tradições ancestrais. Nós visitámos as cinco aldeias de xisto que pertencem ao concelho da Lousã num roteiro de dois dias. É impossível fazer este roteiro recorrendo a transportes públicos, pelo que o melhor será alugar carro.

Cerdeira, onde vive a inspiração

Tudo começou na Cerdeira, a mais bonita das cinco aldeias de xisto do concelho, na nossa opinião pessoal. Fomos recebidos com as interrogações de Miguel Torga: “Quando é que a arte povoará de novo os lugares ermos e abissais de Portugal?

Foi preciso atravessar um portal mágico, uma pequena ponte que nos conduziu até à fonte, onde matámos a sede. Adentrámos então na aldeia de ruas estreitas e pequenas casas de xisto e madeira, que parecem ter escolhido os locais mais difíceis para nascer, num abraço verdejante.

Graças ao projeto Cerdeira Home for Creativity, a aldeia reinventou-se sem perder a sua genuinidade, tornando-se um local de criação artística permanente, escondendo segredos e arte em cada recanto. O objetivo é criar “uma comunidade de artes com uma aldeia secular como casa e o mundo como inspiração”. Vale a pena ficar alojados na Cerdeira (nós não conseguimos, estava tudo esgotado) e fazer um dos muitos workshops disponíveis.

Participante espanhola de um workshop de cestaria, na aldeia da Cerdeira.

Candal, a aldeia aninhada na serra

A aldeia do Candal é rasgada (e alimentada) por dois cursos vitais: a ribeira com quem partilha o nome e a estrada nacional 236, que traz os visitantes. Desafiada a nascer na encosta sul da Serra da Lousã, assumiu um carácter altivo, em forma de anfiteatro, que é uma delícia fotografar.

Outrora ponto de paragem para os viajantes, hoje o Candal convida a permanecer, num dos vários alojamentos turísticos. Para conversar com os habitantes, embalados pela melodia da ribeira que, a cerca de 800 metros da aldeia, se escangalha numa cascata exuberante, ou simplesmente permanecer em silêncio.

Chiqueiro, aldeia dos rebanhos

Diz-se que as campainhas dos rebanhos embalam o Chiqueiro, a mais pequena das aldeias de xisto que visitámos. Construída em xisto resgatado da Serra da Lousã, deve o seu nome à pastorícia, principal fonte de rendimento local [como será que se chamam aos seus habitantes?].

De uma simplicidade contagiante, as casas, currais, palheiros e ruínas espalham-se em apenas duas ruas íngremes, envolvidas por vegetação luxuriante. Os rebanhos de cabras andarão pela serra, a conviver com veados e javalis.

Na aldeia vemos apenas gatos e uma moradora, que se afirmou feliz com a futura unidade de alojamento, em construção na aldeia, mas reiterando que não ela e a família (a única que lá vive) não querem a confusão que já se vive no Talasnal.

O miradouro sobre a aldeia de xisto do Candal.

Casal Novo em xisto velho

A pequena aldeia do Casal Novo quase passa despercebida, no caminho para o Talasnal. Refugiada nas encostas da Serra da Lousã, desliza montanha abaixo, como que procurando o caminho até ao Santuário da Nossa Senhora da Piedade.

Descemos as escadarias da rua principal, rasgada por pequenas artérias transversais, até à eira, para apreciarmos a vista sobre a Lousã e o seu castelo. Mas a aldeia é mais do que mero miradouro. O Casal Novo é museu de vidas antigas, imortalizadas nas pedras de xisto e nas eiras, onde outrora se ouviam histórias e cantilenas comunitárias.

aldeias do xisto

Talasnal, montanhas de amor

Terminámos o roteiro na aldeia do xisto mais conhecida da Serra da Lousã, que serviu de cenário na série televisiva “Mata Hari”. O Talasnal é não só a maior aldeia de xisto da serra, mas também uma das melhores preservadas, com as casinhas recuperadas com esmero.

A aldeia recebe os visitantes num simpático largo, com uma fonte de água fresca, para depois se complicar em labirínticos caminhos de sobe e desce, entre casas de xisto floridas. A Serra da Lousã, protectora e fonte de vida local, envolve a aldeia e as suas memórias agrícolas. Os lagares, recordam que ali se fazia o azeite, fonte de sabores recriados nos restaurantes locais.

A antiga escola acolhe hoje os visitantes com Loja do Xisto. Para além de licores, vinhos e outros produtos regionais, ali se vende o Talasnito, doce onde brilham dois produtos locais de excelência: mel e castanha. Outras lojinhas vendem bolinhos à base destes mesmos ingredientes, como sejam os curralitos e os retalhitos.

Outras aldeias do xisto

Nas nossas deambulações por Portugal, tivemos oportunidade de visitar outras aldeias que integram a rede de aldeias do xisto, mais ou menos longe da Serra da Lousã. Em comum, o encanto das construções, uma população envelhecida que gosta de conversar, boa comida e tranquilidade.

É o caso da pequenina aldeia de Figueira no concelho de Proença-a-Nova, com apenas 15 habitantes, a maioria com mais de 90 anos de idade que tive oportunidade durante uma roadtrip pela Beira Baixa. Vale a pena procurar as casas com escadinhas que escondiam galinheiros e os cancelos do lobo, que se fechavam durante a noite encerrando as portas da aldeia. Se tiverem oportunidade de almoçar por lá, vá experimentar a Casa da ti’Augusta.

Mais recentemente visitei Janeiro de Cima (e de Baixo também), no concelho do Fundão, para um workshop de fotografia organizado pela ABVP – Assoc. de Bloggers de Viagem Portugueses. Foram dois dias a fotografar esta região de população simpática, que sabe bem receber, uma praia fluvial muito agradável e comas gastronómicos por culpa do restaurante O Fiado.

#Dica: não muito longe de Janeiro de Cima encontra a Barragem de Santa Luzia (concelho de Pampilhosa da Serra) com paisagens maravilhosas. Se tiver oportunidade, faça uma atividade de observação noturna na barragem com a equipa da Epic Land, numa região certificada como destino internacional de Starlight.

paisagem junto da barragem de Santa Luzia

Que mais fazer na Serra da Lousã

Para além de visitar as aldeias do xisto da Serra da Lousã, não deixe de conhecer o Castelo de Arouce, mais conhecido como castelo da Lousã, as praias fluviais e os trilhos da região.

Castelo da Lousã

Num monte escarpado na margem direita do rio Arouce, o pequeno castelo do século XI fica ainda assim no fundo de um vale, graças à imponência das serras que o rodeiam. As palavras do nosso Nobel Saramago estão gravadas à entrada, transcrita da sua Viagem a Portugal: “Quem diz castelo, pensa altura, domínio de quem está de cima, mas aqui tem de pensar noutras coisas”.

Diz a lenda que terá sido erguido na época da ocupação muçulmanapelo emir Arunce, para a protecção da sua filha Peralta e dos seus tesouros, depois de ser derrotado e expulso de Conímbriga. De acesso gratuito, vale a pena percorrer as muralhas em xisto e subir à torre de menagem, para apreciar a paisagem do topo. Depois seguir para a praia fluvial e visitar a pequena capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade.

O castelo de Arouce (ou Lousã).

Praias fluviais da Lousã

O concelho da Lousã possui três praias fluviais, vigiadas durante a época balnear que merecem uma visita. A mais conhecida é a praia da Sra da Piedade, junto ao castelo, lugar conhecido entre a população por “Burgo”. Para lá chegar, é preciso descer uma estrada sinuosa de dois quilómetros.

Banhada pelas águas frescas e transparentes da ribeira de São João, esta pequena praia de Bandeira Azul possui uma cascata que recebe um baloiço, quando o leito tem água suficiente. O recinto conta com um café com esplanada, mesas e cadeiras para um belo piquenique.

Não muito longe, existem duas praias bem maiores, banhadas pelo rio Ceira: a praia fluvial da Senhora da Graça, à entrada de Serpins, e a praia fluvial da Bogueira, que possui uma pequena piscina ideal para as crianças.

Trilhos para caminhadas e BTT

Para quem gosta de caminhar, saiba que existem mais de 600 quilómetros de percursos pedestres devidamente homologados, para além de vários trilhos de BTT, com vários níveis de dificuldade e apoiados por Centros de BTT.

O primeiro percurso pedestre é o PR1 – Caminho do Xisto da Lousã – Rota dos Moinhos, de 6 quilómetros, e liga o centro da Lousã ao complexo da Nossa Senhora da Piedade (onde fica o castelo, a praia fluvial e a capela). Ali chegados, é possível encontrar outros percursos que percorrem as encostas da serra até às aldeias de xisto. Pode consultar os trilhos no site do município ou da rede de aldeias do xisto.

As letras “Lousã” ficam na estrada para a aldeia do Chiqueiro.

Projeto “Isto é Lousã”

O projeto “Isto é Lousã” instalou peças em madeira em vários locais emblemáticos do território, que dão um toque especial à Serra da Lousã. É possível que já tenha visto várias destas instalações no Instagram. É o caso da moldura com vista para a vila da Lousã, as letras gigantes a caminho da aldeia do Chiqueiro, miradouros para várias aldeias de xisto e o famoso Baloiço de Trevim, a 1200 metros de altitude.

Com uma vista magnífica sobre o vale, ali volta-se à infância para baloiçar sobre o vazio e sentir a brisa fresca nos cabelos. Aqui o vento não sopra, canta, guiando-nos pelos seus versos. O lugar é particularmente bonito ao pôr do sol. Se o encontrar repleto de gente, é sentar-se nos troncos de madeira e apreciar a paisagem.

Outros locais bonitos do Isto é Lousã em que tropeçámos:

  • Baloiço Alto do Trevim (coordenadas de GPS: 40°04’37.7″ N | 8°11’28.6″ W)
  • Moldura na estrada da Lousã-Talasnal (40°05’43.9″ N | 8°14’32.5″ W)
  • Letras “Isto é Lousã”, perto da aldeia de Chiqueiro (40°05’16.1″ N | 8°14’07.0″ W)
  • Baloiço da Praia Fluvial da Senhora da Piedade (não estava instalado ainda, mas o spot é muito bonito)
  • Moldura para a aldeia do Talasnal (cuidado que a estrada é muito estreita e não existe lugares de estacionamento)
  • Miradouro sobre a aldeia do Candal

Dicas úteis para visitar a Serra da Lousã

Como chegar à Lousã

O percurso da Serra da Lousã ao Porto demora um pouco mais de hora e meia. Pode apanhar a auto-estrada A1 Lisboa-Porto, sair em Coimbra e depois tomar a variante de Foz de Arouce e a EN17 até à Lousã.

Se partir de Lisboa, poderá contar com um pouco mais de duas horas, saindo da A1 em Torres Novas, convergindo para a A23 e A13 (que passa em Tomar), e depois tomando a saída 26 para a N342.

No concelho da Lousã, as estradas são razoáveis, incluindo o acesso ao baloiço de Trevim, que estava em péssimo estado recentemente. No entanto, refira-se que a maioria das estradas de acesso às aldeias de xisto são muito estreitas: quase não passam dois carros em sentido oposto. Pelo que se recomenda prudência.
Se gosta de viagens de carro, vai gostar de ler também Road trip no Alto Alentejo e EN103: eco road trip de Bragança ao Alto Minho.

A aldeia de Chiqueiro pode ser a menos interessante, mas a estrada para lá chegar não.

Quando visitar

A Serra da Lousã recebe os visitantes de forma distinta, nas várias estações do ano. No Inverno, com chuva ou neve, as aldeias do xisto são encantadoras: alugue uma casa com lareira. Na Primavera, a serra enche-se de flores e os riachos cantam em todo seu esplendor. No Verão, pode aproveitar as praias fluviais. No Outono, a serra fica pincelada de espectaculares tons de amarelos, castanhos e vermelhos, com a vantagem de coincidir com a época de acasalamento dos veados.

Se pretende fazer caminhadas e outras actividades na Natureza, os meses de Primavera e Outono serão os melhores para uma escapadinha na Serra da Lousã.

Comer na Lousã

Entre os produtos tradicionais, destacam-se os licores (ex. o Licor Beirão), os vinhos, o mel DOP Serra da Lousã e os enchidos. Poderá encontrar estes produtos gourmet, bem como artesanato, tradicional e contemporâneo, nas Lojas do Xisto.

À mesa pode contar com chanfana, cabrito, sardinha albardada, javali com castanhas, migas e serrabulho. Alguns dos restaurantes onde pode provar estas iguarias tradicionais são o restaurante Burgo junto ao castelo da Lousã, famoso pela “rapsódia”, que consiste em seis entradas, seis pratos principais e seis sobremesas. Nós não conseguimos que nos atendessem o telefone para fazer reserva (obrigatória), portanto não podemos atestar a qualidade.

Na aldeia do Talasnal, recomendo vivamente o rústico restaurante Ti Lena, com comida caseira, como se tivesse sido feita pela nossa avó. A senhora só faz comida por encomenda, portanto é imperativo fazer reserva e, fora da época alta (Julho a Setembro), só abre aos fins-de-semana e feriados. Nós provámos e aprovámos o bacalhau assado com batata a murro, mas o lugar é famoso pelo cabrito assado no forno.

Na aldeia do Candal, o pequeno, mas acolhedor, restaurante Sabores da Aldeia também é uma escolha segura. Cabrito assado, entrecosto com castanhas e bolo de mel são os seus pratos fortes. Como já perceberam, a serra não dá vida fácil aos vegetarianos. Para estes, uma boa opção será a Taberna Burguesa, a Villa Lausana ou Q.B. Restobar, todos eles na vila da Lousã.

Dormir na Lousã

Acho que a experiência de dormir numa aldeia de xisto é incomparável, pelo que recomendo uma das unidades do Talasnal montanhas de amor ou uma das nove casas de xisto renovadas, com kitchenette, da Cerdeira Home of Creativity.

Na vila, pode aproveitar o charme do boutique hotel Palácio da Lousã, inserido na antiga Casa da Viscondessa de Espinhal. O edifício brasonado (do século XVIII) e classificado como Património Histórico de Interesse Público é muito glamouroso. Depois, existe todo um conjunto de unidades em espaço rural que permitem um contacto próximo com a natureza como este Adore Portugal Bungalow Natureza & Vista de Serra.

Este artigo faz parte do 8on8, um projeto coletivo que une lindas viajantes em volta de um tema comum, no dia 8 de cada mês. Espreitem os restantes textos sob o tema “Viagens de carro”, inspirem-se e partilhem: 

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